OS RATINHOS E A AÇORDA SEM OVO (RETRATOS DO ALENTEJO)
Duas crianças estavam ali por perto. O mais velhinho corria montado num cabo de vassoura, ” o seu cavalo”… O mais novo era ainda um bebé. Um bocado de cortiça servia-lhe de berço, onde dormia tranquilamente. Enquanto o irmão se perdia, sabe Deus por que caminhos no “seu alazão“, O Pai tinha chegado, sem que a criança desse por isso e ficou à porta olhando para os filhos tristemente! Saíra de manhã cedo, na esperança de arranjar trabalho, mas como em tantos outros dias, voltou para casa sem trabalho e sem esperança.
- Ó Pai!- disse o rapazinho, ao dar
pela sua presença, correndo para ele. Apertou-o com força contra o peito,
enquanto uma lágrima teimosa caía sobre a pequena mão da criança.
- Estás cansado, Pai? Estás a suar!
Vinda do quintal, a Mãe olhava-os
comovida!”
- E atão, home, nada?
- Nada, moça… Isto vai de mal a pior!
- São os” ratinhos,” não são, Pai?
Os “ratinhos”
eram os trabalhadores, fugidos da fome , que assolava as zonas onde
viviam, como alíás assolava todo o País! Como se contentavam com a pequena
jorna, que os lavradores lhes pagavam, quando
chegava a hora de contratar pessoal , eram eles os escolhidos. O pessoal
da terra já não sabia como sustentar as suas famílias! Estava-se entre os anos
40 e 50. A sombra da grande guerra e a guerra de Espanha pairavam sobre o Alentejo
profundo, onde os recursos eram nulos. Aquelas crianças não entendiam de
guerras, de faltas de trabalho e afins. Nos Pais, a revolta era de todos os
dias! O pouco dinheiro que entrava naquela casa era resultado do trabalho da
Mãe que, uns dias por outros, passava a ferro em casa das senhoras mais
abastadas, “das Donas,” como lhes chamavam! Ela não era Dona, nem Senhora. Era
a Maria, do António da Cerca. Dois filhos para criar e umas mãos habilidosas, que
deitavam mão a tudo para que os filhos não passassem fome.
- Olha, Maria, combinei com o Jaquim da Rosa e amanhã cedo vamos feitos Maltezes, por esses Montes mais longe…pode ser que “trágamos” alguma coisa para casa!
- Vê o que fazes, home de Deus! Prefiro
morrer de fome, mai los moços pequenos, do que ter complicações!
Abraçou-
a com força, dizendo:
- Atão não confias no teu home, minha
Maria? Eu vou procurar onde ganhe algum dinheiro, trabalhando. Só quero criar os nossos filhos em paz, sem
fome.
A Mãe foi preparar a açorda. Numa
tigela de barro, deitou um pouquinho de azeite, umas gotas de vinagre e os
coentros que tinha ido buscar ao quintal. Cortou o pão em fatias muito finas e
cobriu tudo com a água que fervia na lareira.
- Mãe, e o ovo? Esqueceste-te do ovo!
- Não. Não esqueci. A galinha pedrez anda
cansada e hoje não há ovo para ninguém. Come, anda! Amanhã, ela põe um ovinho
só para ti!
Elita Guerreiro 28 /1/2022
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