A (BREVE E
TRISTE)
HISTÓRIA DE
TENÓRIO
A
senhora Maria Puga tem olho de lince, no que toca a reconhecer os pintainhos!
Uma pessoa pouco informada não vê diferença nenhuma: são todos amarelinhos,
redondinhos e piam todos igualmente em concerto ensurdecedor…
Mas
ela, vê. E assim que sai da casca, Tenório é baptizado ali, sem nenhuma dúvida:
“há-de ficar para galo”!
E
assim cresceu, corajoso e lindo até poder dizer-se um galo de verdade, isto é,
até, esporões e crista em riste, poder lançar ao mundo o seu estridente e
irreprimível cócorocó que acordou meio mundo e empalideceu de ciúmes todos os
galitos das redondezas.
A
partir desse dia, todo inchado de orgulho e auto-satisfação, foi proclamado o
Chefe do galinheiro. E que viessem os galos dos vizinhos: levavam uma coça e
fugiam coxos e com algumas plumas a menos.
E
viveu assim o Tenório, a majestade galinácea da Senhora Maria Puga, que o
olhava de soslaio enquanto fazia crescer outras ninhadas de pintos – entre os
quais os filhotes que ele ia semeando – à coca, para ver quando o meteria na
panela!
Que
ele já andava desconfiado, andava: havia sinais. Mas ele estava tão convencido
que a patroa o admirava e dele tinha orgulho, que não queria acreditar que
tivesse coragem… Ela não teria coragem para o degolar, como a tinha visto
tantas vezes fazer aos seus congéneres !
Mas
um dia, quando ia lançar o seu canto, outra voz ressoou, cristalina, jovem,
pura Cócorocó … O filho… ah, o filho!
E
a patroa a dizer “…um filho que não lhe há-de ficar atrás” ! Lembrou-se de a
ouvir tratá-lo de “velho” e veio-lhe um desespero pela “sentença sem apelo”:
galo velho ? Ele, o dono e senhor daquele harém a quem nunca deixara de dar assistência?
Mau sinal.
Mas
a Maria Puga tinha o ouvido fino e mal ouviu cantar o galarote, nem ai nem ui,
antes que o Tenório tivesse tempo para fazer conjecturas,
veio de lá com a faca afiada e zás: adeus Tenório !
M.F.
18.5.18
O
galo Tenório é o protagonista da história. À nascença não é fácil diferenciar
os pintainhos de uma ninhada. Só mesmo gente experimentada o consegue fazer.
Foi o caso da senhora Maria Puga que, ao ver aquele pintainho acabadinho de
nascer, logo adivinhou tratar-se de frango macho com potencial para “ficar para
galo”.
Cedo,
Tenório mostrou querer dar razão à experimentada senhora. E, na primeira
oportunidade que teve em medir forças com o líder em exercício, enfrentou-o com
tamanha galhardia que o sucesso veio por acréscimo.
O
assalto final à liderança da capoeira ocorreu quando, numa “manhã de Outubro”,
Tenório vencendo os medos, lançou o “grito” que a todos convenceu
decididamente, có-có-ró-có-có!..
Quer
a senhora Maria Puga, quer o senhor António, quer ainda toda a capoeira estavam
rendidos à excelente prestação de Tenório e à sua competência nas diversas
vertentes a que um galo tem de dar resposta, sem vacilar, na sua atividade
diária.
O
tempo veio a confirmar todas as expectativas. Maria Puga estava encantada com o
desempenho de Tenório e com os elogios vindos de toda a vizinhança. Tenório,
esse, não disfarçava a sua vaidade, a sua segurança e a sua vontade de lançar
frequentemente o típico có-có-ró-có-có!..
Tudo
corria muito bem para Tenório. Esse facto deve ter contribuído para que
exagerasse a sua confiança e tivesse baixado a guarda relativamente à
concorrência que espreitava pela sua oportunidade, ali mesmo, tão perto de si.
Afinal
todos os seres vivos têm o seu ciclo de vida, ou seja: nascem, crescem, atingem
a idade adulta, chegam à velhice e finalmente morrem.
Tenório
não se apercebeu dessa realidade. Continuava a passear a sua supremacia pelas
capoeiras de toda a vizinhança. Enquanto isso, Maria Puga já encontrara
alternativa ao nosso herói. Tratava-se do próprio filho de Tenório.
Quando
Tenório se apercebeu das intenções da velha ficou, como é costume dizer-se,
“para morrer”. Logo, logo, após este pensamento, viu a velha com a faca afiada
caminhar na sua direção…
Porventura
Tenório julgou-se insubstituível e esqueceu-se que todos nascem
para ter uma função e, com naturalidade, acabam por ceder o seu lugar aos mais
jovens. Estivesse ele preparado para essa realidade e não teria sofrido tanto
na hora da rendição.
Posto
isto, é legítimo pensar que Miguel Torga, ao escrever este conto, pretendeu
passar duas importantes mensagens:
Ø Todos
temos uma missão a cumprir. Porém essa missão não é eterna. Temos de estar
preparados para respeitar o ciclo de vida e reconhecer que o poder é efémero.
Ø A
vaidade e o orgulho, bem como a falta de humildade, levam a que se perca o foco
sobre o essencial. A perda de foco compromete a qualidade e fragiliza a competitividade,
apressando, por isso, a chegada da velhice.
Fernando
Amaral
Maio
de 2018
“TENÓRIO”
Ainda mal saído da casca e já os donos
achavam que ia ser um belo galo e prometiam dar-lhe outro destino que não a
panela.
Cresceu forte, saudável e belo. E como
não podia deixar de ser, cheio de
orgulho da beleza das suas penas
coloridas e reluzentes, da sua crista vermelha e dos enormes esporões das suas
patas! Era o rei da capoeira e não havia galinha que lhe resistisse!
Maio chegou e com ele as festas da Ascensão. Por momentos, esqueceu
vaidade, orgulho e tudo o mais, quando viu a dona pegar na faca e
degolar os franganotes, seus irmãos. Pensou,
nervoso: será que vai chegar a minha vez? Escapou de boa!... A senhora Maria
Puga” continuava firme na sua vontade de fazer dele o dono e senhor daquele
harém. Felizmente não fazia parte daquela chacina! Ainda tinha muitas
descobertas para fazer! Uma delas, que se
tornou num memorável acontecimento,
deu-se no Outono. Tenório sentiu algo de estranho que não conseguia dominar.
Sem entender o que se estava a passar, esticou o
pescoço, abriu o bico e cantou pela primeira vez “Cá- que- rá-cá”!
Orgulhosa, a dona perguntou ao marido:
- “Ouviste o frango”? Qual frango, qual
carapuça! Era um galo feito…
E mostrou ser um valentão, quando o
galo da vizinhança invadiu o território, para desinquietar a garnisé. Lutou com
alma e acabou com o intruso. Cresceu a vaidade do Tenório
e dobrou o respeito do harém.
A partir dai, deixou de ter horas para
cantar. De manhã à noite, não perdia a oportunidade de fazer ouvir o cristal da
sua voz! Começava, porém, a ficar preocupado e a sentir
que o ciúme lhe espicaçava o coração. Já
havia na capoeira alguém que parecia ter capacidade para o
destronar. Herdeiro do seu porte altivo e da sua voz cristalina, era o seu filho, a quem a dona já gabava os
feitos! Tudo piorou quando a dona, um belo dia apareceu, munida de faca e
alguidar e se aproximou da capoeira. É agora!,
pensou: e não se enganou…
Terminava ali o seu reinado. Outro rei tinha sido aclamado.
Elita Guerreiro * Maio de 2018
“BICHOS DE MIGUEL TORGA”
“TENÓRIO” (o galo)
Ao ser dado o
nome de Tenório a um galo, Miguel Torga quis provavelmente dar destaque ao seu belo
canto da capoeira (tenor?...).
O conto
mostra-nos valores e atitudes da nossa existência:
·
Ninguém é indispensável
na vida.
·
Todos nascemos
para cumprir uma missão e acabamos por ceder o nosso lugar a outros.
·
Nada é eterno na
vida e esta verdade tanto é válida para o homem como para um animal.
No
caso de Tenório, que vai envelhecendo, a sua hora irá chegar e outro tomará o
seu lugar.
Sofre,
ao ponto de se revoltar contra tal situação. Poderia ter preparado esta etapa
durante a sua vida. Deveria ter sabido aceitar que o poder é efémero.
Tenório,
como todos os seus congéneres, é o exemplo da vaidade pelas suas
características físicas: (“a Crista,
e as cores lindas das suas penas dão-lhe um ar altivo”), e pelas suas características psicológicas –
(O Canto e a superioridade no seu reino, a capoeira).
Para
ele foi um choque tremendo, mas a verdade é que se cumpriu a sua substituição
pelo filho, no harém que fora seu durante anos.
Azeitão,
19-05-2018
Carmo Bairrada
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