A VIAGEM
Conto de Sophia de Mello Breyner Andresen
Este conto de Sophia poderá ser analisado, evocando um certo paralelismo com uma frase do filósofo Pré-Socrático Heráclito:
- “Tu não podes descer duas vezes no mesmo
rio, porque novas águas correm sobre ti”.
Nesta frase o filósofo, de forma metafórica, refere-se ao Fluxo Universal da Vida, ou seja, por mais
que se tente voltar a um lugar onde estivemos antes, não encontraremos mais o
mesmo, que conhecemos anteriormente.
Da mesma forma acontece com as tomadas de decisão, que se
fazem ao longo da vida: “por mais voltas que se tente dar”, nunca será igual à
primeira vez.
No conto “Viagem”, este pensamento aparece retratado nas
tentativas da retoma das acções efectuadas sem êxito pelo Casal (Homem e
Mulher) .
A trajectória da viagem poderá ser interpretada como o “Caminho da Vida” e o retorno aos
objectivos como tentativa de uma retomada de decisão. Trajectória na qual não
se pode voltar atrás, porque as escolhas foram feitas e são irreversíveis ao
ponto de nada mais ser, como antes.
A moralidade no contexto do conto refere-se à liberdade
como uma condição para trilhar um caminho ético. Na cultura Grega, que Sophia
tão bem conhece, o”êthos
(Ética)”, era a maneira, que o homem tinha de ser e de se conduzir
em sociedade, sendo uma forma exemplar de mostrar aos outros a sua conduta, a
qual se aplicava também às suas tomadas de decisão.
A construção da narrativa, onde o Casal passa por
encontros e desencontros, onde descobre e deixa muitas coisas para trás é uma
boa alegoria da forma de agir do homem.
Ao ler esta narrativa, constatamos que é constituída por
vários símbolos. Entre eles, os fundamentais serão “ a Encruzilhada e o Abismo” . Estes dois enformam uma grande Alegoria, que
é a da “Vida como Viagem”.
O Conto representa, portanto, a conduta humana perante os
desafios que se deparam (obstáculos e escolhas), impostas pela “Viagem da Existência Humana.”
É uma longa jornada, que é apresentada, sem início, com
fim desconhecido, e percurso complicado; é uma trajectória cheia de encontros e
perdas, de êxtases e desesperos, representando verdadeiramente “a própria existência humana.
Este casal pode muito bem ser, inconscientemente, “o
homem contemporâneo,”
nascido num mundo complicado, perdido na vida, com
destino incerto e trajecto cheio de “perdas e ganhos”.
Existe nesta narrativa um aspecto curioso, que é a
insistência “da busca do lugar maravilhoso”, sem terem a certeza da sua
existência real. Apesar do trajecto que o Casal percorreu lhes ter proporcionado bons lugares e bons
momentos, não estavam satisfeitos com essas dádivas da Natureza, por isso a sua
insistência na procura do divino lugar. Mais uma vez podemos por em paralelo o
Casal e o homem contemporâneo, parecendo que este nunca se contenta com o que tem,
buscanso sempre algo mais. Como se a busca daquele lugar mítico fosse o seu
objectivo de vida e, sem ele, a vida não fizesse qualquer sentido.
Azeitão, 03-02-2017
Carmo
Bairrada
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