segunda-feira, 24 de abril de 2017

Análise do conto "Viagem" de Sophia de M. Breyner Andresen


A VIAGEM

Conto de Sophia de Mello Breyner Andresen

Este conto de Sophia poderá ser analisado, evocando um certo paralelismo com uma frase do filósofo Pré-Socrático Heráclito: 

- “Tu não podes descer duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sobre ti”.

Nesta frase o filósofo, de forma metafórica, refere-se ao Fluxo Universal da Vida, ou seja, por mais que se tente voltar a um lugar onde estivemos antes, não encontraremos mais o mesmo, que conhecemos anteriormente.

Da mesma forma acontece com as tomadas de decisão, que se fazem ao longo da vida: “por mais voltas que se tente dar”, nunca será igual à primeira vez.
No conto “Viagem”, este pensamento aparece retratado nas tentativas da retoma das acções efectuadas sem êxito pelo Casal (Homem e Mulher) .

A trajectória da viagem poderá ser interpretada como o “Caminho da Vida” e o retorno aos objectivos como tentativa de uma retomada de decisão. Trajectória na qual não se pode voltar atrás, porque as escolhas foram feitas e são irreversíveis ao ponto de nada mais ser, como antes.

A moralidade no contexto do conto refere-se à liberdade como uma condição para trilhar um caminho ético. Na cultura Grega, que Sophia tão bem conhece, o”êthos (Ética)”, era a maneira, que o homem tinha de ser e de se conduzir em sociedade, sendo uma forma exemplar de mostrar aos outros a sua conduta, a qual se aplicava também às suas tomadas de decisão.

A construção da narrativa, onde o Casal passa por encontros e desencontros, onde descobre e deixa muitas coisas para trás é uma boa alegoria da forma de agir do homem.
Ao ler esta narrativa, constatamos que é constituída por vários símbolos. Entre eles, os fundamentais serão  “ a Encruzilhada e o Abismo” .  Estes dois enformam uma grande Alegoria, que é a da  “Vida como Viagem”.
O Conto representa, portanto, a conduta humana perante os desafios que se deparam (obstáculos e escolhas), impostas pela “Viagem da Existência Humana.”
É uma longa jornada, que é apresentada, sem início, com fim desconhecido, e percurso complicado; é uma trajectória cheia de encontros e perdas, de êxtases e desesperos, representando verdadeiramente “a própria existência humana.

Este casal pode muito bem ser, inconscientemente, “o homem contemporâneo,”
nascido num mundo complicado, perdido na vida, com destino incerto e trajecto cheio de “perdas e ganhos”.
Existe nesta narrativa um aspecto curioso, que é a insistência “da busca do lugar maravilhoso”, sem terem a certeza da sua existência real. Apesar do trajecto que o Casal percorreu  lhes ter proporcionado bons lugares e bons momentos, não estavam satisfeitos com essas dádivas da Natureza, por isso a sua insistência na procura do divino lugar. Mais uma vez podemos por em paralelo o Casal e o homem contemporâneo, parecendo que este nunca se contenta com o que tem, buscanso sempre algo mais. Como se a busca daquele lugar mítico fosse o seu objectivo de vida e, sem ele, a vida não fizesse qualquer sentido.


 Azeitão, 03-02-2017
Carmo Bairrada

Sem comentários: