HOMERO (Sophia de Mello Breyner Andresen)
Este belíssimo texto faz uma comparação entre Homero e o Homem, figura central do texto. Ambos cantam os seus poemas.
Neste conto, o Homem (Búzio) é uma figura vagabunda da terra e das praias, que canta as suas melopeias acompanhando-as ao som de duas conchas, fazendo destas (as suas) castanholas.
A figura, quando se começa a vislumbrar ao longe na praia, faz lembrar à pequena narradora um “Ícone Manuelino”.
. A sua barba branca ondulada.
. As veias grossas das suas pernas, a lembrarem os cordames de um barco.
. Os seus olhos, com as suas mutações de cor a lembrar o mar.
. A sua maneira de caminhar, como a de um marinheiro ou o deslizar de um barco.
. O seu corpo direito, alto, como um mastro ou um pinheiro, fazia lembrar o mar.
Esta figura fazia-se acompanhar pelo seu cão velho, esbranquiçado, de pêlo grosso, comprido e focinho preto. Era o seu companheiro do peditório de sábado para o seu sustento. Juntamente com um conjunto de pobres trágicos, o Búzio era sozinho mas não solitário, não fazia pena.
"Ter pena dele seria como ter pena de um plátano, ou de um rio, ou do vento".
Numa tarde, a pequena narradora seguiu-o à distância até à praia. As suas palavras perdidas no vento transformam-se e exprimem a união da relação do Homem com a natureza. Essas palavras, que “brilhavam como escamas de peixes”, "relembravam os restos da alegria da terra". Eram palavras “tão desertas como as praias” e quando o Homem as invocava:
Vento / Frescura das águas / Oiro do sol / Silêncio das estrelas
as palavras ficavam povoadas de sentido: “chamavam pelas coisas, que eram o nome das coisas”.
Palavras que revelam a vida e são a própria vida.
“HOMERO “ in Cem Poemas de Sophia)
Escrever o poema como um boi lavra o campo
Sem que tropece no metro o pensamento
Sem que nada seja reduzido ou exilado
Sem que nada separe o Homem do vivido.
CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS
O BÚZIO
FÍSICA
velho
alto
direito
barba branca ondulada
grossas veias azuis nas pernas
andar baloiçado como um andar de marinheiro
os olhos ora azuis, ora verdes, ora roxos, como o próprio mar
PSICOLÓGICA
vagabundo
louco
calmo
calado
fala com a natureza
SOCIAL
era um pedinte solitário que tinha um cão, como único companheiro
era pobre (“não possuia nada”).
era um homem que vivia em comunhão com a natureza
(“vivia com a terra toda que era ele próprio, era a sua mãe, a sua mulher, a sua casa, a sua companheira, a sua cama, o seu alimento, o seu destino, a sua vida”).
A CRIANÇA
A narradora é uma menina, cuja família tinha uma casa junto ao mar, onde ela passava as férias. Presume-se que a criança, apesar de gostar de brincar como qualquer outra, tem uma sensibilidade demasiado desenvolvida para a sua idade.
Naquela tarde, já ao pôr do sol, viu o Homem (Búzio), a sair do jardim daquela casa onde brincava e reparou que ele se dirigia para a praia , após ter ultrapassado o portão. Sempre o tinha considerado um velho vagabundo e louco, mas tentou saber mais.
Chegados à praia, ela distanciou-se dele e começou a ver que o Búzio fazia uma espécie de ritual virado para o mar emitindo palavras que a narradora não conseguia ouvir, porque o vento depressa as dissipava, lembrando, contudo, que eram palavras de revelação de um mundo inicial, harmonioso e puro:
“palavras que chamavam pelas coisas, que eram o nome das coisas”.
Esta mensagem da Poeta (como Sophia gostava de ser tratada) alerta-nos para a necessidade de aprendermos a VER em cada OLHAR..., de sacudirmos dos nossos sentidos a poeira do tempo que nos impede de ver e “escutar o débil e surdo barulho dos búzios”.
E é sempre no real, segundo Sophia, que a verdade se nos REVELA.
Maria do Carmo Bairrada, 22/02/2011
(ilustrações a partir do suporte escrito: de Carmo Bairrada e José Bairrada)
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