“LADINO”
Aquilo é que era um figurão! Com a
desculpa de ter medo de se despenhar lá das alturas, ia ficando no aconchego do
ninho, enquanto o resto da ninhada já se fizera à vida. Oportunista, ia
beneficiando da paciência dos pais que o continuavam a alimentar.
Mas paciência é uma virtude que, como
tudo, tem o seu limite e os pais
achavam que estava na hora de o Ladino
fazer uso das suas asas e tomar o rumo da sua vida. A mãe tentava passar-lhe os
seus conhecimentos, como toda a mãe que se preza. Menos paciente, o pai já
acompanhava os ensinamentos com algumas bicadas. Mas o molengão não cedia! Como
qualquer criança birrenta, que tenta levar por diante a sua vontade, ele fazia
“ finca-pé, finca patas” e não obedecia. E depois era tão bom, tão confortável o calor do ninho! Mas…
tinha que ser. Já que tanto insistiam e que a voz da Natureza falava mais alto!...
Criou coragem e sob a vigilância da mãe, muito cheio de tremeliques e agonias,
lá conseguiu abrir as asas e fazer aquilo para que o destino o dotara, voar.
E pronto. Era um pardal e a liberdade
estava ali: nas suas asas, no azul infinito daquele céu, nas medas de
cereais, onde doravante encheria o papo. Não temia o espantalho, terror do
passaredo que esvoaçava por sobre o arvoredo da herdade. Fora
difícil sair do ninho, mas agora nada o amedrontava. Tinha um nome a
defender, tinha uma vida para viver em liberdade e paz, se o deixassem, é
claro! Um tipo, por muito esperto que seja, nunca está livre da fisgada
dum puto ou do chiar do azeite numa frigideira qualquer. Astuto, escapava às
armadilhas que a vida lhe armava! Manhoso, fingia-se comovido,
quando as fêmeas se queixavam da dificuldade em alimentar as suas
crias. Cabia-lhe a paternidade de algumas, pois não havia fêmea que lhe
resistisse! Mas filhos? Nem pensar! Ladino não abdicava do seu estatuto de
solteirão.
O que ele queria mesmo era gozar o
calor do sol, beber água fresca na ribeira e saltitar de papo cheio
pelos telhados. E que as lareiras não se apagassem no Inverno, para dormir
quentinho e aconchegado, junto às chaminés. Ele é que a levava
direita, sim senhor, grande Ladino!...
A vida é isso mesmo, quais
preocupações, quais responsabilidades!
É viver e está tudo dito!...
Elita Guerreiro 22/5/2018
PARDAIS
Os
pardalitos são espertos : é regra !
O
Ladino que nos conta Torga não é excepção.
Começa
timidamente, no berço fofo do ninho lá no alto duma árvore frondosa, bem
reparado do sol como da chuva, com medo de… voar! É compreensível : aquilo é mesmo
uma altura vertiginosa para um simples pardal e este ainda é pequenino.
O
chão, que de tão longe nem se distingue bem, parece estar a léguas de distância
e qualquer um teria medo.
Ah
Torga, que falas tão bem dos “Bichos” e nos dás horas de leitura que são outras
tantas horas de prazer! E aprendemos sempre qualquer coisa …
Este
pardal, uma vez ultrapassado aquele momento de angústia, levantado o vôo exordial,
é a expressão da liberdade total das aves que alegram os nossos céus, encantam
os nossos ouvidos com o seu chilrear e… nos livram de algumas pragas sazonais,
o que não é negligenciável !
Mas
o Ladino tem, neste conto – e na imaginação do autor -, as características
originais da sua espécie; por exemplo, assim que saiu do ninho foi para encher
o papo à fartazana… Não há campo de milho ou trigo que ele não visite e não
poupa bichinho que não se cuide de fugir a tempo…
Não
teme os espantalhos : percebeu logo o que são, inertes guardiões de campos
solitários e imensuráveis onde abunda a paparoca !
Como
é que ele aprendeu o que é uma fisga ?! Assim que vê chegar o rapazito com ar
distraído a assobiar como quem não quer a coisa, ele, Ladino, já sabe ao que
vem e … asas para que te quero.
Tão
engraçado !
E
não menos admirável, é que se defendeu também das paternidades indesejadas
–sem, no entanto, ter deixado de “honrar” muitas pardalinhas ao longo da sua
vida. Estranho, não é ? Talvez seja só fantasia de autor, já que as aves, em
geral, são monogâmicas e muito preocupadas com a prole…
Aprendemos
também que o passarinho vive mais vida do que se pensava… Será ?
Em
todo o caso este Ladino já leva várias estações; defende-se de tudo e todos, e também
dos invernos rigorosos do norte, abrigando-se nas chaminés por onde sai o
calorzinho revigorante das cozinhas dos aldeões e por ali espera a primavera
como se hibernasse.
É
muito esperto o Ladino : e que bem que lhe fica o nome !
M.F.
22.4.2018
O
seguro morreu de velho! Serve este adágio popular para
definir a personagem Ladino de Miguel
Torga. Ou ainda: Fino que nem um pardal.
E justificava-se bem, se queria ter vida longa: eram muitos os costelos e
fisgas, numa terra em que os pardais fazem parte da ementa de tantos. Quem é
que por ali não gostava dum pardal frito ou grelhado?
Neste sentido, é uma mensagem vinda de
um pardal e sobre a qual devemos refletir, porque os caminhos da vida estão
cheios de armadilhas.
Bicho astuto que nem uma raposa velha. E
disso tirava proveitos, de que desfrutava numa vida com prazer.
Previdente quanto baste, para ir
sobrevivendo às agruras do tempo e da vida, certo que o destino em grande parte
era traçado por si.
Finório e manhoso como ele, só mesmo o
padre da aldeia nunca regateando prazeres menos virtuosos, levava a vida
cantando e rindo e da miséria dos outros fazia o seu nédio.
Porém, o passar dos invernos vai-lhe
endurecendo os ossos e esbatendo a lucidez. Há sempre uma fisga ou um costelo à
espera para lhe dar o lampo.
Fernando Sousa
“BICHOS DE MIGUEL TORGA”
«LADINO», o Pardal
Ladino significa
Astuto, Manhoso e Sabido, traços que caracterizam, de facto, o pardal e têm a ver
com a maneira como ele está na vida: É ele e só ele.
Enquanto pequeno
e antes de ser – “matulão homem feito” - , era a sua mãe que lhe dava alimento,
que o sustentava.
Em adulto, a sua vivência era feita de cautelas, andando
sempre a ver a melhor forma de safar-se, sem ter qualquer preocupação com os
outros ou com o que fazia, pois encontrava sempre alguém que ficava com as
culpas.
Infelizmente, existe muita gente que actua daquela
maneira com os seus semelhantes: os egoístas, os hipócritas, os cínicos e os oportunistas.
Debaixo de uma aparência séria, existe na sociedade muita
gente como o Ladino.
Essas pessoas só pensam exclusivamente nelas e no seu
umbigo. Passam por cima de tudo e de todos para obterem o que pretendem e não
têm qualquer tipo de remorsos: - (“1º. Eu, 2º. Eu, 3º. Eu”).
Penso que Miguel
Torga quer sugerir-nos que a sociedade em que vivemos, imfelizmente, é falsa, hipócrita e corrupta.
O pardal Ladino, como se de uma pessoa se tratasse,
representa muita gente que, sem qualquer tipo de escrúpulos, se passeia ao redor
de nós, sem que as possamos nunca conhecer.
Lá diz o ditado: - As
aparências iludem –
Isto foi ontem,
como é hoje e… será amanhã?…
P. S. Acho
que acordei um pouco cansada!… Amanhã, se estiver sol, talvez me deixe encantar
pela esperteza, alegria e híper- actividade criativa do Ladino!...
Azeitão,
22-05-2018
Carmo Bairrada
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