PELAS LONGAS TRANÇAS DO CARECA!
Gritemos como for necessário, bem alto ou em silêncio…
Sempre acontece. Quando me
disponho a ler, começo por fazer uma primeira leitura do livro mais ou menos em
“diagonal”. Depois regresso à primeira página, para iniciar a leitura de forma mais
cuidada. Assim aconteceu com a “História de uma gaivota e do gato que a ensinou
a voar” de Luís Sepúlveda. Durante essa primeira leitura, percebi o valor da
obra e também a sua mensagem de intervenção em defesa do ambiente. Para atingir
os seus objetivos, o autor deu voz a gaivotas, gatos, ratazanas, macacos e até a
humanos.
No final da leitura veio-me à
ideia um conto, este de autoria de Miguel Torga, que tem como protagonista um
corvo de nome Vicente. Em ambas as histórias, embora em contextos diferentes, os
intervenientes assumem papéis decisivos na condução e na denúncia de questões
vitais para a sobrevivência de todos os seres sobre a terra.
No passado, Vicente, com o seu
grito silencioso, enfrentou o criador e evitou que as águas dos mares
inundassem a terra e provocassem a morte de todos os seres vivos terrenos. Na
história em análise, a gaivota Kengah alerta e denuncia o fim da vida nos mares
provocada por ações inaceitáveis, levadas a cabo pelos homens.
Em ambas as obras, duas aves, o
corvo e a gaivota, evitam, alertam, denunciam e enfrentam a morte em defesa da
vida.
Seguiu-se uma leitura mais profunda
feita em grupo. Os vários membros do grupo emprestaram a sua voz aos diferentes
intervenientes na história. A função de narrador, que garantiu a ligação entre
os diálogos, foi conseguida com sucesso. Durante a leitura assistimos a outras excelentes
prestações, nomeadamente as dos gatos Colonello e Barlavento. Quanto à voz de
Zorbas, sem dúvida o protagonista da história, soou sem brilho e atabalhoada. “Mia
culpa”, ficou provado o que há muito venho avisando...
No final, ficou claro para mim.
Luís Sepúlveda oferece-nos uma obra plena de beleza, de simplicidade e de
episódios alegres e bem divertidos. O seu valor literário é evidente e o livro
transmite mensagens fortes de esperança e denúncia.
Resumindo: Zorbas é fixe e cumpre
a palavra dada. Conseguiu honrar a promessa que fez a Kengah, quando esta agonizava
tolhida e envolvida pela mancha negra de crude. Zorbas soube organizar-se e
trabalhar em grupo com os seus amigos. Teve a humildade de procurar ajuda fora
do seu “núcleo duro” de amigos.
Zorbas, no seu dia-a-dia, lutava
pela sobrevivência num grande porto como era o de Hamburgo. Agora teria de,
imagine-se, ensinar a voar uma gaivota. Era, na verdade, uma tarefa do outro
mundo. Uma tarefa quase impossível, que foi concluída com sucesso…
Deixemos as histórias. Peguemos
em tudo o que nelas tem a ver com o ambiente. Concentremo-nos no que diz
respeito à sustentabilidade ambiental do planeta e à forma como o homem lida
com essa realidade.
Falam muito, comentam, gritam,
escrevem, debatem...Existem inúmeras obras que enchem estantes e bibliotecas
onde se acumula informação preciosa sobre a sustentabilidade ambiental. Apesar
de tudo isso, constatamos que a ineficácia persiste. Os homens não conseguem
entender-se, pondo em risco a sobrevivência do planeta tal como o conhecemos.
É tempo de colocar em prática as
mensagens que os bons livros, o bom senso e as boas práticas sugerem. É tempo
de agir, antes da vontade e das forças se esgotarem.
Sabemos que existe um milhão de
espécies em vias de extinção, sabemos que o aumento da temperatura no planeta é
uma realidade, sabemos que os oceanos estão pejados de plásticos e outros
detritos, sabemos que há poucos dias, no final de uma festa de estudantes,
sobraram 30 toneladas de lixo, sabemos de muitas outras realidades
desagradáveis que não ajudam à sustentabilidade ambiental.
Apetece dizer, recorrendo ao
jeito de miar do gato Barlavento:
Pelas longas tranças do careca! Se o corvo Vicente conseguiu
convencer o criador, se Zorbas conseguiu ensinar a voar uma gaivota, se a
Mercedes conseguiu “miar” melhor que o Barlavento, o que nos poderá deter na
caminhada para alcançar o sucesso e reverter todos os sinais que apontam para a
catástrofe?
Sim, o sucesso é possível. Mas para
isso os homens, hoje, têm de deixar de “assobiar para o lado”, ganhar mundo, assumir
novos comportamentos…Este sucesso significa garantir a sobrevivência do planeta
e da vida de todos os que nele habitam. Este sucesso tem de ser garantido em
tempo útil (que me parece já muito curto, para não dizer inexistente).
Apetece repetir, mas desta vez imaginando
como a frase soaria se dita pela Mercedes:
Pelas longas tranças do careca! Gritemos como for necessário, muito
alto ou em silêncio, façamos o que terá de ser feito, não deixemos que outros
resolvam por nós…
Fernando Amaral
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