terça-feira, 18 de junho de 2019

Reflexões sobre a "História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a Voar", Luis Sepúlveda (por Fernando Amaral)



PELAS LONGAS TRANÇAS DO CARECA!
Gritemos como for necessário, bem alto ou em silêncio…

Sempre acontece. Quando me disponho a ler, começo por fazer uma primeira leitura do livro mais ou menos em “diagonal”. Depois regresso à primeira página, para iniciar a leitura de forma mais cuidada. Assim aconteceu com a “História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar” de Luís Sepúlveda. Durante essa primeira leitura, percebi o valor da obra e também a sua mensagem de intervenção em defesa do ambiente. Para atingir os seus objetivos, o autor deu voz a gaivotas, gatos, ratazanas, macacos e até a humanos.
No final da leitura veio-me à ideia um conto, este de autoria de Miguel Torga, que tem como protagonista um corvo de nome Vicente. Em ambas as histórias, embora em contextos diferentes, os intervenientes assumem papéis decisivos na condução e na denúncia de questões vitais para a sobrevivência de todos os seres sobre a terra.
No passado, Vicente, com o seu grito silencioso, enfrentou o criador e evitou que as águas dos mares inundassem a terra e provocassem a morte de todos os seres vivos terrenos. Na história em análise, a gaivota Kengah alerta e denuncia o fim da vida nos mares provocada por ações inaceitáveis, levadas a cabo pelos homens.
Em ambas as obras, duas aves, o corvo e a gaivota, evitam, alertam, denunciam e enfrentam a morte em defesa da vida.
Seguiu-se uma leitura mais profunda feita em grupo. Os vários membros do grupo emprestaram a sua voz aos diferentes intervenientes na história. A função de narrador, que garantiu a ligação entre os diálogos, foi conseguida com sucesso. Durante a leitura assistimos a outras excelentes prestações, nomeadamente as dos gatos Colonello e Barlavento. Quanto à voz de Zorbas, sem dúvida o protagonista da história, soou sem brilho e atabalhoada. “Mia culpa”, ficou provado o que há muito venho avisando...
No final, ficou claro para mim. Luís Sepúlveda oferece-nos uma obra plena de beleza, de simplicidade e de episódios alegres e bem divertidos. O seu valor literário é evidente e o livro transmite mensagens fortes de esperança e denúncia.
Resumindo: Zorbas é fixe e cumpre a palavra dada. Conseguiu honrar a promessa que fez a Kengah, quando esta agonizava tolhida e envolvida pela mancha negra de crude. Zorbas soube organizar-se e trabalhar em grupo com os seus amigos. Teve a humildade de procurar ajuda fora do seu “núcleo duro” de amigos.
Zorbas, no seu dia-a-dia, lutava pela sobrevivência num grande porto como era o de Hamburgo. Agora teria de, imagine-se, ensinar a voar uma gaivota. Era, na verdade, uma tarefa do outro mundo. Uma tarefa quase impossível, que foi concluída com sucesso…
Deixemos as histórias. Peguemos em tudo o que nelas tem a ver com o ambiente. Concentremo-nos no que diz respeito à sustentabilidade ambiental do planeta e à forma como o homem lida com essa realidade.
Falam muito, comentam, gritam, escrevem, debatem...Existem inúmeras obras que enchem estantes e bibliotecas onde se acumula informação preciosa sobre a sustentabilidade ambiental. Apesar de tudo isso, constatamos que a ineficácia persiste. Os homens não conseguem entender-se, pondo em risco a sobrevivência do planeta tal como o conhecemos.
É tempo de colocar em prática as mensagens que os bons livros, o bom senso e as boas práticas sugerem. É tempo de agir, antes da vontade e das forças se esgotarem.
Sabemos que existe um milhão de espécies em vias de extinção, sabemos que o aumento da temperatura no planeta é uma realidade, sabemos que os oceanos estão pejados de plásticos e outros detritos, sabemos que há poucos dias, no final de uma festa de estudantes, sobraram 30 toneladas de lixo, sabemos de muitas outras realidades desagradáveis que não ajudam à sustentabilidade ambiental.
Apetece dizer, recorrendo ao jeito de miar do gato Barlavento:
Pelas longas tranças do careca! Se o corvo Vicente conseguiu convencer o criador, se Zorbas conseguiu ensinar a voar uma gaivota, se a Mercedes conseguiu “miar” melhor que o Barlavento, o que nos poderá deter na caminhada para alcançar o sucesso e reverter todos os sinais que apontam para a catástrofe?
Sim, o sucesso é possível. Mas para isso os homens, hoje, têm de deixar de “assobiar para o lado”, ganhar mundo, assumir novos comportamentos…Este sucesso significa garantir a sobrevivência do planeta e da vida de todos os que nele habitam. Este sucesso tem de ser garantido em tempo útil (que me parece já muito curto, para não dizer inexistente).
Apetece repetir, mas desta vez imaginando como a frase soaria se dita pela Mercedes:
Pelas longas tranças do careca! Gritemos como for necessário, muito alto ou em silêncio, façamos o que terá de ser feito, não deixemos que outros resolvam por nós…

Maio de 2019
Fernando Amaral

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