terça-feira, 18 de junho de 2019

Reflexões sobre a "História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a Voar", Luis Sepúlveda (por Mercedes Ferrari)


Nomes
Na obra de Luis Sepúlveda
“História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar”
  
Por experiência, penso não me enganar ao pensar que os autores de obras literárias – romances, ensaios, poesias – não escolhem, em grande parte dos casos, os nomes dos seus personagens por mero capricho ou acaso.

Se nos dermos ao trabalho de reflectir sobre o assunto, depressa chegamos à conclusão de que o nome escolhido tem, muitas vezes, um significado para o autor.

No livro em apreço, o que nos aparece numa primeira abordagem, é a originalidade dos nomes com que Sepúlveda brindou os seus heróis: são gatos, são gaivotas, é um macaco, e chamam-se…

Mas comecemos por ordem.

Primeiro aparece uma gaivota, pertencente ao bando do Farol de Hamburgo, que tem a triste sina de caír na camada de petróleo de uma maré negra. O seu nome é Kengah.
Kengah é nome de um ser dinâmico, eficiente, rápido no apreciar e no decidir: essa é a explicação esotérica. Pelos vistos, é também um ser culto, já que se lembra, num último esforço para atingir terra, do mito de Ícaro e do facto de este ter perdido as asas por se ter derretido a cera com que colou as penas, e espera – ela também - que, ao voar o mais alto possível, o sol lhe derreta a horrível camada de alcatrão!
Será pela sua independência e coragem que “ganhou” esse nome ?

Em segundo lugar aparece um gato, que o autor qualifica de grande, preto e gordo e cujo nome é Zorbas
Ora Zorbas é um nome grego, e a Grécia é um país relativamente quente e solarengo: é sabido que os gatos gregos são pachorrentos e gordos, vivem à procura de sombra e encontram-se, às dezenas, nos restaurantes e tabernas. Em suma, os gatos gregos são uns “bon-vivants”: não é, pois, de admirar que tenha sido baptizado assim …

O encontro dos dois é o início do conto e o que daí decorre é fulcral, pois se trata de uma promessa solene do Zorbas à Kengah… que morre ali mesmo, pondo o ovo que é o objecto da promessa.

Em seguida vão aparecendo outros gatos, com nomes muito originais : temos 
Secretário...
Não há segredo : Secretário trata do expediente, é moço de recados e porteiro do restaurante italiano. À parte isso, não parece fazer grande coisa: é um gato um pouco apagado, mas a sua participação apesar de tudo é primordial: quem, senão ele iria buscar sardinhas para a gaivotinha?

 Colonello
O italiano Colonello que repete sempre “porca miséria” quando algo não está certo e que, como na hierarquia militar, é velhote e impõe respeito; assim sendo, o nome assenta-lhe como uma luva. Secretário também serve de guardião da sua paz e sossego, quando algum gato lhe vem miar à porta com pedidos ou exigências!

Sabetudo
É um personagem muito colorido! Vive no Bazar do Harry e, como o seu nome indica, é o leitor compulsivo da enciclopédia, onde encontra informações das mais heteróclitas que se possa imaginar e, eventualmente,  soluções para todos os problemas. A ele se dirigem os pedidos de socorro quando Zorbas, Colonello e Secretário não sabem como se choca um ovo, como se alimenta uma ave e… como se reconhece o sexo de uma gaivotinha !
Como sobre este ponto a enciclopédia é muda, decidem consultar quem de direito, isto é
Barlavento
Barlavento é o “lobo do mar” da gataria do porto e mascote da draga que limpa o Elba em Hamburgo e outros portos bem mais longínquos e que vive com os tripulantes a bordo! Tem o falar típico dos “homens” do mar e a experiência de muitos anos a frequentar os portos e os marinheiros.
Para o grupo empenhado na promessa a Kengah, pareceu o único que, sendo conhecedor de coisas marítimas, poderia desvendar o mistério do sexo da ave saída do ovinho da Kengah, e, tendo cumprido a sua parte, a pequena gaivota será baptizada de

Ditosa !
Ditosa, por ter tido a sorte de nascer rodeada de cuidados e carinhos de um  “colectivo” felino que lhe serviu de família e, por fim,  uma gaivota que será um sucesso da promessa feita “in extremis” à sua mãe Kengah pelo Zorbas, apesar das dúvidas, dificuldades e situações estranhas pelas quais este último teve de passar.


E, enfim, como outros protagonistas, aparece o Poeta.
O poeta não tem nome, mas é um personagem importantíssimo no desfecho da história e no cumprimento da promessa, já que é ele que acompanha Zorbas e Ditosa ao cimo da torre da catedral, de onde a gaivotinha se lançará, finalmente, no seu primeiro vôo !

As ratazanas do porto também não têm nome, e ainda bem, porque são criaturas de triste reputação!

 E há um chimpanzé, que se chama Matias
Porquê Matias ?
Matias, nome de origem grega (outra vez? O autor terá uma predilecção por “coisas” e gentes gregas?) só me faz pensar num apóstolo, Mateus, nome correspondente, mas não acredito que este fosse tão rebarbativo, antipático e… beberrão, como o dito chimpanzé que nos descreve Sepúlveda…
Segundo “fontes credíveis”, talvez haja uma outra explicação: poderia ser o equivalente de uma expressão portuguesa que denominava os “tontos” da aldeia de Matias… 

Fica a dúvida, pode ser que encontremos posteriormente uma melhor explicação.

Mercedes Ferrari
13.4.2019

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