Na obra de Luis Sepúlveda
“História de uma gaivota e do gato que a ensinou a
voar”
Por
experiência, penso não me enganar ao pensar que os autores de obras literárias
– romances, ensaios, poesias – não escolhem, em grande parte dos casos, os
nomes dos seus personagens por mero capricho ou acaso.
Se
nos dermos ao trabalho de reflectir sobre o assunto, depressa chegamos à
conclusão de que o nome escolhido tem, muitas vezes, um significado para o
autor.
No
livro em apreço, o que nos aparece numa primeira abordagem, é a originalidade
dos nomes com que Sepúlveda brindou os seus heróis: são gatos, são gaivotas, é
um macaco, e chamam-se…
Mas
comecemos por ordem.
Primeiro
aparece uma gaivota, pertencente ao bando do Farol de Hamburgo, que tem a
triste sina de caír na camada de petróleo de uma maré negra. O seu nome é Kengah.
Kengah
é nome de um ser dinâmico, eficiente, rápido no apreciar e no decidir: essa é a
explicação esotérica. Pelos vistos, é também um ser culto, já que se lembra,
num último esforço para atingir terra, do mito de Ícaro e do facto de este ter
perdido as asas por se ter derretido a cera com que colou as penas, e espera –
ela também - que, ao voar o mais alto possível, o sol lhe derreta a horrível
camada de alcatrão!
Será
pela sua independência e coragem que “ganhou” esse nome ?
Em
segundo lugar aparece um gato, que o autor qualifica de grande, preto e gordo e
cujo nome é Zorbas
…
Ora
Zorbas é um nome grego, e a Grécia é um país relativamente quente e solarengo:
é sabido que os gatos gregos são pachorrentos e gordos, vivem à procura de
sombra e encontram-se, às dezenas, nos restaurantes e tabernas. Em suma, os
gatos gregos são uns “bon-vivants”: não é, pois, de admirar que tenha sido
baptizado assim …
O
encontro dos dois é o início do conto e o que daí decorre é fulcral, pois se
trata de uma promessa solene do Zorbas à Kengah… que morre ali mesmo, pondo o
ovo que é o objecto da promessa.
Em
seguida vão aparecendo outros gatos, com nomes muito originais : temos
Secretário...
Não
há segredo : Secretário trata do expediente, é moço de recados e porteiro do
restaurante italiano. À parte isso, não parece fazer grande coisa: é um gato um
pouco apagado, mas a sua participação apesar de tudo é primordial: quem, senão
ele iria buscar sardinhas para a gaivotinha?
Colonello
O
italiano Colonello que repete sempre “porca miséria” quando algo não está certo
e que, como na hierarquia militar, é velhote e impõe respeito; assim sendo, o
nome assenta-lhe como uma luva. Secretário também serve de guardião da sua paz
e sossego, quando algum gato lhe vem miar à porta com pedidos ou exigências!
Sabetudo
É
um personagem muito colorido! Vive no Bazar do Harry e, como o seu nome indica,
é o leitor compulsivo da enciclopédia, onde encontra informações das mais
heteróclitas que se possa imaginar e, eventualmente, soluções para todos os problemas. A ele se
dirigem os pedidos de socorro quando Zorbas, Colonello e Secretário não sabem
como se choca um ovo, como se alimenta uma ave e… como se reconhece o sexo de
uma gaivotinha !
Como
sobre este ponto a enciclopédia é muda, decidem consultar quem de direito, isto
é
Barlavento
Barlavento
Barlavento
é o “lobo do mar” da gataria do porto e mascote da draga que limpa o Elba em
Hamburgo e outros portos bem mais longínquos e que vive com os tripulantes a
bordo! Tem o falar típico dos “homens” do mar e a experiência de muitos anos a
frequentar os portos e os marinheiros.
Para
o grupo empenhado na promessa a Kengah, pareceu o único que, sendo conhecedor
de coisas marítimas, poderia desvendar o mistério do sexo da ave saída do
ovinho da Kengah, e, tendo cumprido a sua parte, a pequena gaivota será
baptizada de
Ditosa
!
Ditosa,
por ter tido a sorte de nascer rodeada de cuidados e carinhos de um “colectivo”
felino que lhe serviu de família e, por fim,
uma gaivota que será um sucesso da promessa feita “in extremis” à sua
mãe Kengah pelo Zorbas, apesar das dúvidas, dificuldades e situações estranhas
pelas quais este último teve de passar.
E,
enfim, como outros protagonistas, aparece o Poeta.
O
poeta não tem nome, mas é um personagem importantíssimo no desfecho da história
e no cumprimento da promessa, já que é ele que acompanha Zorbas e Ditosa ao
cimo da torre da catedral, de onde a gaivotinha se lançará, finalmente, no seu
primeiro vôo !
As
ratazanas do porto também não têm nome, e ainda bem, porque são criaturas de
triste reputação!
E há um chimpanzé, que se chama Matias
Porquê
Matias ?
Matias,
nome de origem grega (outra vez? O autor terá uma predilecção por “coisas” e
gentes gregas?) só me faz pensar num apóstolo, Mateus, nome correspondente, mas
não acredito que este fosse tão rebarbativo, antipático e…
beberrão, como o dito chimpanzé que nos descreve Sepúlveda…
Segundo
“fontes credíveis”, talvez haja uma outra explicação: poderia ser o equivalente
de uma expressão portuguesa que denominava os “tontos” da aldeia de
Matias…
Fica
a dúvida, pode ser que encontremos posteriormente uma melhor explicação.
…
Mercedes
Ferrari
13.4.2019
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