O gato da
Dona Sância
Reflexões a propósito do Conto “Mago”
de M.Torga
O
mundo dos felinos é isso mesmo: um mundo.
Um
mundo à parte, especial, intrigante, todo de mistério e curiosidade.
Muito
se tem escrito sobre o felino mais popular, o “doméstico” gato. Muito se diz,
muito se explica e muito se erra, pois não há nada de tão pouco explicável como
o comportamento dos gatos!
Assim,
é de louvar o conto de Torga e do seu Mago, o gatucho da D. Maria da Glória
Sância, velhota gorducha que quer o seu gato sempre em casa, no remanso do seu
colo, festinhas e boa comida sempre servida a tempo e horas…
Com efeito, Torga explica-nos os “sentimentos”
contraditórios que avassalam este gato, entre o seu instinto selvagem e
vagabundo, e o contentamento – sem trabalho nenhum - das suas necessidades
básicas: cama e mesa (já que de roupa lavada não se pode dizer para um gato!),
o que o torna um sedentário, preguiçoso e molengão!
Mago
ainda se lembra, vagamente, do tempo da juventude, dos namoros no telhado do
armazém do Tinoco, ainda se lembra dos nomes das belas gatinhas que levou à
certa – a Boneca, a Moira-Negra, a Perricha e tantas outras!
Foi
precisamente depois da Perricha que um dia, vagueando pelos quintais, foi parar
ao da Dona Sância: que o achou magro e escanzelado e o adoptou de imediato; e
nunca mais o largou da mão; mimos, festinhas e comidinha da boa (se calhar
escova no pelo e tratamento anti pulgas, mas isso…!). Que mais é preciso?
Adeus
gato noctívago, correndo atrás do cio das fêmeas mal se anuncia, miando ao luar
e lutando pela vida: aqui, em casa da Dona Maria da Glória, de sofá para
almofada e do regaço para a cama, já nada disso lhe é necessário… mas tem
saudades!
Por
vezes ainda quer, pensa que quer… diz que quer; e então sai à rua e procura os
antigos companheiros, provoca-os como se ainda tivesse forças para competir com
eles, afirma que os filhotes da Faísca são dele… mas qual o quê! Todos sabem
que ele sucumbiu aos prazeres do farniente tépido do lar!
Chamam-lhe
“lorde”, “milionário” e outras coisas menos reluzentes…
E
caem-lhe em cima, todos frescos, cheios de garra e unhas de fora (especialmente
o Zimbro, esse valdevinos), e dão-lhe um enxerto de porrada; de tal modo que
ele, gordo e mole, já sem fôlego e força vital para lutar, tem que se declarar
vencido.
E
foge; volta miserável e envergonhado, lambendo as feridas, para o conforto
”castrador, para a paz podre” do colo da Dona!
Miguel
Torga, como sempre, oferece-nos uma narração formidável e mostra-nos que
compreendeu tudo o que um ser humano pode compreender sobre o comportamento dos
gatos…
Outros
mistérios daquele mundo extraordinário que é o felino-gato perduram, mas nunca
seremos capazes de os desvendar !
M.F.
24/5/2018
“MAGO”
Descarado
e ingrato,
Vivia
feliz e farto.
Almofadas
e conforto
E
desdenhava o maroto
Daquela
vida folgada
À
qual não faltava nada!
Mas
isso não lhe chegou
E
bem caro pagou!...
Quis
ser um gato normal
Coitado,
saiu-se mal!
Ferido
e humilhado
Fugiu
do telhado,
Arrastando-se,
um bagaço!...
E
foi procurar o regaço
Do
qual tanto desdenhou,
Mas
que sempre o mimou.
Será
que o gato Mago
Deixou
de vez de ser parvo?
Elita
Guerreiro*29/5/2018
“BICHOS” DE MIGUEL TORGA
Mago foi
o nome atribuído por Torga a um gato vagabundo, forte e independente.
Acabou por ser
recolhido e domesticado por D. Sância, que tratava dele com todo o carinho e
muito luxo. Com esta forma de viver, criou-se um fosso entre o Mago e o seu
antigo grupo de gatos vagabundos.
Passado algum
tempo, o gato Mago tenta reintegrar-se novamente no grupo, mas não é aceite por
aqueles que foram seus pares.
Após uma luta
com o grupo, quase morre. Abandona o desesejo da reintegração no mesmo e corre
para casa da sua dona, onde volta à vida de conforto e abastança, com todas as
mordomias, que D. Sância tão bem lhe sabia proporcionar.
Azeitão,
19-05-2015
Carmo Bairrada
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