Sophia de Mello Breyner Andresen
No conto, Sophia,
enquanto narradora da história, continua a preencher-nos com a sua
sensibilidade através de sensações visuais, olfactivas e auditivas, bem como os
tamanhos, os cheiros e contrastes de cores.
Tudo ultrapassa o
âmbito do que é material, para atingir um grau de grande simbolismo.
Ao começar a ler o
Conto, apercebemo-nos de que a história se passa num antigo Clube, que através
das suas janelas deixava passar “o cheiro
a maresia e a fruta, e as músicas tocadas ficavam suspensas das árvores e das
estrelas, e na noite escura e azul, passava o rolar do mar, tudo isso envolvia
o Clube, as suas paredes e janelas, e as suas mesas e cadeiras. E envolvia
ainda, agudamente, uma por uma cada pessoa”.
Tinha a humidade das
muitas invernias já passadas e da maresia trazida pelo próprio mar. Tudo
passando pelas coisas, e pessoas, e pela própria Natureza. Havia por isso uma
alternância temporal entre o passado e o presente, através do qual a memória se
reactiva, mas contudo existe outro lado que é, precisamente, o da parte reflexiva
sobre a condição humana.
Estes dois campos
no texto fundem-se, porque a narradora atribui à memória um relevo especial,
sendo que uma é a narração duma fase da sua juventude, que tem a ver com o
tempo vivido (o passado), e a outra com o
tempo contado (o presente).
Apesar da escrita
ter um grande fluir na sua dinâmica transmite-nos um tempo parado-suspenso,
à espera de uma vida verdadeira (o futuro).
Esta temporalidade manifesta-se por três situações:
- Os que há muito esperam o tempo final
(a morte);
- Os
que no presente estão ausentes e alheios a tudo que os rodeia, e vivem condicionados ao passar
das horas (os mortos-vivos);
- O
futuro só continuará com as gerações mais novas (com o
princípio de vida, que ainda não aconteceu).
Tudo naquele espaço
dava a sensação da espera a um regresso ao passado, que nunca mais chegava.
Toda a fusão entre
o real e o sonho é demonstrado por essa “ESPERA”, que faz atingir um certo grau
de alucinação nas pessoas.
A narradora faz-nos
notar que existe uma fronteira entre dois mundos, (“a Vida e a Morte”),
espelhada nos quatro jogadores de cartas, que esperam a morte, e o homem que
através do seu relógio vai vendo as horas passar.
O “Jogo e o Relógio” são, precisamente, a Metáfora da
fronteira da “ESPERA.”
Como Hengel dizia:
- A
passagem do Nada ao Ser, e do Ser ao Nada
(A) (B)
A) – Nascimento / Início
da Vida
B) – Morte / Fim
da Vida
Quando já tarde os
jovens saem daquele ambiente fechado e suspenso no tempo, e vão para a rua,
sentem o sopro do mar que os cobre, que os rodeia e que os invade. O nevoeiro
que caía tinha mudado completamente a paisagem.
A narradora
chama-nos a atenção para o efeito de antagonismo entre os dois espaços: o
claustrofóbico e o da grandeza do mar, que se vai recriando a si próprio,
enquanto destino, ou seja como princípio de vida e de morte. Simbolismo
temporal, que não é individual, mas sim colectivo, que se vai desenvolvendo ao
longo do Conto.
Azeitão, 26-03-2017
Carmo Bairrada
RECORDAÇÃO
DA JUVENTUDE
SOPHIA
DE MELLO BREYNER, “ A PRAIA”
O
local onde se passa o acontecimento a que Sofia alude tem
grande
importância no decorrer de toda a narrativa, passada
naquele
“Verão longínquo”! Sempre o mar, presente em quase
todos
os seus escritos. “Entre as casas brancas na noite
escura
e azul, passava o rolar do mar”! Sensível a tudo e
atenta
a tudo o que em seu redor se passava, a narradora
recorda
como era grande e quadrado o grande casarão, as
cores
que cobriam as paredes, ”pintadas de amarelo e as
varandas
com grandes verdes”! Sensações visuais que a sua
mente
gravou, num ambiente de província, onde a pacatez
impera.
“Cheirava a maresia e a fruta“: sensações olfactivas,
que
dão a quem lê a ideia da presença constante do mar. A
brisa
ligeira, na amenidade da noite, misturava cheiros e sons
e
vinha agitar a folhagem das árvores. A música, o barulho do
mar,
as cores e os cheiros “envolviam” quem por ali se
movimentava.
Os músicos que compunham a orquestra,
embora
jovens, envergavam fardamentos, “smokings velhos
esverdeados.”
Tinham pouco dinheiro, pouca fama! “Ainda
assim
animavam as noites de quem queria dançar ou
simplesmente
escutar!” “Vinham duas vezes por semana”,
“
Deviam ser resignados ou revoltados”! Era a passividade de
quem
não espera mais do que o presente lhe oferece! “Espero
que
fossem revoltados é menos triste.” Esta passividade
estendia-se
a uns poucos, que na sala de jogo” pareciam
condenados
à morte tentando entreter as suas últimas horas”.
A
orquestra terminou a sua actuação e os músicos saíram.
Sabe
Deus por onde… A narradora “nunca os viu saír por
nenhuma
porta, talvez se diluíssem no ar”! A noite continuava
serena,
com o rolar do mar, os cheiros, misturados e
envolventes!
Muito vagamente, também o passado se
misturava
ao presente, apenas levemente tocado pela
esperança
do futuro, assim como uma espera, como se “D.
Sebastião”
pudesse voltar!... Parecia esquecido no nevoeiro da
memória
o tempo que se vivia!
O
som duma telefonia veio lembrar a turbulência em que o mundo vivia. Eram tempos
de guerra. Com tropas avançando sobre povos inocentes, em contraste com a
passividade daquela sociedade provinciana, embalada pelo rolar do mar e
perfumada pelo cheiro da fruta, cuja juventude mal sentira ainda um “leve rumor
de amores
adolescentes.”
Quase todos partiram. Mas aquele homem “alto e magro como uma árvore no
Inverno” veio sentar-se à
mesa
com os restantes jovens. Trazia na mão o seu copo e
no
olhar uma mistura de passado e presente. “ Era mesmo
como
se ele tivesse rejeitado todo o destino, toda a vida
vivida
! “E nele também aquela passiva
conformação, como se
“lhe
bastasse aquele momento, aquele bar, aquela conversa,
aquele
copo”. “Como se vivesse a uma vida que não era a sua,
“
como os músicos da orquestra que usavam os seus fatos
alugados”!:
um personagem que na narrativa desempenha um
papel
de tanta sensibilidade e perfeição, “que até na própria
madeira
da mesa a sua mão pousava com ternura!” O seu
olhar,
como uma chama ardente, ultrapassou aquele momento
e
como se falasse apenas para si recitou:
“Á
memória longínqua duma Pátria
Eterna
mas perdida e não sabemos
Se
é passado ou futuro onde a perdemos.”
Saudade,
mágoa, recordações de tempos idos ou a espera
constante
num futuro que tarda? “Era como um marco que
dissesse:
“Daqui em diante o mar não é mais navegável”.
Levantou-se
foi ouvir o noticiário. Ao longe o apito do
combóio.
Longe como a guerra, mas presente como o barulho
do
mar, como o cheiro a fruta, como a pintura amarela com
os
grandes verdes do casarão quadrado, onde recitou em
Inglês…
There is a sea
A far distant sea
Beyond the farthest line
Where all my ships that went as tray
Where all my dreams of yesterday
Are
mine
Á
saída, “o nevoeiro tinha transfigurado tudo.” Mas o cheiro do
mar
persistia! E continuará para além da guerra, para além do
futuro
de Sofia que tanto o amou!
Elita
Guerreiro 27/3/2017
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