sábado, 22 de janeiro de 2022

O Romance da Raposa (2.a parte, V)

A RAPOSA MATREIRA SEM  EMENDA!

 Será desta vez que o lobo Brutamontes deixa de cair nas manhas da raposa? ”Vale ser burro, mas não tanto!” Que me perdoem os burros, que só o são de nome… Brutamontes não quer mais alianças com Salta- Pocinhas!

 A raposa estava a ficar velhota, mas  manhosa como é e conhecendo-a os animais, como a conhecem, têm dificuldade em acreditar nas melhorias do seu endiabrado carácter! Era com alguma relutância que lhes prestavam ajuda, quando, lamuriando, lhes batia à porta, pedinchando algo com que enganar o estômago! Alguns, mais condoídos, iam caíndo na cantilena da preguiçosa - mor! Mas, tal como se passa connosco, os “Humanos”, salvo devidas excepções, no reino animal ninguém dá nada sem receber algo em troca!

A descarada raposa, em troca de alguma comida, via-se forçada a fazer alguma coisa para merecer alguma comida: enquanto os pais iam caçar, tomava conta dos pequenos raposinhos. E nós, que já lhe conhecemos o jeito de fingida e trapaceira, sabemos como lhe é fácil insinuar-se,quando se trata de passar a perna aos mais crédulos! Ora aí está ela pronta a esquecer o bem que lhe fazem, roubando aos pequenotes o comer que os pais lhe deixavam! Sabia a bandida que, pequenos como eram, não saberiam contar como eram maltratados e não se queixariam! Velha, trôpega e esfomeada, voltava a bater a mata em busca de algum alimento. Mas já não era a mesma “raposeta, jovem, vestida de pêlo sedoso e pata ágil”, que todos tinham conhecido: os animais troçavam da sua decrepitude: “Quem te viu e quem te vê”! Mais uma vez  o reino animal nos surpreende, pela semelhança com este reino ao qual chamamos Humano! As artimanhas desta velha aventureira trazem-nos à memória o procedimento desonesto daqueles que vivem de expedientes, vigarizando e prejudicando os que se julgam espertos, acabando por cair nas suas garras enganosas. Uma grande ideia, mais uma, saiu da cabeça daquela velha matreirona sagaz: abriria uma escola para ensinar pequenos raposinhos! Pensar e pôr em prática foi um ápice!... E foi tão bem aceite e tão festejada esta ideia, que nem baile faltou!... Que cabeças de alho chocho! Então não conheciam  a pretensiosa professora?

 As aulas, muito concorridas, abriram com uma importante lição: óculos na ponta do nariz, começou por ensinar, com ênfase, sobre o verbo roubar. Depois fez desfilar, ante o olhar atento dos alunos, os malefícios dos Invernos, nos quais a caça é difícil, porque os animais se escondem nas tocas, alguns por largo tempo; do Outono, cuja boa disposição é preciso saber aproveitar, porque nuns dias despe todas as árvores do bosque e, noutros, o sol morninho convida a uma saída para caçar: alguns bichos vêm apanhar um pouco de sol e aí zás!... é um vê se te

avias, só deitar-lhe a gânfia!;  da Primavera, que punha no chão um belo tapete de flores coloridas, de ribeiros que cantavam, enchendo os vales de alegria. …linda… dava para mudar o pêlo, para se rebolarem sobre as flores, os pássaros regressando para fazer os ninhos… aprender a subir às árvores é muito importante: são tão bons os ovinhos, que os pássaros lá põem… e depois esperar os passarocos pequeninos, desprevenidos, que são um grande pitéu; e, por fim, o Verão: belos dias quentes, grandes, que dão para tudo; frutos maduros, aves esvoaçantes, tantas, mesmo ao alcance da pata bem treinada! Mas cuidado!... -  sentenciou a” diligente professora ” -  também regressam aos pastos os rebanhos, guardados pelo nosso maior inimigo: o homem, com os seus cães de coleiras ferradas e de espingardas ao ombro, prontas a acabar com com a nossa raça.

 Crianças são todas iguais: traquinas, azougadas, cheias de vida e inconsequentes! Aos pinotes, sem pensar no que deveriam ter aprendido, nem deram pela presença de quem se aproximava: o tal bicho de duas patas e os seus cães ferrados… Atiram sem dó... Nem um aluno escapou para a próxima aula! Mas a Mestra, a trapaceira  e rápida Salta - Pocinhas, a esta hora já deve estar a arquitectar outra marosca das suas…

 Elita Guerreiro 20/1/2022

 RESUMO DO CAPÍTULO 5º, 2ª  PARTE

ROMANCE DA RAPOSA

 O Lobo Brutamontes regressou cautelosamente à sua toca, deixando para trás qualquer hipótese de nova aliança com a Comadre Salta-Pocinhas.

Após a decisão do Lobo, voltou a mendigar e lamuriar-se de porta em porta, recebendo o pouco que lhe davam para se sustentar.

Começou a fazer recados, tomava conta de raposinhos na ausência dos pais, comendo e roubando muitas vezes a sua comida.

Mais tarde, decidiu abrir uma escola para dar aulas aos raposinhos, ensinando-lhe as artes da caça, da cortesia e delicadeza e a maneira de todos poderem prover ao seu sustento. Teriam de estar preparados para o futuro.

A escola foi inaugurada com grande festa. Estavam todos presentes. A Salta-Pocinhas pondo os seus óculos de tartaruga, pediu para falar: no discurso deu a conhecer aos pais quais os pontos-chave que iria tratar para um bom futuro dos Raposinhos. Como dizia:“ Depois da canja, a instrução é a primeira coisa necessária do raposo”.

No dia seguinte, a escola abriu com a aula que versou sobre “os inimigos do raposo”: o Inverno rigoroso, o bicho-homem e os cães.

No segundo dia, o tema era a moral. Salta-Pocinhas, mal tinha começado a falar, viu-se no meio de grande reboliço: uns brincavam, outros escarneciam dela, outros gritavam e saltavam, outros dormiam. Só acalmaram, quando ela começou a contar-lhes histórias da carochinha. Tentou recomeçar a aula, mas o barulho era cada vez maior, ao ponto de atrair homens e cães que passavam perto da escola.

Foi o fim dos raposinhos. Salta-Pocinhas, prevenida, fugiu para o subterrâneo, saindo pela “porta da traição”. Os pais, durante dias, uivaram e acusaram a Raposa Salta-Pocinhas pela morte dos seus filhos, desprezando-a para sempre.

Para continuar viva, foi de aldeia em aldeia mendigando sem êxito, até que  reparou em dois pedintes andrajosos e decidiu vestir-se como eles para angariar comida: roubou uma saia, um casaco velho, um lenço e apanhou uns tamancos.

Vestiu-se, foi a correr para a estrada pedindo comida, mas quando uma pessoa lhe ia dar meia broa viu as suas unhas e  pata felpuda e gritou que era o Demo que andava a pedir.  

Não conseguiu entre os humanos por a considerarem o Diabo, devido à sua mão felpuda, mas conseguirá entre os animais. Pôs-se a caminho do bosque e deu com um raposo que nos dentes levava uma galinhola já depenada. Pé ante pé, foi-se aproximando, mas quando o raposo olhou para ela, correu até desaparecer, deixando para trás a galinhola. A Comadre Salta-Pocinhas encheu bem a barriga, e perguntando a si mesma a que se devia tão feliz acidente, descobriu que fora devido ao seu disfarce de mulher, assim descobrindo maneira de ter sempre comida.

Azeitão, 11-05-2022

Carmo Bairrada

   

Sem comentários: