Os bons, os maus
E os piores ladrões
Sempre existiram
E prosperaram
Falo dos maus
E dos piores
foi dada a prova
na nossa história
na roubalheira
são os melhores
os evangelhos
falaram de uns
ao fio do tempo
viram-se alguns
mas hoje em dia
é bem pior
porque a receita
é bem maior
quanto aos coitados
que furtam peras
não perdoados
da falta grave
da pera só
esses por certo
que vão directo
pró xilindró
assim foi sempre
lá diz o padre
nos seus sermões
qual advogado
lançando chispas
farpas e gritos
para a vergonha
desses ladrões
meu bom Vieira
tu lá sabias
que os pecadores
grandes ladrões
não eram pobres
nem ociosos
eram os fortes
ricos e nobres
e assim vai o mundo
na onda má
que todos querem
já, já, surfar
porque amanhã
já não há tempo
esta maré
há que apanhar
meu bom Vieira
muito disseste
infelizmente
ninguém teve dó
e os que ouviram
mandaram-te a ti
pró xilindró …
Mercedes Ferrari, 2019
Os Sermões
do Padre António Vieira
A visão
crítica de um sociólogo “avant la
lettre”
I
Num
tempo em que a Sociologia, como ciência de estudo que tenta explicar a vida
social e as situações e vivências do humano ainda não existia - e demoraria ainda alguns séculos a desenvolver-se, “nascendo de uma mudança radical da sociedade devida, em grande parte, à revolução industrial e à revolução francesa [e resultando no surgimento do capitalismo]”(*) - o Padre António Vieira apresenta-nos, nos seus sermões, todos (ou quase todos) os aspectos que viriam a ser longamente e pormenorizadamente estudados por muitos e eminentes sociólogos reconhecidos mundialmente (cf. Auguste Comte, Emile Durkheim, Max Weber entre outros).
social e as situações e vivências do humano ainda não existia - e demoraria ainda alguns séculos a desenvolver-se, “nascendo de uma mudança radical da sociedade devida, em grande parte, à revolução industrial e à revolução francesa [e resultando no surgimento do capitalismo]”(*) - o Padre António Vieira apresenta-nos, nos seus sermões, todos (ou quase todos) os aspectos que viriam a ser longamente e pormenorizadamente estudados por muitos e eminentes sociólogos reconhecidos mundialmente (cf. Auguste Comte, Emile Durkheim, Max Weber entre outros).
II
Assim,
no “Sermão do Bom Ladrão”, que escreveu no século XVII, ele demonstra
magistralmente a sua visão quase profética dos “vícios” humanos ligados à ambição
e à ganância que, infelizmente, ainda na actualidade continuam a afligir a
humanidade : basta ver o que se passa hoje, no século XXI, em que se vê que,
apesar de todos os progressos obtidos no sentido de melhorar o bem estar do
indivíduo, continua a haver quem tente (e consiga) retirar lucros (sobretudo
financeiros) do abuso, por pessoas de “alto” cargo e posição a nível social, de
outros que não tiveram a sorte de nascer em berço de oiro !
Este
sermão é, pois, uma parábola : quem mais alto está na pirâmide social, mais tem
possibilidade de ser, e mais é, o abusador (aqui o “mau ladrão”) que aproveita
dos serviços, da mansuetude e da subserviência dos seus congéneres que estão
abaixo de si, os quais, se quiserem também o seu quinhão - ou dele precisarem
imperativamente - poderão tornar-se em “bons ladrões”… isto se partirmos do
princípio subjacente ao fio condutor do sermão, de que os “pobres roubam por
necessidade, fome ou sede, mas arrependem- se : os ricos roubam por ambição,
cupidez e ganância e nunca se arrependem” !
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