domingo, 2 de junho de 2019

Reflexões sobre o "Sermão do Bom Ladrão", Padre António Vieira (por Fernando Amaral)

I

OS ETERNOS “BONS” LADRÕES

No âmbito da aula de Literatura, iniciámos o estudo da obra do Padre António Vieira, mais concretamente, o estudo do “Sermão do Bom Ladrão”. Como sabemos, o Padre António Vieira viveu no século XVII, numa altura em que Portugal se encontrava sob o domínio filipino.
A sua vida dividiu-se entre Portugal e o Brasil. Religioso da Companhia de Jesus, escritor, orador e político, António Vieira nasceu em Lisboa e faleceu no Brasil. Ainda criança foi para o Brasil, acompanhando o seu pai que se instalou na Baia. Aí cresceu, estudou e ingressou na Companhia de Jesus. Após a restauração da independência portuguesa, Vieira regressou a Portugal tendo conquistado a amizade e a confiança do rei D. João IV o qual, inicialmente, lhe confiou tarefas diplomáticas no estrangeiro e, mais tarde, o nomeou pregador régio.
Entretanto entrou em conflito com o Santo Ofício. Talvez por isso, regressou ao Brasil onde permaneceu cerca de 8 anos. Durante este período, a sua atividade mais relevante foi a defesa da liberdade dos índios.
Em 1654 voltou de novo a Portugal. Nessa viagem, de regresso, sobreviveu a um naufrágio próximo dos Açores. De novo em Portugal, António Vieira tornou-se confessor da “regente” D. Luísa de Gusmão, defendeu o sebastianismo e entrou de novo em conflito com a inquisição, tendo sido condenado. Esteve em Roma durante alguns anos, junto da Santa Sé, e aí garantiu a anulação das suas penas e também a suspensão da atividade da Inquisição em Portugal contra si, durante cerca de sete anos. Em seguida retornou, pela última vez, ao Brasil, onde faleceu a 18 de julho de 1697, com 89 anos.
O “Sermão do Bom Ladrão” foi escrito em 1655. O Padre António Vieira proferiu este sermão na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), perante D. João IV e a sua corte, onde estavam os maiores dignitários do reino, juízes, ministros e conselheiros. Em todo o sermão recorre à retórica barroca em uso na época, plena de metáforas e analogias.
No início do sermão, Vieira vincou ser a Capela Real o local mais apropriado para o seu discurso. Isto porque iria falar de assuntos de grande interesse para sua Majestade e para toda a corte. Depois adverte o poder, denunciando a desproporcionalidade das punições, as riquezas ilícitas, as gestões fraudulentas e o comportamento imoral da nobreza da época.
Ainda no primeiro capítulo, o Padre António Vieira caracteriza as figuras do bom e do mau ladrão e “baliza”, utilizando o estilo acima mencionado, o que a igreja considerava serem as condições para a salvação. Nesse sentido pode ler-se no capítulo III, página 13, “Vejam agora, de caminho, os que roubaram na vida, e nem na vida, nem na morte restituíram, antes na morte testaram de muitos bens e deixaram grossas heranças a seus sucessores, vejam onde irão ou terão ido suas almas, e se podiam salvar”. Sobre Dimas, o ladrão pobre e Zaqueu, o ladrão rico, escreve António Vieira no mesmo capítulo primeiro: “Porque Dimas era ladrão pobre, e não tinha como restituir o que roubara”; “Zaqueu era ladrão rico e tinha muito com que restituir”. E mais à frente, “E ainda que ele o não dissera, o estado de um e outro ladrão o declarava assaz. Porquê? Porque Dimas era ladrão condenado, e se ele fora rico, claro está que não havia de chegar à forca; porem Zaqueu era ladrão tolerado, e a sua mesma riqueza era a imunidade que tinha para roubar sem castigo, e ainda sem culpa.”
Concluímos que, de acordo com o Padre António Vieira, a riqueza, ainda que conseguida de forma ilícita, garantia tolerância e imunidade ao homem rico. Ainda noutra fase do sermão, capítulo l, página 9, António Vieira escreve “Bem quisera eu que o que determino pregar chegara a todos os reis.”
Aqui António Vieira aponta o dedo aos reis e aos poderosos, quando afirma estarem eles, reis e poderosos, necessitados das suas pregações.
Isto porque, ainda na mesma página, António Vieira coloca reis e ladrões ao mesmo nível, quando escreve: “Nem os reis podem ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis”.
Como já dissemos, o Padre António Vieira denuncia, no seu sermão, os privilégios detidos pelos poderosos relativamente aos demais. E porque os poderosos sempre foram privilegiados, ao longo dos tempos até aos nossos dias, as denúncias do Padre António Vieira acabam por ser intemporais. Na verdade sempre existiram ladrões pobres e ladrões ricos e quase sempre os ladrões ricos conseguiram “passar pelos pingos da chuva”. Lembremo-nos daquele ditado popular que diz mais ou menos isto: “quando alguém se apodera de um pão, que não lhe pertence, é ladrão, quando alguém se apodera de grandes quantias em dinheiro, que não lhe pertencem, está a fazer um desvio”.
No passado, quantas igrejas e capelas terão sido construídas por ladrões ricos para que obtivessem a salvação. Hoje, no nosso tempo, quantos ladrões ricos (muitos deles agraciados pelo poder instituído) se apoderaram indevidamente de milhões de euros pertencentes ao erário público? Sabemos que bastantes.
Como resultado deste desiderato, temos o seguinte panorama: muitos que “desviaram” estão em liberdade e, graças aos paraísos fiscais, mantêm mais ou menos intacto o produto do roubo. Os que foram roubados ficaram sem o seu dinheiro. Os restantes, ou seja, os contribuintes em geral, tiveram que pagar as imparidades provocadas nas diferentes instituições.
Poderá muito bem acontecer que estes ladrões ricos, agora oficialmente pobres, paguem um “altar de uma igreja” ou mesmo uma “igreja” e, de seguida, quem sabe, obtenham a salvação.
Assim, detentores do poder, homens ricos e também o próprio clero sempre estiveram envolvidos, ao longo do tempo, em tarefas pouco transparentes que conduziram à acumulação de riqueza por uns e, consequentemente, ao alargamento de bolsas de pobreza. Tudo isto conduz à possibilidade de existirem condições para que alguns comprem imunidades, favores e também a salvação concedida, em nome de Deus, pelos seus representantes na terra.
E no futuro? Quais as expectativas?
No futuro próximo, tudo leva a crer que a saga continua, aqui e ali, dificultada por reações, mais ou menos violentas, protagonizadas por grupos que se consideram explorados.
No futuro mais distante, por via da confluência das tecnologias da informação com a biotecnologia, é bem provável que as elites económicas, detentoras da riqueza, não mais necessitem de explorar o povo. Afinal, quando este já não for necessário, quando as máquinas o substituírem com sucesso, resta esquecê-lo, porque irrelevante para os seus interesses…

Dezembro 2018                                            
Fernando Amaral


OS ETERNOS “BONS” LADRÕES - VERSÃO II

No âmbito da aula de Literatura, iniciámos o estudo da obra do Padre António Vieira, mais concretamente, o estudo do “Sermão do Bom Ladrão”.
Começámos pela leitura dos primeiros três capítulos, onde o Padre António Vieira
denuncia os privilégios detidos pelos poderosos relativamente aos demais. Na versão I deste trabalho, já falámos da vida e obra de António Vieira, salientando a sua reconhecida qualidade literária utilizando o estilo barroco, em uso na época. A conclusão final dessa primeira versão, como se lembram, foi a ideia de que “no futuro mais distante, por via da confluência das tecnologias da informação com a biotecnologia, é bem provável que as elites económicas, detentoras da riqueza, não mais necessitem de explorar o povo. Afinal, quando este já não for necessário, quando as máquinas o substituírem com sucesso, resta esquecê-lo, porque irrelevante para os seus interesses…”
Prosseguimos a leitura do sermão, agora focados nos IV e V capítulos. Dessa leitura, anotamos as verdades assumidas pelo Padre António Vieira, a saber:

1ªverdade: “A salvação não pode entrar sem se perdoar o pecado, e o pecado não se pode perdoar sem se restituir o roubado”
2ªverdade: “A restituição do alheio, sob pena da salvação, não só obriga aos súbditos e particulares, senão também aos ceptros e às coroas”.
3ªverdade: “A rapina ou roubo é tomar o alheio violentamente contra a vontade do seu dono”.

Na página 22, António Vieira cita S. Tomás e escreve: “se os príncipes tiram dos súbditos o que segundo a justiça lhes é devido para conservação do bem comum, ainda que o executem com violência, não é rapina ou roubo”. E a seguir escreve, continuando a citar S. Tomás: ”Porém, se os príncipes tomarem por violência o que se lhes não deve, é rapina ou latrocínio”.
Depois, ainda no capítulo IV, página 25, António Vieira relata a conversa entre um pirata e o imperador Alexandre. O pirata, interpelado pelo Imperador porque praticava roubos contra pescadores, respondeu: “Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?”
Já no final do capítulo IV, António Vieira cita Séneca, famoso intelectual romano, que acaba por generalizar a definição de “ladrão” ao afirmar que todo aquele que rouba, seja rei ou pirata, merece o mesmo tratamento de ladrão.
Do exposto, fica evidente que António Vieira se posicionou do lado dos mais fracos, afrontando os mais poderosos, os nobres e os próprios eclesiásticos. Sobre os castigos, sobre o seu perdão e sobre eventuais hipóteses de salvação, António Vieira escora-se nos escritos bíblicos de S. Tomás e de outros doutores da igreja. Assim, de acordo com a justiça divina, plasmada nos textos bíblicos, os comportamentos ilícitos seriam sancionados ou os seus autores obteriam a salvação. A salvação seria garantida sempre que a restituição dos bens roubados ocorresse.

Chegados aqui, resumido o conteúdo dos cinco primeiros capítulos, partimos para o comentário que nos foi solicitado.
Seria politicamente correto, no papel de aluno chamado a comentar tão importante sermão, quedar-me na posição cómoda de observador assertivo, que só enxerga os abundantes méritos literários do Padre. Não vou por aí. Vou antes, deliberadamente, procurar a polémica com o objetivo de trazer para a discussão e defender valores que uma sociedade ideal, uma sociedade - modelo, que não a nossa, deveria preservar.
Nesse sentido, identifico algumas divergências direcionadas aos métodos propostos no sermão já que, sobre a sua forma literária, intocável, seria impensável ter opinião.
 Vejamos então as divergências: 

1ª Divergência – O facto de S. Tomaá admitir o uso de violência, da parte dos príncipes, para recuperar bens devidos para conservação do bem -comum. Acho exagerado o consentimento do recurso à violência, tendo em conta a falta de indicações sobre a salvaguarda da necessária proporcionalidade de meios a utilizar nas diferentes situações.
2ª Divergência – A justiça divina, defendida pelo padre António Vieira, que prevê a devolução do produto roubado e a noção de “salvação” mostra-se incapaz de responder à amplitude do conceito de “ladrão”. Desde logo pela impossibilidade manifesta de avaliar o roubo, quer em quantidade, quer em qualidade, quer ainda pelos efeitos colaterais diversos. Não seria fácil, para não dizer impossível, inventariar de forma justa, aquilo que, por exemplo, um determinado príncipe “roubou” ou o que as campanhas de Alexandre causaram aos povos que invadiu e submeteu.
3ª Divergência – Penso, por isso, que a ideia do mau e do bom ladrão é redutora e incapaz de abarcar toda a potencial ladroagem. Pessoalmente, tendo a preferir a ideia que acolha uma melhor caracterização do conceito de ladrão, tal como o exemplo que apresento na matriz da Figura 1.

Concluindo:
Ø Para o Padre António Vieira, tão ladrão é o que rouba um carneiro como aquele que rouba um reino. Totalmente de acordo.
Ø Já os métodos propostos para garantir a justiça, no caso de roubos mais complexos, me parecem insuficientes e ineficazes. Isto porque, para devolver algo roubado, é imprescindível juntar a todo o material roubado o resultado de todas as consequências negativas provocadas pelo roubo. Na maior parte dos casos, os danos colaterais provocados por violência são incalculáveis.
Ø Não vejo, por isso, que se possa decretar a salvação, ou o castigo, quando não se consegue restituir o alheio, no seu todo, porque impossível de conhecer o resultado da subtração ocorrida.
Ø Tendo em conta o exposto, tudo concorre, no que diz respeito à aplicabilidade da justiça, para que se possa dizer: “Bem prega S. Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz".
Infelizmente, perante tais níveis de corrupção e tais níveis de abuso de poder que ocorreram no passado, ocorrem hoje e, com toda a certeza, ocorrerão no futuro, o poder judicial não dá prova da sua eficácia porque tendencionalmente próxima dos detentores do poder. Face a essa realidade, o que podemos esperar?

Eu diria que podemos esperar:

Ø Bolsas de resistência, compostas por homens bons, que defendem valores inquestionáveis sustentados pelo bom senso e sublinhados pela palavra de personagens maiores que ao longo do tempo nos vão apontando caminhos de esperança possíveis
Ø Essas personagens maiores continuarão a aparecer e a ousar dificultar o caminho da violência e da maldade de forma espantosa. Normalmente pagam com a vida, por vezes violenta, a ousadia de se oporem à maldade organizada.
Ø Esta corrente contra - natura tem acabado por interferir, mais cedo ou mais tarde, nesses movimentos de esperança, apoderar-se do sucesso dos seus criadores e reverter os avanços prometidos.
Ø Periodicamente, como sabemos, ocorrem revoluções que procuram repor os valores e a verdade. Também esses movimentos são, normalmente, minados e adulterados de forma a comprometer a sua pureza inicial e a credibilidade inicialmente conquistadas.
Ø Por isso, constato que os progressos conseguidos ao longo do tempo, apesar de significativos, são insuficientes, talvez decepcionantes…
Finalmente, uma confissão:
Só me atrevo a avançar com esta polémica, aqui e agora, porque o faço perante um pequeno, mas fantástico grupo caracterizado por uma enorme abertura, com comportamentos próximos de uma juventude esclarecida, composto por pessoas de excepcional trato e de uma benevolência extrema. Daí a minha disponibilidade para os ouvir e, quem sabe, face a essa discussão, mudar todo o texto que escrevi e abrir portas ao optimismo e à esperança no futuro. Daí que este não é o meu texto definitivo. É apenas um ponto de partida…


TIPOS LADRÕES

NIVEL DE CONSEQUÊNCIAS
DOS ROUBOS

POPULAÇÃO PRISIONAL (%)

VALOR ESTIMADO PRODUTO ROUBADO


CAPAC. DA JUSTIÇA ATUAR C/ SUCESSO



OBSERVAÇÕES

CONCEITO

DESIGNAÇÃO
Ladrão A - Aquele que rouba para sobreviver
Vulgar “ladrão”.
Bom ladrão para “Vieira”

Consequências normalmente Leves

Cerca de 80%

Cerca de
 2%



Alta

Ladrão B – Profissional. Organiza os roubos fazendo disso seu modo de vida.


Consequências normalmente significativas


Cerca de 10%


Cerca de
 8%


Pequena

Ladrão C - Aquele que aproveita a sua posição, o seu poder, para obter vantagens sobre outrém.


Mau ladrão para “Vieira


Consequências normalmente graves


Cerca de
8%


Cerca de
10%


Baixa

Ladrão D - Aquele que detém o poder no país. Decide recorrer à violência extrema (guerra) para obter vantagens.



O sermão de “Vieira” não contempla este tipo de ladroagem



Consequências normalmente drásticas




Cerca de
2%



Cerca de 80%



Reduzida ou nula

                                  Figura 1 – Tipos possíveis de ladrões

Janeiro de 2019
Fernando Amaral



OS ETERNOS “BONS” LADRÕES - VERSÃO III (FINAL)

Diz o ditado que “não há duas sem três”. Assim, porque já escrevemos duas versões, impunha-se escrever a terceira. Esse desiderato já tinha sido assumido quando, na parte final da versão II, escrevemos: “daí que este não é o meu texto definitivo”.
Vamos então para a versão final que, por ser a última, não será seguramente a mais fácil.
Começámos pela leitura das primeiras versões, o que nos permitiu relembrar, e identificar, os pontos mais relevantes que a seguir mencionamos:

Versão I:

a)    No primeiro capítulo, o Padre António Vieira caracteriza as figuras do bom e do mau ladrão e “baliza” o que a igreja considerava serem as condições para a salvação.

b)    António Vieira aponta o dedo aos reis e aos poderosos, quando afirma estarem eles, reis e poderosos, necessitados das suas pregações, já que detêm privilégios, relativamente aos demais.

c)     Ainda na mesma página, António Vieira coloca reis e ladrões ao mesmo nível, quando escreve: “Nem os reis podem ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis”.

d)    Detentores do poder, homens ricos e também o próprio clero, sempre estiveram envolvidos, ao longo do tempo, em tarefas pouco transparentes que conduziram à acumulação de riqueza por uns e, consequentemente, ao alargamento de bolsas de pobreza.

e)    No futuro próximo, uma saída bem possível, mas indesejável, será tudo continuar na mesma embora, aqui e ali, possam existir reações, mais ou menos violentas, protagonizadas por grupos que se consideram explorados.

f)      No futuro mais distante, por via da confluência das tecnologias da informação com a biotecnologia, é bem provável, embora indesejável, que as elites económicas, detentoras da riqueza, não mais necessitem de explorar o povo. Afinal, quando este já não for necessário, quando as máquinas o substituírem com sucesso, resta esquecê-lo, porque irrelevante para os seus interesses…

Versão II:

a)    Já no final do capítulo IV, António Vieira cita Séneca, famoso intelectual romano, que acaba por generalizar a definição de “ladrão” ao afirmar que todo aquele que rouba, seja rei ou pirata, merece o mesmo tratamento, “ladrão”.

b)    Do exposto, fica evidente que António Vieira se posicionou do lado dos mais fracos, afrontando os mais poderosos, os nobres e os próprios eclesiásticos.

c)     Já os métodos propostos para garantir a justiça, no caso de roubos mais complexos, me parecem insuficientes e ineficazes. Poderão responder à justiça divina, mas mostram-se incapazes no que diz respeito à justiça terrena. Isto porque para devolver algo roubado e corrigir as consequências do roubo, há que juntar duas parcelas: material roubado, mais danos colaterais (provocados, por exemplo, pelas consequências incalculáveis da violência).

d)    Tendo em conta o exposto tudo concorre, no que diz respeito à aplicabilidade da justiça, para que se possa dizer: “Bem prega S. Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz".

e)    Infelizmente, perante tais níveis de corrupção e de abuso de poder, no passado, no presente e no futuro, o poder judicial não dá prova de eficácia, porque tendencialmente próximo dos detentores do poder.

Versão III propriamente dita:

De acordo com a nossa leitura, defendemos que o Padre António Vieira suporta a sua argumentação mais na Bíblia Hebraica (Antigo Testamento). Para nós, faria mais sentido uma argumentação mais de acordo com a mensagem de Jesus Cristo (Novo Testamento). Isto porque a mensagem de Cristo é uma mensagem mais atual e mais adequada à idade moderna a decorrer na altura (século XVII). Como sabemos, o Deus do Velho Testamento é um Deus vingativo e impiedoso, enquanto Jesus Cristo, através das suas parábolas, fala-nos de um Deus tolerante, benevolente e conciliador. Fala-nos de amor e de perdão.
Choca-nos, por isso, o exemplo apresentado no capítulo X, página 56, onde se afirma que Deus terá ordenado a Josué que mandasse queimar um ladrão responsável pelo roubo de objetos de valor não muito significativo.
Esta nossa observação de ordem doutrinal, não belisca, nem poderia beliscar, o valor literário de uma obra universalmente reconhecida e a sua importância como exemplo máximo do estilo barroco em uso na época. Grandes nomes da literatura portuguesa e estrangeira confirmam o valor universal da obra do Padre António Vieira. Quando Fernando Pessoa apelida Vieira de “Imperador da língua Portuguesa” estamos, como se costuma dizer, “conversados”.

Ao folhear o livro “Os leitores perguntam, Padre António Vieira responde” de autoria de Aida Sampaio Lemos, Joana Balsa Pinto, José Eduardo Franco e Porfírio Pinto, todos estudiosos da obra de António Vieira, encontrámos descrições bem elucidativas sobre o autor, tais como:
As palavras do Padre António Vieira são barro que o escritor molda como um mestre oleiro”, ou “O Padre António Vieira foi alguém que nos legou uma obra universal escrita no século XVII cujo conteúdo nos diz muito, a nós, do século XXI”.
Ainda de acordo com a obra referida anteriormente, António Vieira responde sobre a qualidade da vida do modo seguinte: “Enquanto obramos racionalmente vivemos o demais duramos”. Já sobre a fidalguia escreveu Vieira, “As ações generosas, e não os pais ilustres, são as que fazem os fidalgos”.

Voltando ao sermão em análise, podemos dizer que a mensagem que o Padre António Vieira pretendeu passar, e passou com sucesso, foi replicada capítulo após capítulo e burilada aqui e ali por este ou aquele pormenor, por esta ou aquela metáfora, por esta ou aquela analogia. Enfim, um autêntico rendilhado, urdido pela pena de Vieira, bem ao estilo barroco, em uso na época.
No último capítulo, o autor resume a sua mensagem recorrendo mais uma vez à Bíblia Hebraica, lembrando o livro de Job quando escreve na página 82:
Nu entrei neste mundo, e nu hei- de sair dele, dizia Job, e assim saíram o bom e o mau ladrão”.
Depois, interroga Vieira: “Pois, se assim há- de ser, queirais ou não queirais, despido por despido, não é melhor ir com o bom ladrão ao Paraíso, que com o mau ao Inferno?

Não há dúvida, segundo o Padre António Vieira: caberá a cada um de nós decidir com quem queremos ir e, consequentemente, para onde queremos ir.
De qualquer modo, em minha opinião, será avisado que cada um de nós aposte em comportamentos que permitam alcançar o nosso destino pela via direta, sem necessidade de escolher companhia de ladrão algum.
Afinal, sem prejuízo da importância da procura do paraíso celeste, interessará a todos, pensamos nós, numa primeira fase, trabalhar no sentido de construir e encontrar o paraíso na terra.

Fernando Amaral
Fevereiro de 2019

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