I
OS ETERNOS “BONS” LADRÕES
No âmbito da aula de Literatura, iniciámos o estudo da obra
do Padre António Vieira, mais concretamente, o estudo do “Sermão do Bom Ladrão”.
Como sabemos, o Padre António Vieira viveu no século XVII, numa altura em que Portugal
se encontrava sob o domínio filipino.
A sua vida dividiu-se entre Portugal e o Brasil. Religioso da
Companhia de Jesus, escritor, orador e político, António Vieira nasceu em
Lisboa e faleceu no Brasil. Ainda criança foi para o Brasil, acompanhando o seu
pai que se instalou na Baia. Aí cresceu, estudou e ingressou na Companhia de
Jesus. Após a restauração da independência portuguesa, Vieira regressou a
Portugal tendo conquistado a amizade e a confiança do rei D. João IV o qual, inicialmente,
lhe confiou tarefas diplomáticas no estrangeiro e, mais tarde, o nomeou
pregador régio.
Entretanto entrou em conflito com o Santo Ofício. Talvez por
isso, regressou ao Brasil onde permaneceu cerca de 8 anos. Durante este período,
a sua atividade mais relevante foi a defesa da liberdade
dos índios.
Em 1654 voltou de novo a Portugal. Nessa viagem, de regresso,
sobreviveu a um naufrágio próximo dos Açores. De novo em Portugal, António
Vieira tornou-se confessor da “regente” D. Luísa de Gusmão, defendeu o
sebastianismo e entrou de novo em conflito com a inquisição, tendo sido
condenado. Esteve em Roma durante alguns anos, junto da Santa Sé, e aí garantiu
a anulação das suas penas e também a suspensão da atividade da Inquisição em
Portugal contra si, durante cerca de sete anos. Em seguida retornou, pela
última vez, ao Brasil, onde faleceu a 18 de julho de 1697, com 89 anos.
O “Sermão do Bom Ladrão” foi escrito
em 1655. O Padre António Vieira proferiu este sermão na Igreja da Misericórdia
de Lisboa (Conceição Velha), perante D. João IV e a sua corte, onde estavam os
maiores dignitários do reino, juízes, ministros e conselheiros. Em todo o
sermão recorre à retórica barroca em uso na época, plena de metáforas e analogias.
No início do sermão, Vieira vincou
ser a Capela Real o local mais apropriado para o seu discurso. Isto porque iria
falar de assuntos de grande interesse para sua Majestade e para toda a corte.
Depois adverte o poder, denunciando a desproporcionalidade das punições, as
riquezas ilícitas, as gestões fraudulentas e o comportamento imoral da nobreza da
época.
Ainda no primeiro capítulo, o Padre António Vieira
caracteriza as figuras do bom e do mau ladrão e “baliza”, utilizando o estilo
acima mencionado, o que a igreja considerava serem as condições para a
salvação. Nesse sentido pode ler-se no capítulo III, página 13, “Vejam agora, de caminho, os que roubaram na
vida, e nem na vida, nem na morte restituíram, antes na morte testaram de
muitos bens e deixaram grossas heranças a seus sucessores, vejam onde irão ou
terão ido suas almas, e se podiam salvar”. Sobre Dimas, o ladrão pobre e Zaqueu,
o ladrão rico, escreve António Vieira no mesmo capítulo primeiro: “Porque Dimas era ladrão pobre, e não tinha
como restituir o que roubara”; “Zaqueu era ladrão rico e tinha muito com que restituir”.
E mais à frente, “E ainda que ele o
não dissera, o estado de um e outro ladrão o declarava assaz. Porquê? Porque
Dimas era ladrão condenado, e se ele fora rico, claro está que não havia de
chegar à forca; porem Zaqueu era ladrão tolerado, e a sua mesma riqueza era a
imunidade que tinha para roubar sem castigo, e ainda sem culpa.”
Concluímos que, de acordo com o Padre António Vieira, a
riqueza, ainda que conseguida de forma ilícita, garantia tolerância e imunidade
ao homem rico. Ainda noutra fase do sermão, capítulo l, página 9, António
Vieira escreve “Bem quisera eu que o que
determino pregar chegara a todos os reis.”
Aqui António Vieira aponta o dedo aos reis e aos poderosos,
quando afirma estarem eles, reis e poderosos, necessitados das suas pregações.
Isto porque, ainda na mesma página, António Vieira coloca
reis e ladrões ao mesmo nível, quando escreve: “Nem os reis podem ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os
ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis”.
Como já dissemos, o Padre António Vieira denuncia, no seu
sermão, os privilégios detidos pelos poderosos relativamente aos demais. E
porque os poderosos sempre foram privilegiados, ao longo dos tempos até aos
nossos dias, as denúncias do Padre António Vieira acabam por ser intemporais. Na
verdade sempre existiram ladrões pobres e ladrões ricos e quase sempre os
ladrões ricos conseguiram “passar pelos pingos da chuva”. Lembremo-nos daquele
ditado popular que diz mais ou menos isto: “quando alguém se apodera de um pão,
que não lhe pertence, é ladrão, quando alguém se apodera de grandes quantias em
dinheiro, que não lhe pertencem, está a fazer um desvio”.
No passado, quantas igrejas e capelas terão sido construídas
por ladrões ricos para que obtivessem a salvação. Hoje, no nosso tempo, quantos
ladrões ricos (muitos deles agraciados pelo poder instituído) se apoderaram
indevidamente de milhões de euros pertencentes ao erário público? Sabemos que
bastantes.
Como resultado deste desiderato, temos o seguinte panorama: muitos
que “desviaram” estão em liberdade e, graças aos paraísos fiscais, mantêm mais
ou menos intacto o produto do roubo. Os que foram roubados ficaram sem o seu
dinheiro. Os restantes, ou seja, os contribuintes em geral, tiveram que pagar as
imparidades provocadas nas diferentes instituições.
Poderá muito bem acontecer que estes ladrões ricos, agora
oficialmente pobres, paguem um “altar de uma igreja” ou mesmo uma “igreja” e,
de seguida, quem sabe, obtenham a salvação.
Assim, detentores do poder, homens ricos e também o próprio
clero sempre estiveram envolvidos, ao longo do tempo, em tarefas pouco
transparentes que conduziram à acumulação de riqueza por uns e,
consequentemente, ao alargamento de bolsas de pobreza. Tudo isto conduz à
possibilidade de existirem condições para que alguns comprem imunidades, favores
e também a salvação concedida, em nome de Deus, pelos seus representantes na
terra.
E no futuro? Quais as expectativas?
No futuro próximo, tudo leva a crer que a saga continua, aqui
e ali, dificultada por reações, mais ou menos violentas, protagonizadas por
grupos que se consideram explorados.
No futuro mais distante, por via da confluência das
tecnologias da informação com a biotecnologia, é bem provável que as elites
económicas, detentoras da riqueza, não mais necessitem de explorar o povo.
Afinal, quando este já não for necessário, quando as máquinas o substituírem
com sucesso, resta esquecê-lo, porque irrelevante para os seus interesses…
Dezembro 2018
Fernando Amaral
OS ETERNOS “BONS” LADRÕES - VERSÃO II
No âmbito da aula de Literatura, iniciámos o estudo da obra
do Padre António Vieira, mais concretamente, o estudo do “Sermão do Bom Ladrão”.
Começámos pela leitura dos primeiros três capítulos, onde o
Padre António Vieira
denuncia os privilégios detidos pelos poderosos relativamente aos demais. Na versão I deste trabalho, já falámos da vida e obra de António Vieira, salientando a sua reconhecida qualidade literária utilizando o estilo barroco, em uso na época. A conclusão final dessa primeira versão, como se lembram, foi a ideia de que “no futuro mais distante, por via da confluência das tecnologias da informação com a biotecnologia, é bem provável que as elites económicas, detentoras da riqueza, não mais necessitem de explorar o povo. Afinal, quando este já não for necessário, quando as máquinas o substituírem com sucesso, resta esquecê-lo, porque irrelevante para os seus interesses…”
denuncia os privilégios detidos pelos poderosos relativamente aos demais. Na versão I deste trabalho, já falámos da vida e obra de António Vieira, salientando a sua reconhecida qualidade literária utilizando o estilo barroco, em uso na época. A conclusão final dessa primeira versão, como se lembram, foi a ideia de que “no futuro mais distante, por via da confluência das tecnologias da informação com a biotecnologia, é bem provável que as elites económicas, detentoras da riqueza, não mais necessitem de explorar o povo. Afinal, quando este já não for necessário, quando as máquinas o substituírem com sucesso, resta esquecê-lo, porque irrelevante para os seus interesses…”
Prosseguimos a leitura do sermão, agora focados nos IV e V
capítulos. Dessa leitura, anotamos as verdades assumidas pelo Padre António
Vieira, a saber:
1ªverdade: “A salvação não pode entrar sem se perdoar o
pecado, e o pecado não se pode perdoar sem se restituir o roubado”
2ªverdade: “A restituição do alheio, sob pena da
salvação, não só obriga aos súbditos e particulares, senão também aos ceptros e
às coroas”.
3ªverdade: “A rapina ou roubo é tomar o alheio
violentamente contra a vontade do seu dono”.
Na página 22, António Vieira cita S. Tomás e escreve: “se os príncipes tiram dos súbditos o que
segundo a justiça lhes é devido para conservação do bem comum, ainda que o
executem com violência, não é rapina ou roubo”. E a seguir escreve,
continuando a citar S. Tomás: ”Porém, se
os príncipes tomarem por violência o que se lhes não deve, é rapina ou
latrocínio”.
Depois, ainda no capítulo IV, página 25, António Vieira
relata a conversa entre um pirata e o imperador Alexandre. O pirata, interpelado
pelo Imperador porque praticava roubos contra pescadores, respondeu: “Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma
barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?”
Já no final do capítulo IV, António Vieira cita Séneca,
famoso intelectual romano, que acaba por generalizar a definição de “ladrão” ao
afirmar que todo aquele que rouba, seja rei ou pirata, merece o mesmo tratamento
de ladrão.
Do exposto, fica evidente que António Vieira se posicionou do
lado dos mais fracos, afrontando os mais poderosos, os nobres e os próprios
eclesiásticos. Sobre os castigos, sobre o seu perdão e sobre eventuais
hipóteses de salvação, António Vieira escora-se nos escritos bíblicos de S.
Tomás e de outros doutores da igreja. Assim, de acordo com a justiça divina,
plasmada nos textos bíblicos, os comportamentos ilícitos seriam sancionados ou
os seus autores obteriam a salvação. A salvação seria garantida sempre que a
restituição dos bens roubados ocorresse.
Chegados aqui, resumido o conteúdo dos cinco primeiros
capítulos, partimos para o comentário que nos foi solicitado.
Seria politicamente correto, no papel de aluno chamado a
comentar tão importante sermão, quedar-me na posição cómoda de observador
assertivo, que só enxerga os abundantes méritos literários do Padre. Não vou
por aí. Vou antes, deliberadamente, procurar a polémica com o objetivo de trazer
para a discussão e defender valores que uma sociedade ideal, uma sociedade -
modelo, que não a nossa, deveria preservar.
Nesse sentido, identifico algumas divergências direcionadas aos
métodos propostos no sermão já que, sobre a sua forma literária, intocável,
seria impensável ter opinião.
1ª Divergência – O facto de S. Tomaá admitir o uso de
violência, da parte dos príncipes, para recuperar bens devidos para conservação
do bem -comum. Acho exagerado o consentimento do recurso à violência, tendo em
conta a falta de indicações sobre a salvaguarda da necessária proporcionalidade
de meios a utilizar nas diferentes situações.
2ª Divergência – A justiça divina, defendida pelo padre
António Vieira, que prevê a devolução do produto roubado e a noção de
“salvação” mostra-se incapaz de responder à amplitude do conceito de “ladrão”.
Desde logo pela impossibilidade manifesta de avaliar o roubo, quer em
quantidade, quer em qualidade, quer ainda pelos efeitos colaterais diversos.
Não seria fácil, para não dizer impossível, inventariar de forma justa, aquilo
que, por exemplo, um determinado príncipe “roubou” ou o que as campanhas de
Alexandre causaram aos povos que invadiu e submeteu.
3ª Divergência – Penso, por isso, que a ideia do mau e do bom
ladrão é redutora e incapaz de abarcar toda a potencial ladroagem. Pessoalmente,
tendo a preferir a ideia que acolha uma melhor caracterização do conceito de
ladrão, tal como o exemplo que apresento na matriz da Figura 1.
Concluindo:
Ø Para o Padre António Vieira, tão
ladrão é o que rouba um carneiro como aquele que rouba um reino. Totalmente de
acordo.
Ø Já os métodos propostos para garantir
a justiça, no caso de roubos mais complexos, me parecem insuficientes e
ineficazes. Isto porque, para devolver algo roubado, é imprescindível juntar a
todo o material roubado o resultado de todas as consequências negativas
provocadas pelo roubo. Na maior parte dos casos, os danos colaterais provocados
por violência são incalculáveis.
Ø Não vejo, por isso, que se possa
decretar a salvação, ou o castigo, quando não se consegue restituir o alheio, no
seu todo, porque impossível de conhecer o resultado da subtração ocorrida.
Ø Tendo em conta o exposto, tudo
concorre, no que diz respeito à aplicabilidade da justiça, para que se possa
dizer: “Bem prega S. Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz".
Infelizmente, perante tais níveis de corrupção e tais níveis
de abuso de poder que ocorreram no passado, ocorrem hoje e, com toda a certeza,
ocorrerão no futuro, o poder judicial não dá prova da sua eficácia porque tendencionalmente
próxima dos detentores do poder. Face a essa realidade, o que podemos esperar?
Eu diria que podemos esperar:
Ø Bolsas de resistência, compostas por
homens bons, que defendem valores inquestionáveis sustentados pelo bom senso e
sublinhados pela palavra de personagens maiores que ao longo do tempo nos vão apontando
caminhos de esperança possíveis
Ø Essas personagens maiores continuarão
a aparecer e a ousar dificultar o caminho da violência e da maldade de forma
espantosa. Normalmente pagam com a vida, por vezes violenta, a ousadia de se
oporem à maldade organizada.
Ø Esta corrente contra - natura tem
acabado por interferir, mais cedo ou mais tarde, nesses movimentos de
esperança, apoderar-se do sucesso dos seus criadores e reverter os avanços
prometidos.
Ø Periodicamente, como sabemos, ocorrem
revoluções que procuram repor os valores e a verdade. Também esses movimentos
são, normalmente, minados e adulterados de forma a comprometer a sua pureza
inicial e a credibilidade inicialmente conquistadas.
Ø Por isso, constato que os progressos
conseguidos ao longo do tempo, apesar de significativos, são insuficientes,
talvez decepcionantes…
Finalmente, uma confissão:
Só me atrevo a avançar com esta
polémica, aqui e agora, porque o faço perante um pequeno, mas fantástico grupo caracterizado
por uma enorme abertura, com comportamentos próximos de uma juventude
esclarecida, composto por pessoas de excepcional trato e de uma benevolência
extrema. Daí a minha disponibilidade para os ouvir e, quem sabe, face a essa
discussão, mudar todo o texto que escrevi e abrir portas ao optimismo e à
esperança no futuro. Daí que este não é o meu texto definitivo. É apenas um
ponto de partida…
TIPOS LADRÕES
|
NIVEL DE CONSEQUÊNCIAS
DOS ROUBOS
|
POPULAÇÃO PRISIONAL (%)
|
VALOR ESTIMADO PRODUTO
ROUBADO
|
CAPAC. DA JUSTIÇA ATUAR C/
SUCESSO
|
OBSERVAÇÕES
|
|
CONCEITO
|
DESIGNAÇÃO
|
|||||
Ladrão A - Aquele
que rouba para sobreviver
|
Vulgar “ladrão”.
Bom ladrão para “Vieira”
|
Consequências normalmente
Leves
|
Cerca de 80%
|
Cerca de
2%
|
Alta
|
|
Ladrão B – Profissional. Organiza os roubos fazendo disso seu modo de vida.
|
Consequências normalmente
significativas
|
Cerca de 10%
|
Cerca de
8%
|
Pequena
|
||
Ladrão C - Aquele que aproveita a sua posição, o seu poder, para obter
vantagens sobre outrém.
|
Mau ladrão para “Vieira
|
Consequências normalmente
graves
|
Cerca de
8%
|
Cerca de
10%
|
Baixa
|
|
Ladrão D - Aquele que detém o poder no país. Decide recorrer à violência
extrema (guerra) para obter vantagens.
|
O sermão de “Vieira” não
contempla este tipo de ladroagem
|
Consequências normalmente
drásticas
|
Cerca de
2%
|
Cerca de 80%
|
Reduzida ou nula
|
Figura
1 – Tipos possíveis de ladrões
Janeiro de 2019
Fernando Amaral
OS ETERNOS “BONS”
LADRÕES - VERSÃO III (FINAL)
Diz o ditado que “não há duas sem três”. Assim, porque já
escrevemos duas versões, impunha-se escrever a terceira. Esse desiderato já
tinha sido assumido quando, na parte final da versão II, escrevemos: “daí que este não é o meu texto definitivo”.
Vamos então para a versão final que, por ser a última, não
será seguramente a mais fácil.
Começámos pela leitura das primeiras versões, o que nos
permitiu relembrar, e identificar, os pontos mais relevantes que a seguir
mencionamos:
Versão I:
a)
No primeiro
capítulo, o Padre António Vieira caracteriza as figuras do bom e do mau ladrão
e “baliza” o que a igreja considerava serem as condições para a salvação.
b)
António Vieira
aponta o dedo aos reis e aos poderosos, quando afirma estarem eles, reis e
poderosos, necessitados das suas pregações, já que detêm privilégios,
relativamente aos demais.
c) Ainda na mesma página, António Vieira coloca reis e
ladrões ao mesmo nível, quando escreve: “Nem
os reis podem ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem
ir ao inferno sem levar consigo os reis”.
d)
Detentores do
poder, homens ricos e também o próprio clero, sempre estiveram envolvidos, ao
longo do tempo, em tarefas pouco transparentes que conduziram à acumulação de
riqueza por uns e, consequentemente, ao alargamento de bolsas de pobreza.
e)
No futuro
próximo, uma saída bem possível, mas indesejável, será tudo continuar na mesma
embora, aqui e ali, possam existir reações, mais ou menos violentas,
protagonizadas por grupos que se consideram explorados.
f)
No futuro mais
distante, por via da confluência das tecnologias da informação com a
biotecnologia, é bem provável, embora indesejável, que as elites económicas,
detentoras da riqueza, não mais necessitem de explorar o povo. Afinal, quando
este já não for necessário, quando as máquinas o substituírem com sucesso,
resta esquecê-lo, porque irrelevante para os seus interesses…
Versão II:
a)
Já
no final do capítulo IV, António Vieira cita Séneca, famoso intelectual romano,
que acaba por generalizar a definição de “ladrão” ao afirmar que todo aquele
que rouba, seja rei ou pirata, merece o mesmo tratamento, “ladrão”.
b)
Do
exposto, fica evidente que António Vieira se posicionou do lado dos mais fracos,
afrontando os mais poderosos, os nobres e os próprios eclesiásticos.
c)
Já
os métodos propostos para garantir a justiça, no caso de roubos mais complexos,
me parecem insuficientes e ineficazes. Poderão responder à justiça divina, mas
mostram-se incapazes no que diz respeito à justiça terrena. Isto porque para
devolver algo roubado e corrigir as consequências do roubo, há que juntar duas
parcelas: material roubado, mais danos colaterais (provocados, por exemplo,
pelas consequências incalculáveis da violência).
d)
Tendo
em conta o exposto tudo concorre, no que diz respeito à aplicabilidade da
justiça, para que se possa dizer: “Bem prega S. Tomás, faz o que ele diz, não
faças o que ele faz".
e)
Infelizmente,
perante tais níveis de corrupção e de abuso de poder, no passado, no presente e
no futuro, o poder judicial não dá prova de eficácia, porque tendencialmente
próximo dos detentores do poder.
Versão III propriamente dita:
De acordo com a nossa leitura, defendemos que o Padre António
Vieira suporta a sua argumentação mais na Bíblia Hebraica (Antigo Testamento).
Para nós, faria mais sentido uma argumentação mais de acordo com a mensagem de Jesus
Cristo (Novo Testamento). Isto porque a mensagem de Cristo é uma mensagem mais
atual e mais adequada à idade moderna a decorrer na altura (século XVII). Como
sabemos, o Deus do Velho Testamento é um Deus vingativo e impiedoso, enquanto
Jesus Cristo, através das suas parábolas, fala-nos de um Deus tolerante, benevolente
e conciliador. Fala-nos de amor e de perdão.
Choca-nos, por isso, o exemplo apresentado no capítulo X,
página 56, onde se afirma que Deus terá ordenado a Josué que mandasse queimar
um ladrão responsável pelo roubo de objetos de valor não muito significativo.
Esta nossa observação de ordem doutrinal, não belisca, nem poderia
beliscar, o valor literário de uma obra universalmente reconhecida e a sua
importância como exemplo máximo do estilo barroco em uso na época. Grandes
nomes da literatura portuguesa e estrangeira confirmam o valor universal da
obra do Padre António Vieira. Quando Fernando Pessoa apelida Vieira de
“Imperador da língua Portuguesa” estamos, como se costuma dizer, “conversados”.
Ao folhear o livro “Os leitores perguntam, Padre António
Vieira responde” de autoria de Aida Sampaio Lemos, Joana Balsa Pinto, José
Eduardo Franco e Porfírio Pinto, todos estudiosos da obra de António Vieira,
encontrámos descrições bem elucidativas sobre o autor, tais como:
“As palavras do Padre
António Vieira são barro que o escritor molda como um mestre oleiro”, ou “O Padre António Vieira foi alguém que nos
legou uma obra universal escrita no século XVII cujo conteúdo nos diz muito, a
nós, do século XXI”.
Ainda de acordo com a obra referida anteriormente, António
Vieira responde sobre a qualidade da vida do modo seguinte: “Enquanto obramos racionalmente vivemos o
demais duramos”. Já sobre a fidalguia escreveu Vieira, “As ações generosas, e não os pais ilustres,
são as que fazem os fidalgos”.
Voltando ao sermão em análise, podemos dizer que a mensagem
que o Padre António Vieira pretendeu passar, e passou com sucesso, foi
replicada capítulo após capítulo e burilada aqui e ali por este ou aquele pormenor,
por esta ou aquela metáfora, por esta ou aquela analogia. Enfim, um autêntico
rendilhado, urdido pela pena de Vieira, bem ao estilo barroco, em uso na época.
No último capítulo, o autor resume a sua mensagem recorrendo
mais uma vez à Bíblia Hebraica, lembrando o livro de Job quando escreve na
página 82:
“Nu entrei neste mundo,
e nu hei- de sair dele, dizia Job, e assim saíram o bom e o mau ladrão”.
Depois, interroga Vieira: “Pois,
se assim há- de ser, queirais ou não queirais, despido por despido, não é
melhor ir com o bom ladrão ao Paraíso, que com o mau ao Inferno?
Não há dúvida, segundo o Padre António Vieira: caberá a cada
um de nós decidir com quem queremos ir e, consequentemente, para onde queremos
ir.
De qualquer modo, em minha opinião, será avisado que cada um
de nós aposte em comportamentos que permitam alcançar o nosso destino pela via
direta, sem necessidade de escolher companhia de ladrão algum.
Afinal, sem prejuízo da importância da procura do paraíso
celeste, interessará a todos, pensamos nós, numa primeira fase, trabalhar no
sentido de construir e encontrar o paraíso na terra.
Fernando Amaral
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