SOBRE O SERMÃO
DO BOM LADRÃO
Chegámos à bonita cidade de Viseu,
quando o relógio duma igreja dava 9 horas. Os autocarros seguiram para o
recinto que lhes estava destinado. Em grupos, procurámos onde tomar o
pequeno-almoço.
Acolheu-nos um cafezinho pequeno, onde
dois simpáticos funcionários
nos atenderam. Alguns membros do grupo
conversavam animadamente: comentavam a prisão de um antigo governante, acusado
de lesar o País em muitos milhares de euros. O dono do estabelecimento, que por
trás do balcão vigiava a actuação de quem nos servia, foi ligar a televisão. Assistimos
ao vivo à prisão do tal senhor e das declarações dos muitos advogados
contratados para o defender.
- Agora sim, acredito na igualdade!- comentou
com ar feliz o dono do estabelecimento.
Na nossa mesa, foram cruzados olhares cépticos,
duvidosos. Do outro lado da rua, o sino da pequena igreja
chamava os fiéis para a missa.
Cada um pagou a sua conta e alguns de
nós já se encaminhavam para a igreja, quando reparámos num rapazola
que, saído do café, corria como se o mundo acabasse naquele momento! Tão cego
ia na sua correria, que foi embater no polícia que vigiava aquela zona. Das mãos caiu algo que o agente apanhou,
segurando o rapaz com força. Ao mesmo tempo, um dos nossos companheiros deu por
falta da carteira.
Já o agente entrava no estabelecimento
com o delinquente pelo braço, perguntando ironicamente:
- Alguém ofereceu esta carteira a este
senhor?
- É a minha carteira! - disse alguém, nervosamente.
- Identifique-se! - respondeu o polícia.
- A minha identificação está na sua mão,
senhor agente! Só lhe posso dizer, com o testemunho das pessoas presentes, que
sou esse que está na foto.
Um pouco encabulado, o polícia abriu a carteira.
Perfilou-se então numa continência respeitosa, porque aquela identidade
pertencia a um oficial da Marinha.
- Que faço a isto?
“Isto” era um puto que não teria mais
que uns 12 ou 13 anos…
Ao que o outro respondeu:
- Deixe-o ir, só quero a carteira, mais
nada.
Nova continência e o polícia abandonou
o café.
No silêncio que se instalou, quase
ouvia o meu pensamento! As muitas perguntas que a mim própria fazia iam
passando em rodapé na lembrança do que a vida me tem ensinado. Uma pergunta se
impunha: Como classificaria o sábio Padre António Vieira esta situação? De um
lado, um antigo estadista rodeado de advogados prontos a defendê-lo, a
arrancá-lo das garras da lei que, como governante, deveria ser o primeiro a
cumprir e do outro, um puto, que deveria estar na escola, aprendendo o respeito
pelo seu semelhante! Quem o defenderá, quando o vício ou a necessidade o
levarem à barra do tribunal? Qual será a sentença aplicada? Que motivo leva um
jovem, quase uma criança, a roubar?
Este pequeno ladrão, que roubou um homem, não
é o pior dos males que afligem a humanidade. Citando Ezequiel, Profeta do
Antigo Testamento, o Padre António Vieira recorda que há só uma lei que nos
coloca, pequenos e grandes, no mesmo pé de igualdade. Essa é a lei de Deus.
Perante Ele, seremos julgados cada um pelos actos que cometeu.
Só Deus sabe qual é “O Bom ou o Mau
Ladrão”! Aí sim, poderemos dizer com razão, como disse o dono do café:
- “Agora sim, acredito na Igualdade!”
Até lá, temos apenas a imagem de uma
justiça com olhos vendados, segurando na mão uma balança, cujos pratos
primorosamente equilibrados, não comportam a tal de “Igualdade”!
Elita Guerreiro, 10/1/2019
“GRITO
DE JUSTIÇA”
(SERMÃO
DO BOM LADRÃO, PADRE ANTÓNIO VIEIRA)
Rouba
um pão
Porque
tem fome
É
preso como ladrão…
Não
tem trabalho, não come!
Vai
para o calabouço
Sem
alguém que o defenda…
A
justiça é como um fosso
Quem
quiser que a entenda!
Uma
coluna fardada
Toma
de assalto uma aldeia,
Não
pede ou pergunta nada
Tudo
o que apanha saqueia!
Por
onde anda a justiça?
Castiga
quem rouba um pão,
Mas
tem imensa preguiça
De
castigar um esquadrão!
E
a culpa morre sozinha
Diz
o povo e tem razão,
O
que manda ir à vinha
É
tão ladrão como o ladrão!
Findava
a vida Jesus
Todo
ele em grande aflição,
Mesmo
pregado na cruz
Distinguiu
o “Bom Ladrão!”
Elita Guerreiro 23/10/2018
“ JULGAR COM IMPARCIALIDADE”
Verdadeiramente zangado, o Manuel
falava e gesticulava nervosamente, enquanto se preparava para levar para o
pasto as duas ovelhas, que o olhavam admiradas daquele palavreado todo! A
assistir e não menos admirado, estava o senhor Ribeiro, o Presidente da Junta
da Freguesia lá da aldeia.
- Então, Manuel, que é feito da calma que te
conhecemos? Que se passa homem?
- Ah, não sabe? O porquinho que eu
estava a engordar foi roubado esta noite.
- E desconfias ou sabes quem foi?
- Foi o Jacinto.
- Homem, como podes fazer tal afirmação?
- Segui o rasto e acaba na casa dele.
- Mas temos que ter uma prova, não
podemos fazer assim um julgamento tão precipitado!
- E o senhor quer maior prova do que o
Jacinto trabalhar para o Lavrador do Monte Grande? A esta hora o porquito que
iria para a salgadeira, destinado ao sustento da família, já foi vendido e o
dinheiro está na bolsa do Lavrador!
- Vem comigo! Vamos ao Posto da Guarda,
dar conta do sucedido…
Uma nervosa gargalhada foi a resposta.
- Ora, ora, comem todos da mesma gamela,
bem sabe!
Mas foi. Contou a história, as suas
“certezas” e as suas dúvidas em relação à aplicação da justiça, por se tratar de
um “grande” da terra! E disse:
- Mal fiquei eu, que criei o animal e
me preparava para ter com que alimentar a minha família!
O agente da autoridade escutou com
muita atenção e, por fim, falou:
- Ó Manuel, tu estás a esquecer um pormenor
muito importante, homem! Então o Jacinto não é teu irmão?
- Deus sabe que sim- respondeu, triste,
o Manuel.
- Deixa lá Deus fora disto. Vamos aos
factos.
- Como assim? – espantou - se o homem.
Saiba que é nele que eu confio para julgar com justiça todos os Jacintos deste
mundo! É meu irmão, sim senhor, mas rouba a soldo do patrão. Leia o senhor “ O
Sermão do Bom Ladrão”, escrito pelo Padre António Vieira, capítulo X e verá que
Açã, por ter pertencido à casa de Judá, não deixou de ser condenado por roubo,
morrendo queimado.
- Então tu queres que mande queimar o
teu irmão?
- Não, não quero. Queria apenas que ele
pusesse em prática os ensinamentos que os nossos Pais nos transmitiram. O resto
é com a Justiça Divina. E acredite o senhor ou não, também se sentará como eu,
ele e todos nós, no banco dos réus, onde Deus nos julgará justa e
definitivamente.
Elita Guerreiro * 19 /2 /2019
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