domingo, 2 de junho de 2019

Reflexões sobre o "Sermão do Bom Ladrão", Padre António Vieira (por Elita Guerreiro)



“ A BALANÇA DA JUSTIÇA”
SOBRE O SERMÃO DO BOM LADRÃO

Chegámos à bonita cidade de Viseu, quando o relógio duma igreja dava 9 horas. Os autocarros seguiram para o recinto que lhes estava destinado. Em grupos, procurámos onde tomar o pequeno-almoço.
Acolheu-nos um cafezinho pequeno, onde dois simpáticos funcionários
nos atenderam. Alguns membros do grupo conversavam animadamente: comentavam a prisão de um antigo governante, acusado de lesar o País em muitos milhares de euros. O dono do estabelecimento, que por trás do balcão vigiava a actuação de quem nos servia, foi ligar a televisão. Assistimos ao vivo à prisão do tal senhor e das declarações dos muitos advogados contratados para o defender.

- Agora sim, acredito na igualdade!- comentou com ar feliz o dono do estabelecimento.

Na nossa mesa, foram cruzados olhares cépticos, duvidosos. Do outro lado da rua, o sino da pequena igreja chamava os fiéis para a missa.
Cada um pagou a sua conta e alguns de nós já se encaminhavam para a igreja, quando reparámos num rapazola que, saído do café, corria como se o mundo acabasse naquele momento! Tão cego ia na sua correria, que foi embater no polícia que vigiava aquela zona. Das mãos caiu algo que o agente apanhou, segurando o rapaz com força. Ao mesmo tempo, um dos nossos companheiros deu por falta da carteira.
Já o agente entrava no estabelecimento com o delinquente pelo braço, perguntando ironicamente:
- Alguém ofereceu esta carteira a este senhor?
- É a minha carteira! -  disse alguém, nervosamente.
- Identifique-se! - respondeu o polícia.
- A minha identificação está na sua mão, senhor agente! Só lhe posso dizer, com o testemunho das pessoas presentes, que sou esse que está na foto.
Um pouco encabulado, o polícia abriu a carteira. Perfilou-se então numa continência respeitosa, porque aquela identidade pertencia a um oficial da Marinha.

- Que faço a isto?
“Isto” era um puto que não teria mais que uns 12 ou 13 anos…
Ao que o outro respondeu:
- Deixe-o ir, só quero a carteira, mais nada. 
Nova continência e o polícia abandonou o café.

No silêncio que se instalou, quase ouvia o meu pensamento! As muitas perguntas que a mim própria fazia iam passando em rodapé na lembrança do que a vida me tem ensinado. Uma pergunta se impunha: Como classificaria o sábio Padre António Vieira esta situação? De um lado, um antigo estadista rodeado de advogados prontos a defendê-lo, a arrancá-lo das garras da lei que, como governante, deveria ser o primeiro a cumprir e do outro, um puto, que deveria estar na escola, aprendendo o respeito pelo seu semelhante! Quem o defenderá, quando o vício ou a necessidade o levarem à barra do tribunal? Qual será a sentença aplicada? Que motivo leva um jovem, quase uma criança, a roubar?
 Este pequeno ladrão, que roubou um homem, não é o pior dos males que afligem a humanidade. Citando Ezequiel, Profeta do Antigo Testamento, o Padre António Vieira recorda que há só uma lei que nos coloca, pequenos e grandes, no mesmo pé de igualdade. Essa é a lei de Deus. Perante Ele, seremos julgados cada um pelos actos que cometeu.
Só Deus sabe qual é “O Bom ou o Mau Ladrão”! Aí sim, poderemos dizer com razão, como disse o dono do café:

- “Agora sim,  acredito na Igualdade!”

Até lá, temos apenas a imagem de uma justiça com olhos vendados, segurando na mão uma balança, cujos pratos primorosamente equilibrados, não comportam a tal de “Igualdade”!

Elita Guerreiro, 10/1/2019


“GRITO DE JUSTIÇA”

(SERMÃO DO BOM LADRÃO, PADRE ANTÓNIO VIEIRA)

Rouba um pão
Porque tem fome
É preso como ladrão…
Não tem trabalho, não come!
Vai para o calabouço
Sem alguém que o defenda…
A justiça é como um fosso
Quem quiser que a entenda!
Uma coluna fardada
Toma de assalto uma aldeia,
Não pede ou pergunta nada
Tudo o que apanha saqueia!

Por onde anda a justiça?
Castiga quem rouba um pão,
Mas tem imensa preguiça
De castigar um esquadrão!
E a culpa morre sozinha
Diz o povo e tem razão,
O que manda ir à vinha
É tão ladrão como o ladrão!
Findava a vida Jesus
Todo ele em grande aflição,
Mesmo pregado na cruz
Distinguiu o “Bom Ladrão!”

Elita Guerreiro 23/10/2018




JULGAR COM IMPARCIALIDADE”


Verdadeiramente zangado, o Manuel falava e gesticulava nervosamente, enquanto se preparava para levar para o pasto as duas ovelhas, que o olhavam admiradas daquele palavreado todo! A assistir e não menos admirado, estava o senhor Ribeiro, o Presidente da Junta da Freguesia lá da aldeia.
-  Então, Manuel, que é feito da calma que te conhecemos? Que se passa homem?
- Ah, não sabe? O porquinho que eu estava a engordar foi roubado esta noite.
- E desconfias ou sabes quem foi?
- Foi o Jacinto.
- Homem, como podes fazer tal afirmação?
- Segui o rasto e acaba na casa dele.
- Mas temos que ter uma prova, não podemos fazer assim um julgamento tão precipitado!
- E o senhor quer maior prova do que o Jacinto trabalhar para o Lavrador do Monte Grande? A esta hora o porquito que iria para a salgadeira, destinado ao sustento da família, já foi vendido e o dinheiro está na bolsa do Lavrador!
- Vem comigo! Vamos ao Posto da Guarda, dar conta do sucedido…
 Uma nervosa gargalhada foi a resposta.
- Ora, ora, comem todos da mesma gamela, bem sabe!
Mas foi. Contou a história, as suas “certezas” e as suas dúvidas em relação à aplicação da justiça, por se tratar de um “grande” da terra! E disse:
- Mal fiquei eu, que criei o animal e me preparava para ter com que alimentar a minha família!
O agente da autoridade escutou com muita atenção e, por fim, falou:
- Ó Manuel, tu estás a esquecer um pormenor muito importante, homem! Então o Jacinto não é teu irmão?
- Deus sabe que sim- respondeu, triste, o Manuel.
- Deixa lá Deus fora disto. Vamos aos factos.
- Como assim? – espantou - se o homem. Saiba que é nele que eu confio para julgar com justiça todos os Jacintos deste mundo! É meu irmão, sim senhor, mas rouba a soldo do patrão. Leia o senhor “ O Sermão do Bom Ladrão”, escrito pelo Padre António Vieira, capítulo X e verá que Açã, por ter pertencido à casa de Judá, não deixou de ser condenado por roubo, morrendo queimado.
- Então tu queres que mande queimar o teu irmão?
- Não, não quero. Queria apenas que ele pusesse em prática os ensinamentos que os nossos Pais nos transmitiram. O resto é com a Justiça Divina. E acredite o senhor ou não, também se sentará como eu, ele e todos nós, no banco dos réus, onde Deus nos julgará justa e definitivamente.

Elita Guerreiro * 19 /2 /2019





Sem comentários: