terça-feira, 23 de janeiro de 2018

"Nero" (Bichos) e "Tafona" (Novos Contos da Montanha), Miguel Torga: semelhanças



Semelhanças entre “Nero” (Os Bichos) e “Tafona”, o caçador (Novos Contos da Montanha)

1 - Introdução
Sou transmontano e, tal como no caso vertente, sempre que tenho essa oportunidade, tenho orgulho em dizê-lo. O pouco tempo que vivi, na minha terra natal, foi bastante para reter a energia das raízes, a força e a magia das terras além do Marão. Por isso, ao ler Miguel Torga, nomeadamente os “Bichos” e o “Caçador” reconheço, na sua obra, a veia do povo transmontano, as suas expressões genuínas, a sua cultura e a beleza dos seus diálogos. Miguel Torga, também ele transmontano, sabe como ninguém interpretar aquela cultura e escrever, de forma superior, sobre o povo de Trás-os-Montes.
2 – Resposta
A história de Nero descrita por Miguel Torga no seu livro “Os Bichos” fala-nos sobre um cão que, na hora da morte, recorda toda a sua vida de uma forma humanizada. Nero, nas suas recordações dá grande relevo à sua especialidade de cão perdigueiro e à sua atividade de cão de caçador (em apoio ao seu patrão novo). Já no conto o “Caçador”, a personagem principal é um caçador, com idade avançada, que privilegia o contacto com a natureza. Este caçador percorre, diariamente, montes e vales ao encontro de perdizes, coelhos, rolas, lebres e outros animais. Prefere essa atividade, diária, a quedar-se junto à família ou vaguear pela aldeia alimentando conversas vazias ou coscuvilhices sem sentido. A sua personalidade singular, diferenciadora da maioria dos habitantes da aldeia, está bem patente no final do conto onde Tafona trava, utilizando a sua própria arma, Travassos principal coscuvilheiro da aldeia. Travassos preparava-se para interromper um ato de amor entre dois jovens apaixonados que, de acordo com o Tafona, “deveria ocorrer na paz do Senhor”.
Comparando os dois contos, poderemos identificar as seguintes pontos de contacto:
Ø  Ambos, Nero e Tafona, são amantes da caça exercendo essa atividade com paixão e respeito pelos próprios bichos que abatem.
Ø  Os dois textos mostram-nos um bicho humanizado e um humano próximo dos bichos.
Ø  Nero, quando se refere aos amigos,  fá-lo com um sentido de respeito e verdade que é comparável aos sentimentos do Tafona para com homens e animais.

Fernando Amaral, Novembro de 2017



Semelhanças entre as personagens Nero e o Caçador
de Miguel Torga.

Ao ler os dois textos deste autor, para mim desconhecido até ao presente, fico a conhecer um pouco da filosofia de vida deste escritor de vulto: o seu apego à natureza e ao meio em que se permitiu inserir, a forma sublime como traduz em palavras o seu enraizamento telúrico e a maneira como as suas gentes vivem, a simplicidade do português e o trato fino como o emprega. A sabedoria no uso das palavras encanta-me.

Em meu entender, estes dois textos, contos Caçador e Nero, têm entre outros, estes pontos em comum:
·    Constatei que ambos as personagens, o Tafona e o Nero, começam por se arrastar de velhice, fazendo o sentido inverso do viver, sinal de que a vida foi longa e, apesar de tudo, lhes foi sorrindo.
·      Também ambos terminaram “consumidos e rilhadinhos de vício”, pelos prazeres a que bem cedo se deixaram prender; porém, nem o tempo lhes adoçou a alma.
·      Na relatividade da vida e da morte para com os outros seres considerados de menor valia, é notória a indiferença que ambos nutrem pelo papel de predadores, sentindo até nisso um prazer quase absoluto.
·      É também comum o prazer da liberdade que desfrutam, pelos campos e serranias, naquele seu mundo por demais conhecido pelas vivências e pela sua ação.
·      A mesma paixão pela natureza, que percorrem de olhos fechados: cada carreiro, cada trilho, contornando cada fraga, no rasto de qualquer coisa com vida.
·      Ambos são portadores dos cinco sentidos apurados, condição que as exigências da vida lhes foram refinando, na entrega total à avidez de caçar. Já por si, eram seres bravios e astutos, com mais estes atributos facilmente podiam identificar ao menor sinal, mesmo na distância, a aproximação de qualquer possível alvo a atingir.

Fernando Sousa


SEMELHANÇA DOS PERCURSOS DE VIDA ENTRE
O CÃO “NERO” de OS BICHOS E O CAÇADOR “TAFONA” 
De NOVOS CONTOS DA MONTANHA


INFÂNCIA

NERO

Aos dois meses de idade foi adoptado por uma família; deram-lhe um nome.
Deram-lhe mimos e boa comida.
Teve amigos com os quais brincou.

TAFONA (Caçador)

Era um miúdo da aldeia, que na meninice andou pelas serras aos grilos e pardais.

JUVENTUDE/ MAIORIDADE

NERO

Teve muitas aventuras e desventuras, na companhia dos seus amigos de infância.
Foi pai de um cachorro, o Jau. Quando o viu pela primeira vez, ficou todo orgulhoso.
Não teve uma liberdade plena: começou muito cedo a ser treinado pelo dono mais novo para a caça às perdizes, com muita disciplina e poucos mimos.
Nas manhãs calmas e frias de Janeiro, gostava de subir aos montes e do cheiro das perdizes, que lhe entrava pelo nariz, não fosse ele um verdadeiro Perdigueiro. 

TAFONA (Caçador)

Toda a sua vida foi passada a caçar perdizes, lebres e coelhos.
Tudo o que o rodeava não era do seu interesse.
Tinha uma paixão imensa pela Natureza.
Casou e foi pai de filhos. “Nada disso o tocara por dentro”.
A sua liberdade tinha acabado.



VELHICE / MAIORIDADE

NERO

Estava com oito anos e muito doente. Nem conseguia levantar-se: arrastava-se e ficava para ali de olhos fechados sem saber se alguém da casa teria pena dele, quando partisse.

TAFONA (Caçador)

Com os seus oitenta e cinco anos, a vida sempre lhe fora estranha.
Não se dava com ninguém da aldeia.
Agora o reumatismo apanhava-lhe as pernas. Já não conseguia ir mais longe, como era seu costume, para caçar. Tinha de se contentar em ficar mais perto. Assim, não podia alhear-se do que se passava à sua volta.
Ao fim daqueles anos todos, conhecera finalmente o mundo triste dos seus conterrâneos.


Azeitão, 22-12-2017

Carmo Bairrada

O CAÇADOR E O NERO
Eles não falam…

O Nero não fala, porque não lhe foi dado esse dom! Aliás, como se costuma dizer, “só lhe falta falar”… mas ouve e está atento, e compreende muito do que é dito. Sabe quando estão a falar para ele e quando estão a falar dele, quando lhe dão uma ordem obedece logo: aprendeu de pequenino e não foi fácil… Gosta de andar pelas matas a correr atrás dos coelhos e das perdizes e mostrar ao dono novo que conhece as leis dos humanos… É o cão da casa.

O Tafona… esse não fala porque prefere o silêncio em que se pode perder em reflexões íntimas, a admirar a natureza que o espanta: a natureza envolvente dos campos e das serras e a natureza dos homens que, por vezes, o espanta ainda mais.
Quando fala – ou melhor, quando é obrigado a falar! - é por monossílabos,  responde “sim”, “não” e, quando lhe falam, mal ouve : sorri e passa adiante.
Escuta, outrossim, os ruídos da floresta, o restolhar do coelho que se esconde nas charnecas, da rola que se assusta quando se aproxima e levanta um vôo atabalhoado…
E aí, não precisa do dom da fala ! É um caçador.

Então eles não falam : mas caçam. Percorrem milhas nos vales e colinas, sobem às serras e descem aos riachos, e voltam da caça com os olhos cheios de brilho e de contentamento num amor comum da natureza, com as suas belezas e as suas crueldades.

Nero ama os animais que caça, mas ama ainda mais os humanos com quem vive e retribuem o seu amor.


Tafona ama – talvez ! – os humanos que mal distingue à sua volta, mas ama, sobretudo os animais…

Mercedes Ferrari

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