INOCENTE E SEM TEMOR
Pequenas mãos de criança
Desbravando um mundo novo,
São o elo de esperança
Tomando a forma dum ovo.
Os olhos cheios de luz
Concretizam um desejo:
É um milagre de Jesus…
Aconteceu com um beijo.
É o exemplo inocente
De como uma criança,
Bondosa e humildemente
Faz o milagre da esperança.
Vai voar o passarito
Num bater de asas forte,
Sem saber que o pequenito
Lhe influenciou a sorte.
Elita Guerreiro 7/12/2017
Jesus
Assim
lhe haviam chamado sempre. Seu nome, que os pais não escolheram mas sim os
padrinhos, era complicado para gente tão simples. Não só eles como toda a
comunidade decidiram chamar-lhe Jesus.
Tão
pouco se interrogou porque tinha aquele nome… «Jesus» tinha um pai adoptivo,
que possuía um bordão. O seu também e nele se apoiava cruzando a planície de
horizontes vastos e luminosos, guardando as ovelhas de um presépio não seu. O
manto da virgem era azul e luminoso como o céu. O de sua mãe era negro com
cadilhos, porém quente e aconchegante. Quando «Jesus» desaparecia, seus pais
procuravam-no, encontrando-o entre os doutores.
Na
terra da vasta planície, o doutor era apenas um e só durante a semana. De uma
ou de outra maneira, Jesus não estaria junto dele, mas próximo, muito próximo
dos oleiros que moldavam o barro. O filho da virgem nasceu para dar a outra
face, destino bem diferente do seu. No entanto, quando criança, foi-lhe
diagnosticado que o seu coração tinha o tamanho do de um adulto. Um dia, outra criança
que passou a fazer parte do presépio, decidiu que a partir de então se chamaria
de outra maneira e… assim foi. No Natal, era com o verdadeiro «Jesus» que
sonhavam e preparavam os sapatinhos. A Mãe tinha pintado amorosamente a
chaminé, com cal cor- de- neve. Mesmo assim, o Menino tinha que deslizar
suavemente para não sujar o vestidinho na fuligem da mesma.
Dois
pares de sapatinhos aguardavam ansiosamente os presentes, todos os anos iguais,
que a «Virgem» coradinha do tosco presépio transbordando de amor, trazia dentro
da cesta de verga vermelha perfumada de café. De olhos bem abertos, as crianças
aguardavam que a noite passasse, mal o sol se imiscuía pelas frinchas da porta,
por onde o amor se esgueirava de tanto que era. O presépio não o conseguia
conter, espalhando-se por toda a rua. Pé ante pé, as crianças dirigiam-se à
chaminé. Lá estavam eles, os cinco diminutos chocolatinhos, aconchegados com
fio de seda e as duas garrafinhas de chocolate. As brasas tinham perdido o
brilho , agora substituído pelo das pratinhas cor de esperança . Mais uma vez ,«Jesus»
cumprira a sua missão. Passou o tempo, o presépio ficou lá atrás… as figuras
principais são hoje evocadas com amor. Da comunidade de onde as crianças saíram,
ninguém soube verdadeiramente o nome de uma delas. Onde hoje habitam, quase
sucede o mesmo. Raramente visitam o lá atrás onde o presépio ficou. Se tal
acontece, alguém diz alegremente:
-
Olhem quem chegou!...
Por
vezes quando assina o seu primeiro nome, coloca-lhe Jesus bem agarradinho, não
vá ele esgueirar-se suavemente, como as figuras principais do presépio vivo.
Adalderta
Marques
Aconteceu no Natal
Eu pedi ao Deus menino
Se me dava de presente
Muito amor no sapatinho
E paz para toda a gente
Com a mais doce emoção
Colocou sua mãozinha
Juntinho do meu coração
Deixou lá uma prendinha
Dois anjos desembrulharam
O presente que eu pedira
E a paz anunciaram
Dedilhando sua lira
A virgem embevecida
Sorriu para o Deus menino
E olhou enternecida
A prenda em meu sapatinho
Choveram estrelas do céu
Pontilhando o meu quintal
Um milagre aconteceu!
Aconteceu no Natal
Adalberta Marques
MÁGICA
AVENTURA
Naquela noite,
a ceia foi muito especial. O menino, no seu regresso a casa, depois de
pastorear a ovelha, como era costume, tinha uma aventura para contar:
_ “Sei um ninho.”
E perante o olhar preocupado dos Pais, foi desfiando
entusiasmado a sua aventura. Tinha subido a um grande cedro, porque vira sair
de lá um pintassilgo e os seus olhinhos curiosos avistaram um ninho! Era grande
e rugosa a árvore, mas maior era a sua curiosidade. Sem pensar no perigo-
parecia-lhe ter vivido ali, sempre perto do céu -, foi subindo até aos ramos
mais frágeis. Os olhos preocupados dos Pais já viam o seu menino cair no chão e
magoar-se seriamente. Não caiu, felizmente.
O menino continuava a contar a sua aventura, alheio
aos perigos que correra e à preocupação dos Pais, que o escutavam inquietos.
Ali estava o ninho que despertara a sua curiosidade. Finalmente as suas
pequenas mãozitas tocaram o único ovo existente no ninho. Tão feliz estava que
os seus lábios tocaram o ovo estalado, num beijo inocente , puro! O calor do
seu gesto ajudou a nascer um pequeno ser depenado, de olhos cerrados, indefeso.
Um dia, ouvira contar a história de José do Egipto e ficara tão maravilhado,
que a repetia constantemente. Esta era a sua história que, inconscientemente encantado e sem reparar
na aflição dos Pais, contava naquela
noite mágica. Então com a sua coraçãozinho cheio de amor, colocou no ninho o
pequeno pintassilgo e desceu feliz. Que noite aquela!.. Ao calor da lareira,
que crepitava docemente, aquecendo a pequena família, escutando com preocupação
e amor o relato da criança cuja inocente bondade ajudara a nascer uma pequena ave,
a ceia terminou. Os pais trocaram apenas umas quantas palavras que a criança
não entendeu. Mas isso também não o preocupou. Ante os seus olhos de inocente
esperança, estavam as imagens da sua aventura, que já se misturavam com o rodar
do fuzo com o qual a Mãe fiava o linho. Inocente magia!...
Tombou
docemente a cabecita no regaço da Mãe e dormiu.
Elita Guerreiro
7/12/2017
Fernando Sousa
Sobre o conto Jesus de Miguel Torga
O autor deste conto pintou nele uma excelente tela, um tanto no abstracto, mas magnífica aos olhos de quem entende cada pincelada, que vai para além do visível.
O pequeno Jesus, talvez para quebrar a monotonia daquele silêncio pesado, ou pela necessidade de querer partilhar algo de seu, ganhou coragem… e foi preciso muita para o fazer, porque ia dar motivos a uma repreensão! Subir a uma árvore assim e por causa dum ninho nunca passa impune! Curiosidades de criança, que por vezes têm um preço… e ele sabia isso.
Porém, o contentamento desmedido era maior que ele próprio. Como é próprio e natural de cada criança, que pela primeira vez, subindo a pulso, se eleva para ter algo de seu. Jesus tinha achado um tesouro do tamanho da inocência da sua alma, que lhe iria alimentar o sonho.
Terá sido, sem dúvida, a primeira vez que viu a vida acontecer em suas mãos. Esse facto maravilhoso não podia guardar só para si, tinha que o partilhar… quem melhor que a sua mãe para confiar este deslumbramento?
Cada ninho é um segredo, é um bem de quem o acha. Ao achador cabe o direito de o destruir ou proteger, deixar viver, ou matar cada passarinho, conforme as lições de aprendizagem que lhe são incutidas e a formação do seu carácter.
É aqui que começa a manifestar-se a personalidade de cada homem. O fazer a destrinça entre a vida e a morte irá fazer a diferença, nos seus comportamentos, perante os outros seres e a natureza.
Eu vivi muito essa experiência em menino. Confesso que subi a muitas árvores e nem sempre soube fazer a destrinça! Quantas vezes não dei ouvidos a pais que estavam atentos? De quantas repreensões fui merecedor? Quantas vezes!... Foi preciso errar para entender?
Recordo ainda aquela inocência de criança. Como era bonito ir visitar todos os dias o ninho, sentir nas pequenas mãos o ovo, depois o passarinho, em penugem, de olhos fechados… vê-lo crescer e a ficar diferente em cada dia, até vê-lo voar…
O Jesus deste texto, que fui eu também, guarda dentro de si muitas imagens de muitos passarinhos que teve na mão: alguns dela partiram, voando pela primeira vez para desafiarem o destino e alimentarem o sonho de muitas crianças.
Fernando Sousa
Reflexão sobre o
conto “Jesus” integrado no Livro de Miguel Torga “Os Bichos”.
Mais um magnífico conto de Miguel
Torga. Desta vez, a história passa-se ao jantar de uma família de aldeia.
“Comiam todos o caldo, recolhidos e calados….”. Assim começa a história. Caldo,
em vez de sopa, sinal de que a aldeia da Nazaré bem poderia ser uma aldeia transmontana.
O menino sabia um ninho. Naquele tempo, e durante o tempo que se seguiu, saber
um ninho era algo de mágico. Saber um ninho significava a possibilidade de
interferir na intimidade mais profunda duma família de aves. Significava ter
acesso ao mistério da vida numa altura em que, de um modo incompreensível, era
negada informação às crianças sobre as suas próprias origens. De qualquer modo,
“ninho” é uma palavra especial que extravasa o maravilhoso e aconchegante lar
da passarada construído pelo bico e feito com todo o tipo de material:
palhinhas, gravetos, barro etc. Ninho significa também, local secreto, habitação,
lugar delicioso, vedado a estranhos, onde reside compreensão, cumplicidade e amor.
Por isso diria que Torga, neste seu
conto, foi bem simpático para o menino. Na verdade, sabendo do ninho,
contrariamente ao aconselhado, resolveu fazer-lhe uma visita havendo risco de o
enjeitar. Ainda assim, ao fazer essa visita fê-la com respeito, beijando o ovo
e provocando, dessa maneira, o nascimento do passarinho. Noutras ocasiões, em
centenas, ou talvez milhares de visitas a ninhos, o resultado não terá sido tão
bem sucedido. Muitos ninhos foram vandalizados, muitos ovos foram subtraídos,
muitos passarinhos ficaram por nascer. Devemos, por isso, saber passar a
mensagem de que os ninhos, todos os ninhos, mesmo que os saibamos, devem ser
respeitados, protegidos e muito menos profanados.
Fernando Amaral
A infância
do Menino Jesus
Afinal,
Jesus também foi uma criança…?
Sim,
porque ninguém fala desse período do menino nascido – supostamente – em Belém,
quando seus pais fugiram para o Egipto para o salvar da matança ordenada por
Herodes (Mateus 2:16-18)!
Como
viveu ele entre a data do nascimento e as primeiras notícias que dele nos dão
os textos, no período em que todas as crianças correm, e brincam, e choram,
esfolam os joelhos, não querem a sopa e pedem rebuçados?
A
história do menino Jesus, foi contada milhares de vezes, em todas as línguas,
em todas as civilizações ocidentais que se reclamam do cristianismo.
No
entanto, tanto se falou, e não me lembro de ter lido nada sobre essa parte da
sua vida antes de chegar ao templo e… botar fora os comerciantes!
Que
fazia ele dos seus dias, entre o seu pai carpinteiro e sua mãe que, ao
contrário do que reza a história, terá tido outros filhos – sabe-se lá a
verdade, com tudo o que foi escrito séculos depois dos acontecimentos!? Se nem
se sabe a data exacta da fuga do Egipto e do seu nascimento…
Fica
a pergunta, para a qual não há resposta : Jesus foi, afinal, alguma vez criança
?
Mercedes Ferrari
CONTO Nº.7 “JESUS”
Torga demonstra-nos através deste texto,
um problema, que há muito vem sendo uma
batalha, que está cada vez está mais
longe de ser ganha. Os Pais continuam a dar pouca atenção aos seus filhos.
Como adultos, podem chegar a casa cansados
de um dia de trabalho, mas não podem deixar prevalecer o seu estado, em relação
à necessidade que os filhos têm, quando precisam de falar de assuntos
relacionados com os estudos ou qualquer outra situação, que lhes queiram
transmitir sobre a sua própria vida, como estudantes ou simplesmente como seres
humanos.
Quase sempre há uma desculpa a dar, ou
até por vezes pedem para que os deixem em paz, que estão sem paciência para os
ouvir.
Claro, que com essa postura, os adultos
estão cada vez mais a afastar os filhos do seu convívio diário, que é tão
importante para a própria formação deles, como parte integrante duma família
que são ou, em alguns casos, “que deveria ser.”
O conto de Torga baseia-se numa simples
história de um menino de nome Jesus, que subiu a uma árvore alta e encontrou um
ninho com ovos; a ideia dele foi agarrar com muito cuidado um dos ovos e
dar-lhe, simplesmente, um beijo cheio dum bafo quente, mas, ao voltar a pô-lo no
seu lugar, viu umas pequeninas penas, que se agitavam… ficou tão feliz. Tinha
nascido um passarinho!
Correu para casa e reparou que os pais
já estavam sentados à mesa para a ceia. A lareira acesa dava um ambiente
confortável, iam começar a comer, quando acriança lhes contou o que lhe tinha
acontecido.
O Pai, sem dizer uma única palavra, continuou
a comer o caldo. Este pai personifica o adulto distanciado, que ainda existe
nos nossos dias.
Ao contrário, a Mãe revela-se aqui aquele
adulto que está mais próximo da criança, porque o escuta com atenção: ela bebia as palavras do filho, a beijá-lo com
a luz da alma.
Neste Conto o autor realça o paralelismo
Bíblico existente entre a criança e Jesus Cristo: enquanto a criança, ao
beijar um ovo com o seu beijo quente, “dava a vida” a
um passarinho, Jesus Cristo, que se fez homem, para salvar a humanidade do
pecado, Ele próprio, ao “dar a vida” pelos
homens, beijou a Humanidade.
Um acto de amor.
Azeitão, 23-12-2017
Carmo Bairrada
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