sábado, 17 de dezembro de 2016

" A Casa e o Mar" (reflexão a partir de Sophia de Mello Breyner)














“ A CASA E O MAR”
REFLEXÃO A PARTIR DO ESTUDO DA OBRA DE SOPHIA DE MELLO BREYNER

Quando nasci, não existiam partos programados. Por isso e porque não avisei ninguém, cheguei ao mundo transtornando os planos dos meus Pais que se preparavam para que o nascimento se desse na nossa casa, no Alentejo. Foi em Lisboa que nasci. Embalada pelo balançar das fragatas ancoradas no cais da Ribeira, pelas ondas do Tejo, que umas vezes mansamente, outra fortemente, lhe roçavam os cascos. E pelo toque- toque das chinelas das varinas, cujo pregão enchia o ar do bairro e de toda a cidade! Não tenho memória da casa onde nasci! Todas as recordações que até hoje guardo com imensa saudade, são da minha casa do Alentejo: as cores, os cheiros, as pessoas!... Caiada de branco, barras azuladas, as portadas das janelas e as portas da mesma cor, o grande portão de ferro que permanecia aberto durante o dia e donde se via o jardim, que o meu Pai cuidava com todo o carinho… O telhado onde se destacava uma chaminé rendilhada, única naquela época… bem visível, a data de nascimento do meu Pai, 1887, que minha Mãe fez questão de mandar gravar!... Essa, sim, é a minha terra! O meu mar de searas verdes e ondulantes, onde o vento quando nelas entrava, fazia lembrar as ondas do distante Tejo! Como ainda hoje tem tanta importância cada pormenor da minha casa!... O grande tanque junto à cozinha, onde a hortênsia sempre florida dava as boas vindas a quem entrasse… a mesa da sala onde a Cartinha Maternal escrita por João de Deus e na qual aprendi a ler, estava sempre aberta… os retratos nas paredes… minha Mãe rodeada pelos filhos e ainda o Navio da Marinha De Guerra Portuguesa, o República, onde o meu Pai passou grande parte da sua vida, navegando pelo mundo! Aquela sala é uma das mais fortes recordações neste meu mar de saudade! Nesta pequena terra, brinquei, cresci e é tão grande o meu amor por ela, que ainda hoje sinto o cheiro do rosmaninho, ouço o som das águas que corriam nos ribeiros e o cante dolente dos Ganhões! E cada vez me preocupa mais a desertificação que desfez laços familiares, fechou estabelecimentos, trocou searas por eucaliptos e nos trouxe tão longe, deixando os nossos corações presos para sempre à nossa pequena aldeia!


Elita Guerreiro*27/ 10/2016 

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