CANTIGA DE FIAR
Sedía la fremosa seu sirgo
torcendo,
sa voz manselinha fremoso dizendo cantigas d'amigo. Sedía la fremosa seu sirgo lavrando, sa voz manselinha fremoso cantando cantigas d'amigo. -Par Deus de Cruz, dona, sei eu que havedes amor mui coitado, que tan ben dizedes cantigas d'amigo. Par Deus de Cruz, dona, sei eu que andades d'amor mui coitada que tan ben cantades cantigas d'amigo. -Avúitor comestes, que adevinhades.
Estevam Coelho
|
ESTAVA A FORMOSA SEU FIO
TORCENDO
(Tradução de Cleonice
Berardinelli)
Estava a formosa seu fio torcendo,
Sua voz harmoniosa, suave dizendo
Cantigas de amigo.
Estava a formosa sentada,
bordando,
Sua voz harmoniosa, suave cantando
Cantigas de amigo.
- Por Jesus, senhora, vejo que
sofreis
De amor infeliz, pois tão bem
dizeis
Cantigas de amigo.
Por Jesus, senhora, eu vejo que
andais
Com penas de amor, pois tão bem
cantais
Cantigas de amigo.
- Abutre comeste, pois que
adivinhais.
|
“FIANDO
SONHOS”
Tive
uma roca e um fuso
E
aprendi a fiar,
Seda?
Não, não era uso,
Só
linho de trabalhar!
Porque
o pobre veste linho
Teci
fios sem cessar,
Lentamente
de mansinho
Fui-me
deixando enredar!
Cantei
cantigas de amigo
Sem
saber que existiam,
Fui-as
guardando comigo
Os
que as ouviam sorriam!
Por
onde anda o meu fuso
A
vida é um parafuso
Cuja
rosca já moeu!...
Inspirado
na “Cantiga de Fiar”
Da
autoria de Estevam Coelho.
Elita Guerreiro*26/1/2016
MULHERES NA IDADE MÉDIA: - A Emancipação pelo
Trabalho,
e o aparecimentos das Cantigas de Fiar ou
Tecer
Existe este verso, que
diz:
”Enquanto Adão cultivava a Eva tecia, quem era então o Senhor?”
Este verso do revolucionário
inglês John Ball ilustra bem como as
sociedades medievais realizavam uma repartição de tarefas de acordo com o sexo,
reservando às mulheres os trabalhos domésticos e subalternos, e se o casal era
o núcleo da actividade económica ,o trabalho feminino era um complemento do
trabalho masculino. (Imperava portanto, a injustiça e a desigualdade social).
A)- Curiosidades
Sociológicas
1) – As
Mulheres no mundo rural
No mundo rural, as mulheres tinham
um papel importante no trabalho dos campos,
mas não desempenhavam as funções dos homens, não faziam o plantio das sementes, quer por razões físicas,
quer por razões simbólicas, (Exº. como
a Terra representa a“mulher”, ao homem cabia a tarefa
de fecundá-la). Por outro lado, elas ceifavam os cereais, colhiam uvas, cuidavam dos rebanhos, ordenhavam as
vacas ou as cabras, faziam a manteiga
e o queijo,etc…
2)
– As Mulheres nas Cidades
O procedimento nas cidades era
idêntico ao dos campos;existiam ateliers
de comerciantes e artesãos. As esposas cuidavam dos estabelecimentos e muitas vezes,se tinham instrução,também ficava a seu cargo a parte económica, ou
seja, o dinheiro dos negócios, dependendo
sempre dos maridos; porém, elas dirigiam os empregados e os aprendizes.
Se a divisão de tarefas nestes dois
mundos se diziam sexuadas, porque existiam
tarefas especificamente femininas, que se encontravam
em especial na indústria téxtil,
que teve um grande desenvolvimento nos séculos
XIII e XIV, após a mecanização aparecer, as mulheres foram relegadas para segundo
plano: não exerciam tarefas como a tecelagem e a fiação de tecidos, uma vez
que, não podiam ter outras tarefas mais pesadas.
Segundo o “Livre des Métiers” (Livro
dos Oficios) de Étienne Boileau,surgiram
110 corporações, e nelas, cinco ofícios exclusivamente,
no ciclo da seda: “Fiandeiras”em
grandes e pequenos fusos,”Tecelãs” e Fazedoras”de chapéus;no sector têxtil, o trabalho feminino era mais diversificado, com
a presença das mulheres em ctividades
como costura, bordado e negócio de roupas usadas.
A Confecção de tecidos era um ramo
que se expandia. A partir da contribuição
das mulheres em tal oficio, os cargos atrás indicados mais as “Trançadoras”e as “Tosquiadoras”começaram a ser encabeçadas por elas, apesar do baixo salário que
lhes era atribuido.Os obreiros da lã e
da seda eram geralmente pobres , mal vestidos
e de mãos estragadas.
A divisão de trabalho ainda não era
o mal maior da sociedade, porque começaram
a trabalhar em grande produção, ou seja, desde a matéria- prima atá ao acabamento.Assim os trabalhos mais delicados mereciam mais atenção.
Não só era a seda o material nobre por excelência, como a própria ocupação de fiar era monopólio das donzelas e das damas nobres.
Não só era a seda o material nobre por excelência, como a própria ocupação de fiar era monopólio das donzelas e das damas nobres.
A arte de tecer era muito valorizada
pela nobreza; exigiam das fiandeiras um
espaço de trabalho reservado, uma vez que lidavam com fios de ouro e outros materiais caros.
O Trabalho das fiandeiras era
executado num ambiente mais doméstico,mais
refinado e, por sua vez mais confiável.A função de costureira passou a ser realizada por donzelas da
camada mais elevada, “enobrecendo,
assim, o ofício”.
B) – Chanson de
Toile: A influência do ritmo das cantigas de trabalho medievais
Foi naqueles lugares a
que poetas e trovadores tinham acesso, que foram feitas as “Cantigas de Fiar”,
que são pequenos poemas narrativos com refrão, que contam tormentos e alegrias
de solteiras e casadas, que eram narrados na terceira pessoa, com frequência de
refrão na primeira pessoa.
Havia o hábito das
mulheres cantarem enquanto trabalhavam, por isso foram chamadas “Chanson de Toile”, (ou Cantigas de Tecer),
termo Provençal que veio, precisamente, da Provença/França. A definição do
género está incluida nas Cantigas de Amigo.[
A Palavra-chave para este estilo de
versos é o Ritmo. ]
C) –BREVE ANÁLISE
DE:-“SEDIA LA
FERMOSA SEU SIRGO TORCENDO”
(Autor do Poema
Estevam Coelho)
A repetição, diz Combarieu, é a “base do ritmo .
O ritmo da
“fremosinha” acompanha o ir e vir de um tear ou de uma roda de fiar. É
necessário reconstruir na imaginação o ritmo imemorial da fiandeira: disposta
em 4 estrofes de 3 versos. Consideremos, em princípio, o movimento de uma roca,
- o ritmo dos versos é calmo, à semelhança do trabalho ser mais lento.
Nesse raciocínio
usando as mãos e os pés, o ritmo do movimento seria com três partes do corpo
(dois movimentos de mãos e um movimento de pés).
Ou seja: 1,2,3 1,2,3
1,2,3 , assim como a métrica da cantiga. A fiandeira fazia girar o fuso
com a ajuda de um pedal que acionava uma roda e conservaria as suas mãos livres
para torcer os fios.
No
entanto , pensar no movimento da “fremosinha”, num tear horizontal, o mais
usado na época por ser mais produtivo, parece ainda fazer mais sentido, uma vez
que o princípio do seu funcionamento é composto por três fases como base e mais
uma para finalização, que daria 1,2,3
1,2,3 1,2.3 1,2,3,4, aproximando-se mais do ritmo da cantiga de Estevam Coelho.
Finalmente
a métrica destas cantigas é complexa, talvez porque até hoje sempre foram
vistas como cantigas menores, por pertencerem a uma subdivisão das
Cantigas de Amigo,onde as mulheres têm voz , apesar de não escreverem, parece
ser de fundamental relevância para o entendimento e o contexto das mesmas.
A
poesia trovadoresca, a primeira manifestação literária em língua
portuguesa, apresenta alguns elementos
distintos da poesia Provençal,como a adopção do paralelismo e a forma como
utiliz os recursos aos temas do amor cortês.
Pode-se
verificar, que no poema de Estevam Coelho:
a) Há uma estrutura de
Paralelística:Paralelismo Imperfeito.
b) O verso 8 refere-se
a um “amor mui coitado que tan bem dizedes”, como sendo eventualmente
pronunciado por uma voz masculina.
c) As rimas “torcendo /
dizendo” e “lavrando / cantando” aproximam o trabalho do canto, e o som indicando
um crescendo da história, musicalidade dos sons, e do ritmo.Devido aos versos
estarem conjugados no gerúndio, esta conjugação verbal dá uma ideia de
continuidade, do fluir temporal e cadenciado dos trabalhos (fiar, cantar).
Fluir que também é aprofundado pelo encavalgamento da estrofe com o refrão;
exº. “que tan bem dizedes”/ cantigas de amigo
d) No verso inicial - “Sedia
la fremosa seu sirgo lavrando”- faz-se o elogio das habilidades manuais da
amada, de acordo com o espírito do amor cortês.
Nota: No que respeita ao último
verso:
“Avúitor
comestes, que adevinhades”
“Abutre comestes porque adivinhastes” : aqui o
abutre representa um acto de adivinhação; no contexto é como se
fosse uma brincadeira, visto que a donzela considerou que o poeta (essa
eventual voz masculina de que falámos atrás) é uma espécie de vidente, por ter descoberto
o seu sofrimento de amor.
MOBA
Interna Edital Nº. 03/2009
Carmo Bairrada
Sem comentários:
Enviar um comentário