quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Inéditos


“O CAMINHEIRO”

 Naquela noite escura como breu,
caminha lentamente pela serra, um vulto.
Com seus passos pesados
vai pisando as folhas secas,
há muito caídas no chão…

O CAMINHEIRO

Leva consigo alguém,
Que não sabe, nem vê.
Vai junto a si, protegendo-o.
Lá vai caminhando sem rumo…


O CAMINHEIRO

Continua andando, andando
pela serra, por trilhos escondidos,
seus companheiros de caminhadas…

O CAMINHEIRO

Já sente o vento forte, frio e implacável
que vai fustigando as velhas árvores.
que choram de mansinho fazendo lembrar,
o som do mar lá ao longe…

O CAMINHEIRO

Continua o seu caminho.
Veste um capote até aos pés,
e na cabeça um grande chapéu,
que o cobre até aos olhos…
A noite já vai longa e gélida.


De repente a Lua cheia aparece, bem redonda,
através das núvens turbulentas,
que teimam em ficar.
A sua luz forte reflete-se na floresta, e
Surge, então, um um monte de pedras.

O CAMINHEIRO

Dum só salto, sobe-o e grita:
- São horas de regressar!
- Para onde? – pergunta-lhe uma voz…
- Não sei!
  Só sei que tenho de chegar…

Azeitão, Setº. 2015

Carmo Bairrada

A Caminhada…
 Sempre pensei que um dia começaria a caminhar sem destino.
É manhã, muito cedo, porém a praia já acordou. Dou início ao meu caminhar nesta manhã.
Por trás de mim, o sol por mim amado inunda-me com o seu calor da cabeça aos pés. Ritmados, os pensamentos acompanham a cadência dos passos ao longo da avenida. O mar ali em baixo mesmo ao lado. No grupo de palmeiras, as cigarras presenteiam-me com o seu canto alegre e descuidado. Em franca competição comigo, a sombra que me é fiel também caminha, apressada.
Cruzo-me com alguém que também caminha sozinho em sentido contrário e interrogo-me quais as motivações que cada um tem para encetar o seu caminho?...
No peito, o coração bate apressado.
A avenida já ficou bem lá atrás . É hora de regressar. Deixo para lá o marco branco, onde desejaria deixar uma palavra escrita: não tinha caneta e não se devem riscar os espaços brancos, para não perturbar a sua imaculada brancura.
Quando me viro, troço da minha sombra que caminha agora atrás de mim.
Desta vez o sol inunda de frente todo o meu ser, murmurando ao meu ouvido:
- Vou fazer um acordo contigo: passarás a sentir todo este calor e esta luz com que te revisto da cabeça aos pés, mas vais distribuí-la por todos aqueles com quem te cruzares no caminho, conhecidos ou estranhos.
 Sorri e acedi ao seu pedido. Os passos tornaram-se mais leves. Cheguei-me mais para o lado do mar, enquanto o ia deixando ficar para trás… ouvia o seu marulhar sereno e constatei que os dois, mar e céu, vestiam da mesma cor. Quando passei pelas palmeiras, as cigarras calaram-se para que escutasse não só o mar, mas as gaivotas e os pensamentos que caminhavam comigo. Era altura de regressar. Caminhávamos os três, o sol a minha sombra e eu, mas esta ainda não foi a caminhada sem destino que um dia farei.


Adalberta Marques
2015-09-08
   
O BANCO
(Memórias de outros Tempos)


Quando eu era peqenita, ia muito ao Jardim Guerra Junqueiro, mais conhecido por Jardim da Estrela, que ficava relativamente perto da minha casa. Nesse espaço tão bonito existiam árvores muito robustas, muito altas e muito antigas… pareciam que chegavam ao céu. Olhava para elas e pensava: - São mais velhas do que eu!

 O jardim era muito grande e, além das árvores, tinha flores de muitas cores e quatro enormes lagos, dos quais um era o meu favorito: tinha no meio uma estátua, à qual chamavam “a guardadora de patos”.

O lago estava cheio de peixes vermelhos enormes e patos a quem eu dava os quadradinhos de pão que a minha mãe arranjava para eu levar. Os pombos que por ali esvoaçavam também aproveitavam alguns deles.

Enquanto eu me divertia a distribuir o pão, a minha mãe sentava-se num banco, que ficava entre o coreto e o lago, à espera que eu acabasse de dar comer aos peixes e fosse para junto dela, pois o lanche esperava pela minha vontade de o fazer desaparecer num instante.

O sítio onde esse banco se encontrava  era especial para nós, porque era um lugar muito acolhedor.
Anos mais tarde, fui visitar o jardim de propósito: fui àquele lugar para ver se ele ainda existia.


 O banco lá estava
sempre no mesmo sítio…

 Sentei-me e comecei a recordar como ele passava os seus próprios dias.
Assistia, contente, à chegada das crianças da escolinha, que logo pela manhã alegravam o jardim com os seus risos e a sua gritaria.

 Rodopiavam como andorinhas loucas sem qualqur preocupação, corriam coreto abaixo  coreto a cima, umas atrás das outras, parecendo um velho combóio numa marcha frenética sem saber onde iria parar.

Riam imenso das suas bricadeiras.
Eram tão engraçadas!... Todas de bibe e chapéu na cabeça.
Pareciam flores coloridas que alegravam a chegada da Primavera.

O banco lá estava
sempre no mesmo sítio…

As flores estavam por toda a parte.
Os dias iam passando, até que o calor veio de repente e as manhãs deixaram de estar mais frescas e passaram a uma temperatura mais elevada, que se fazia sentir até no próprio banco.

Nem as árvores, suas companheiras de tantos anos, com a sua sombra, de nada lhe valiam. Passava gente e mais gente toda cheirosa, com roupas leves, a passos largos.
Realmente, tinha chegado o Verão.

O banco lá estava
sempre no mesmo sítio…

As crianças, como sempre,  vieram a seguir e foram direitas à beira do lago, e com as suas pequenas mãos em concha enchiam -nas de água e atiravam-na umas às outras, refrescando-se enquanto brincavam.

Mesmo com a temperatura um pouco quente do sol da manhã, ninguém as parava: saltavam alegres e satisfeitas e, de vez em quando, voltavam ao lago , repetindo as molhadelas e assim se iam refrescando.

Um pouco mais tarde, um sininho tocou e todas as crianças se perfilaram e lá foram elas, quais soldadinhos de chumbo, de regresso à escolinha para o almoço e a soneca da tarde.

O tempo passa a correr ,e repentinamente, as folhas das árvores começaram a ficar douradas e a cair. O chão estava repleto delas, assim como o banco.
Os dias  tinham-se tornado mais pequenos, anoitecia mais cedo.
Já não havia quase ninguém no jardim, os candeeiros começavam a acender…

Também o vento apareceu bem frio e a fazer remoínho com as folhas caidas, os pássáros fazendo um barulho enorme com os seus chilreios, parecia que voavam mais depressa, para se abrigarem nas árvores.
Era o Outono.

O banco lá estava
Sempre no mesmo sítio…

Dois meses passsaram e o tempo modificou-se por completo.

O céu escureceu e as nuvens pareciam tão cheias, que poderiam rebentar a qualquer momento e jorrar toda a sua água pelo jardim.

O ar fresco, que até aí se fez sentir, deu lugar a um ar muito frio. 
As poucas pessoas que passavam quase corriam com receio duma valente chuvada.

Então, pelo portão do jardim, entrou um velho muito velho que vestia um casaco comprido já roto, trazia na cabeça um gorro e nas mãos umas luvas de lã já gastas pelo uso; trazia também uma bengala onde se apoiava e um grande guarda-chuva.

Sentou-se no banco e ali ficou calado e pensativo… estava tão cansado, que se deitou e acabou por adormecer. Assim o pobre banco, que também já não era novo, acabou por se sentir mais quentinho, com o calor do seu companheiro.
Tinha aparecido o Inverno.


O banco lá estava
Sempre no mesmo sitio…

 As crianças aparecem mesmo com o frio que se faz sentir, chegam ao jardim todas encasacadas e com os seus gorros a taparem as orelhas e luvas quentinhas nas mãos. Mesmo vestidas assim, ainda brincam e fazem o barulho habitual, só que regressam mais cedo à escolinha onde começam a aprender e a descobrir muitas coisas.

O tempo vai passando sobre todos nós, mas foi sentada naquele banco que tive alguns dos melhores momentos da minha infância, da minha juventude, e porque não de adulta?

Por isso, ele foi e será sempre tão especial para mim. Se falasse teria, com certeza, muitas histórias para contar.

Se alguém de nós  fosse hoje ao Jardim da Estrela, ele estaria lá no seu espaço para nos receber, esperando que nós nos sentássemos um pouquinho, a fazer-lhe companhia.

E o banco continua
Esperando ano após ano,
A chegada das quatro estações…

Azeitão, Setembro de 2015
Carmo Bairrada

VULTO vs ??
-Ó Vulto… Vulto…

-Não te consigo ver,
Está muito escuro.
Quem és?
Donde vens?
Para onde vais?

Tu não falas?
Não me respondes,
És muito estranho!

-Diz-me qualquer coisa…
Andas sozinho pela noite
Em sítios de arrepiar,
Que andas a fazer?

-És alto, que trazes na mão?
Não queres mesmo
Falar, pois não?
  
-Os teus passos entrelaçam-se
Nas pedras do caminho…
-Não estás cansado
De tanto andares?
  
-Senta-te um pouco…
Olha p’ra mim,
Quero ver a tua cara.
Anda, chega aqui!…
Vira-te, não tenhas receio,
Sou só uma jovem de 15 anos…
  
-Se estás tão determinada, diz-me: ”COMO TE SENTES HOJE?”
-Bem, porquê?

-Nada… nada…
Vou voltar-me.
Para que me vejas…
Acho que me vais conhecer!

-Ó meu Deus!
Não!
És a Morte!
Vens buscar-me?

-Sei que és parte
Inevitável da vida.
-Sei também,
Que nasces connosco, e
Connosco caminhas, por todos
Os instantes dessa vida,
Mesmo que tentemos ignorar-te.

-Tem piedade da minha juventude,
Agora não… não… larga-me!
Não te vou acompanhar.
Dá-me mais tempo.

-Sai daqui!
Segue o teu caminho,
Até às profundezas da terra.
Vai, vai p’ra bem longe…

Adeus Morte!
Até daqui a 100 anos….

Azeitão, Setº. 2015
Carmo Bairrada



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