ANÁLISE
AO CONTO “O GATO E O ESCURO”
DE MIA
COUTO
Acabado de ler o texto, pensei:
- Que engraçado, foi escrito para crianças! E os
adultos?...
- Sim, afinal também é para eles!
Esta obra de Mia Couto é uma narrativa que se situa
entre a fábula e o mito, e que está escrita duma forma maravilhosamente
poética.
A linguagem utilizada pelo autor escora-se em vários neologismos, metáforas passando pela alegoria e delineando uma metamorfose (o gatinho amarelo às pintas vai ficar "escuro").
- neologismos -
Porque o Autor tem a arte de transformar o linguajar numa inovação e
transgressão permanente, brincando com as palavras, aglutinando-as, criando assim novos sentidos.
ex: - Pintalgato - PINTALGADO + GATO
- Atarantonto -ATARANTADO + TONTO
- metáforas –Estas figuras de estilo fazem servem no texto para manter o fascínio permanente pela transgressão dos limites, pelo proibido, pelas coisas que
fascinam, mas que ao mesmo tempo causam medo.
Ex:
- Enxofrinhas (as
duas lágrimas “amarelas”, que o gato chorou, estão relacionadas com a cor do
enxofre e com o sofrimento).
- Pirilampiscavam (os
olhos luziam como os pirilampos
- Trespassagem do claro
para o escuro (passar do dia para a noite)
- alegoria –É uma representação de uma abstracção construida neste tipo de escrita por um encadeamento de metáforas. Neste livro a
alegoria remete-nos por exemplo para: -o crescimento humano, através da aprendizagem do “escuro” (medo), da transgressão e da desobediência.
- metamorfose - A personagem principal, a dada
altura, transforma-se, mudando de cor: o que antes era amarelo com pintinhas,
ficou preto.
De facto, as personagens são simbólicas, e o
Pintalgato, por exemplo,
representa o ser humano no seu percurso de vida,
enfrentando problemas e superando-os, metamorfoseando-se, portanto.
Quanto a esta fase , da metamorfose, podemos dividi-la
em duas etapas, reflectindo sobre a nossa própria vida:
- Primeira Etapa: - Quando criança, não se tem a
capacidade de perceber aquilo sobre que o texto nos leva a pensar (por exemplo, vários aspectos que regem a ética duma
sociedade).
- Segunda Etapa: - A criança cresce, torna-se adulto,
e nessa altura já tem a capacidade e a possibilidade de análise, para a resolução
dos problemas que o rodeiam. . Mas, por vezes, por via da de uma má educação tem
plasmado em si o tal de “preconceito” ; ou
convencionalismo para o afastamento de pessoas e coisas, que lhe podem vir a
causar graves problemas de descriminação.
Se for o caso, terá que existir um trabalho entre a
pré adolescência e a adolescência, para que o mais breve possível, se possa
desconstruir tais ideias, para que o adulto do futuro venha a ser um ser humano
melhor.
Nesta prosa poética “O Gato e o Escuro”, destrói-se o preconceito, que neste caso, é “o medo”, personificado na figura metafórica do
escuro, pertencente ao imaginário colectivo... tal
desconstrução vem até nós através de experiências, de reflexão e das vivências que cada ser
humano faz ao longo da sua vida, como se de uma “iniciação se tratasse”.
Assim, o Pintalgato na sua infância pura e inocente, vai
fazer o seu primeiro ritual de iniciação no deserto do seu desconhecimento, quando
quebra as regras de obediência e de limites impostos pela sua mãe gata.
Não podemos deixar de dizer que ele é também um
símbolo humano/humanizado
de perspicácia, curiosidade .
Quando começa a
travessia do dia para a noite, ele vai conhecer e perceber o seu preconceito em
relação a esse medo que ele sente pelo próprio escuro, que representa o Outro , o desconhecido. É interessante ver que o gato gera uma relação de complemento e
não de dualidade com esse Outro (que também
é ele) igual, fazendo parte da sua existência.
Essa situação é visível, quando o Pintalgato vê o reflexo da sua própria imagem,
no escuro da fresta preta do olho de sua mãe.
Chegando ao fim desta pequena análise, muito ficou por dizer.
- Mas devo referir que Mia Couto "teorizou"/encenou neste conto poético várias
simbologias da Literatura Infantil, que se constituem
à volta da metamorfose e dão origem a um “idioleto”muito rico.
Azeitão 28.05.2015
Carmo Bairrada
“O Pintalgato”
Curioso, o gatinho queria ver para além do seu mundo. Saber o que havia para lá da luz do Sol que tanto brilhava... a mãe pedia-lhe que não atravessasse a fronteira entre a claridade e o escuro.
Receava que ele. como se fosse uma criança, ficasse exposto ao que poderia, para si, ser perigoso.
Quando descobriu o que se encontrava do outro lado de lá do que lhe era permitido, assustou-se.
Já não se reconhecia, porque o escuro tinha feito de si um gato negro, que nem ele próprio reconhecia. Concluiu que nem nos sonhos gostamos de mergulhar na escuridão. Quando a mãe o abraçou e mergulhou na bondade do seu colo, o “pintalgato” descobriu que mesmo na escuridão, a luz pode sempre brilhar desde que a sintamos morar dentro de nós.
Adalberta, Maio/Junho 2015
O escritor põe na sua narrativa” abensonhada” um pouco
da sua língua Materna .“ O Português de Moçambique”! A linguagem poética que
utiliza neste conto, que eu desconhecia totalmente, recorda-nos que a criança
que há em nó, só desaparece quando a escuridão dos nossos sentimentos a dissipa
na lonjura do nosso querer! Sonhar, desobedecer ou chorar de arrependimento,
Faz parte do nosso crescimento como humanos! Temos em comum com os animais, A
curiosidade. No fundo, em cada um de nós existe um “Pintalgato”! Mia Couto, é
neste conto, a criança grande que todos temos dentro de nós! Ele soube
expressar escrevendo tudo isso. E nós? Saberemos agradecer-lhe por dar voz ao
que não sabemos dizer? Saberemos nós “ “Esfregar carinho,” tal como aquela Mãe
gata ternurenta e compreensiva o fez com o seu filhote o “ Pintalgatito” quando
ele atravessou a fronteira da obediência, se tornou da cor da escuridão? Quando
o viu chorar, confortou-o com palavras “Abensonhadas” Com amoroso carinho,
ainda ofereceu o seu amor de Mãe ao “Escuro” que desgostoso se lamentava: “
Ninguém gosta de mim, minha cor nem faz parte do arco-íris”! Belíssima liçao,
esta que nos dá a Mãe gata! E nós ‘Seremos capazes de sair da nossa “Escuridão “
com tal pureza de sentimentos? “Pintalgatos “ somos todos nós! Curiosos,
entramos na “Escuridão,” Desobedecendo aos princípios que a nossa condição
humana Nos
impõe. Ao sair, nem sempre temos quem nos espere, com a carinhosa compreensão e
nos “Esfregue carinho” como aconteceu com o “Pintalgatito”! Sonhou? Nós também
sonhamos, também queremos a nossa cor no” arco-íris” O amor e a ternura que esta Mãe soube dar ao
seu filhote! Merecemos? Isso, fica para outro conto que Mia Conto nos contará,
com toda a sua sabedoria e Talento,
“Sorrindo Bondades”
Elita Guerreiro *4/6/2015
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