Dentro de casa reinava a ordem, a
harmonia, a satisfação do dever cumprido. Louça lavada, tudo nos lugares,
arrumado e limpo. Não é segredo para ninguém o quão cansativas são as lides
domésticas e quanto as costas se ressentem e as mãos ficam ásperas! Mas finda a
faina, que bom é ver reflectido o brilho da luz na brancura dos azulejos da
cozinha e admirar as sombras que se alongam nas dependências da casa e parecem
dar vida aos objectos!
Joana fechou portas, apagou luzes
e foi debruçar-se na janela, apreciando a noite serena, calma, silenciosa. Um
momento mágico! Apenas uma brisa ligeira movimentava a rama dos cedros. Dentro
dela, o silêncio! A contemplação dos astros e o silêncio davam-lhe a calma
sensação de paz, de liberdade, de leveza de consciência. Fazia parte daquela
magia, como se fosse o seu reino!
(Acho que há uma paragem no tempo, um momento, em que Deus como um
verdadeiro ancião cansado, dormita um pouco… Satisfeito também ele, com o dever
cumprido, delega no silêncio a tarefa de aquietar as almas, de serenar os
espíritos.)
Foi nessa pausa doce e
silenciosa, que Joana se envolveu. Nesse repouso de Deus e do Universo. De
repente, a doçura daquela maravilhosa quietude foi quebrada… O sino da torre, a
sirene de um barco no rio e um grito enorme, que salpicou de amargura o
tranquilo silêncio da noite: uma mulher atirava ao silêncio a sua dor, como uma
pedra atirada ao charco… Continuava, gritando… Ora como um triste lamento, ora
como um uivo! O homem que a acompanhava tentava tirá-la de junto do muro do
edifício da prisão ali existente. Enlaçava-lhe os ombros, pedindo-lhe ou talvez
ordenando-lhe que se calasse.
Que papel desempenharia este
edifício na dor da pobre mulher?
Qual seria o seu significado
neste súbito quebrar de silêncio?
E porque escolheria semelhante
local para expandir a sua dor?
O coração de Joana sofreu o
horror da impotência…
Quem era, porque sofria, como
ajudar?
(E Deus, cansado, dormia. Não escutou aquele grito desgarrado!)
Elita Guerreiro 23/10/2019
De Sophia de Mello Breyner
É
bom e é tranquilizador sentir, sim, sentir, pois o silêncio é exactamente o
oposto de “ouvir” e a beleza do silêncio é, pois, não ouvir nada, existir como
dentro de uma nuvem espessa e fofa e sentir aquela paz, do espírito e do corpo,
que só em silêncio se pode desfrutar.
O
silêncio é uma respiração vinda de alhures que nos dilata os sentidos e
agudiza as nossas faculdades de pensar, de compreender, de traduzir para
palavras sensações e intuições… É mágico.
Quando
se rompe o silêncio, acontece o ruído, a desorganização, o caos.
A
mulher habita o silêncio e é habitada por ele. Ele é a sua casa, a sua
organização, a sua paz aconchegada.
Ela
faz os gestos quotidianos, sem pressa nem interrupções, com uma precisão de
autómata e tudo faz sentido na sua vida.
Até
ao rasgar do seu infinito bem-estar vindo de alhures, de fora, da rua : um
grito…
Não sabe, não interessa onde, porquê : alguém rompeu o encanto!
E nada mais, depois daquela ruptura, faz sentido : a casa já não é a sua casa,
as coisas já não são suas, o seu mundo contorceu-se de espanto e abandonou-a
ali, naquele espaço desconhecido que foi, no entanto, muito seu… antes do grito
!
Mercedes Ferrari
“Era complicado” escreveu a autora logo
na primeira frase…
Joana tudo
esquecera. Havia conseguido viver por alguns momentos, em paz. A ordem instalada,
o “doce silêncio” que reinava, geraram no seu interior sentimentos de segurança
e de felicidade que esconderam eventuais preocupações antigas.
Tudo
parecia voltar à normalidade, graças à doçura daquele clima. Joana tinha deixado
entrar dentro de si aquela brisa regeneradora. Parecia ter sido despojada dos pensamentos,
das imagens e da vida que não queria lembrar.
O grito que
ouviu transportou-a de imediato para a realidade. Em silêncio, Joana sentia agora
o barulho ensurdecedor que havia voltado em força. Esta nova realidade
impossibilitava-a de reconhecer a ordem e o sossego que, apesar de tudo, se
mantinha em toda a sua casa.
Tudo estava
igual, mas tudo parecia diferente. Já nada de belo ali habitava. Algo mais forte
havia ocupado e degradado o que há instantes parecia perene.
O regresso
do silêncio foi incapaz de travar ou, no mínimo, consolar a dor que lhe roía
todo o seu ser. O novo silêncio dava vida ao grito que há bem pouco se havia
extinguido.
“Joana atravessou como estrangeira a sua casa”... escreveu a autora na sua última frase.
O novo
silêncio dava vida ao grito que há bem pouco se havia extinguido.
Fernando
Amaral
Outubro
2019
“
O
SILÊNCIO”
Debruçada da janela
Na noite mágica tão bela
Silêncio…
Há um grito de amargura
Que fere a noite escura
Silêncio…
Apenas quebrado pelo grito
De um coração aflito
Silêncio…
E a vida continua
Cessou o grito na rua
Silêncio…
Estende a noite o manto espesso
Está de novo de regresso
Silêncio…
Apenas Silêncio…
Elita Guerreiro
NO SILÊNCIO
É na quietude do silêncio que melhor o escutamos. Não o vendo, podemos senti-lo dentro de nós.
Tal como a mulher do texto de Sophia de Mello Breyner, já tenho terminado de limpar e a ordem das coisas fica quieta, às vezes, para se por em movimento, volvidos momentos.
Também vou fechando as portas, no entanto há sempre portas, que se vão escancarando…
Sou diferente de Joana! Sou sem cansaços e não desperdiço tempo a polir os azulejos. Regar as plantas e plantá-las por aqui e por ali torna-me mais feliz.
Acaricio sem pressa as pétalas acetinadas das brancas orquídeas e não me deito sem espreitar a noite. Os astros intrigam-me, nem preciso debruçar-me da janela: olho através da vidraça transparente e tenho a noite ali à mão.
Mas o «grito»... Também numa noite de Agosto, na minha rua, alguém deu um grito idêntico. Lá fora, também uma mulher gritou desesperada…
Mas a mulher do texto... Porque gritaria assim? Era o sufoco da estreiteza da rua, a sua falta de cor ou o ar imóvel? Ninguém queria ter ali tão perto a prisão, por ser a personificação do seu desespero. E porque desfechava murros sobre ela? Acharia que a intensidade dos seus gritos de desespero deitariam abaixo as grades das janelas? O que impulsionava a força do seu grito contra tudo e todos? Quando o grito se estrangulava na sua garganta, o homem pedia-lhe que se calasse. Não teria interesse no seu silêncio, para que não ouvissem os gritos dela todos os que dormiam no interior de suas casas? Porque esperou tanto tempo para lhe cobrir a cabeça com o xaile? Aquele braço em volta da mulher não teria chegado demasiado tarde? Nas janelas da prisão, não estaria alguém a gritar em silêncio? Talvez a mulher ansiasse à volta dos seus ombros, por aquele ou aquilo por que gritava.
Mas a mulher do texto... Porque gritaria assim? Era o sufoco da estreiteza da rua, a sua falta de cor ou o ar imóvel? Ninguém queria ter ali tão perto a prisão, por ser a personificação do seu desespero. E porque desfechava murros sobre ela? Acharia que a intensidade dos seus gritos de desespero deitariam abaixo as grades das janelas? O que impulsionava a força do seu grito contra tudo e todos? Quando o grito se estrangulava na sua garganta, o homem pedia-lhe que se calasse. Não teria interesse no seu silêncio, para que não ouvissem os gritos dela todos os que dormiam no interior de suas casas? Porque esperou tanto tempo para lhe cobrir a cabeça com o xaile? Aquele braço em volta da mulher não teria chegado demasiado tarde? Nas janelas da prisão, não estaria alguém a gritar em silêncio? Talvez a mulher ansiasse à volta dos seus ombros, por aquele ou aquilo por que gritava.
O grito daquela mulher acordou-me um grito perdido no tempo, numa outra cálida noite de verão em que nem o ar se movia...
Tal como tudo ao redor de Joana parecia ter perdido o encanto da ordem, também no interior de minha casa, naquela noite, tudo me pareceu diferente. Penso ter entendido porque a autora inicia o seu texto, dizendo:
- «Era complicado»
É complicado sempre que uma mulher grita! Sejam ou não audíveis os seus gritos...
Adalberta
OBRA: O SILÊNCIO , in Histórias da Terra e do Mar
AUTOR: Sohpia de
M. B. Andresen
EDITORA: Esconderijo
dos Livros
Neste belíssimo
conto, a escritora dá-nos a conhecer dois estados de Alma: “O Silêncio” e “O Grito, sempre numa escrita poética e bela.
A personagem da
história tinha acabado, finalmente, o seu dia de trabalho doméstico e sentia-se
com o dever cumprido.
A casa estava
irreconhecível, a limpeza tinha sido profunda: ficara com um brilho, que
qualquer espelho invejaria. Tudo resplandecia, desde os quartos à sala. Até a atmosfera
era dum Silêncio limpo e acolhedor.
Joana, assim se
chama a protagonista da história, abriu a janela de frente para o seu cedro e
ficou desfrutando do final do entardecer, à espera que a noite chegasse carregada
de estrelas brilhantes.
Aquela era a
hora do doce Silêncio rodeado de contornos de poesia, era o momento da
sua Liberdade, era o seu bálsamo interior. Toda essa paz que a envolvia era aberta e transparente.
Infelizmente, esse
espaço de tempo seria breve e estava prestes a sofrer uma viragem: como a de
uma fresta que se abre, trazendo consigo consequências.
Já caíra a noite!
O céu e as estrelas com seu brilho eram a aliança perfeita com a casa de Joana.
De repente, no
meio do Silêncio, um Grito tão profundo e
agudo que abalou o Céu e a Terra e o sossego aconchegante, que inundava aquela
casa junto ao cedro, que balançava com a aragem que se fazia sentir…
Novos gritos se
seguiram, no
silêncio opaco e sinistro onde se ouvia
o esgravatar dos cães esfomeados, cada vez se tornando mais fortes,
vindos de uma voz de mulher, uma voz desgarrada e solitária, que no seu
crescendo fazia estremecer a própria noite. Voz que se continuou a ouvir com fúria,
desespero e violência, gritando contra as algemas do tempo, como forma de luta
pela Opressão.
A mulher atia
com as suas próprias mãos feridas e rasgadas na imponente parede dura e de
janelas gradeadas e fechadas da prisão. Era necessário soltar a voz, rompendo as
cadeias da Solidão e das Injustiças.
O homem que a
acompanhava aconchegou-a e desceram a rua. Os ruídos foram-se desvanecendo e,
por fim, deixaram de se ouvir.
A Paz e o
Silêncio daquela tarde tinham desaparecido para sempre e, no seu lugar, estava
instalado o CAOS !!!
O Silêncio como um estremecer profundo
percorria a casa (...). Tudo se tornara
alheio e irreconhecível para Joana.
Deu uma volta ao
espaço: nada lhe restava. As coisas não eram as suas, era um mundo irreconhecível.
Tudo “aquilo” era uma completa ruína! Era uma estrangeira dentro
da sua própria casa!
Será que Joana
era também a Mulher do Silêncio opaco e sinistro?
Será que Joana
trazia dentro de si o “Grito”, que nunca tinha conseguido soltar?
Será que Joana e
a Mulher, naquela noite e com toda a força, romperam as amarras, que
agrilhoavam a sua Liberdade?
Muitas, mais e diferentes
interpretações haverá para o Silêncio de Joana, da Mulher… da Humanidade?
Eu nãosei a resposta.
“De Sophia
ficaram para sempre, uma imensidão de sentidos, e as palavras escritas ditadas
em Silêncio apaziguador, por uma voz quase inaudível que só ela escutava.”
“O SILÊNCIO vs O GRITO”
O SILÊNCIO O
GRITO
O Silêncio tem muita
força para O
Grito rompe completamente
escutar o Grito,
mas acaba por o
Silêncio; é uma forma distorcida
nunca o
conseguir apagar. do
Sofrimento.
Azeitão,
21-10-2019
Carmo Bairrada
Consulta: https://esfrovhit.blog.sapo.pt/988htlm
O SILÊNCIO
DE SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Neste belíssimo Conto, a Autora coloca o leitor entre dois mundos:
“O SILÊNCIO” e “O GRITO”
Chegara finalmente aquele fim de tarde de um Silêncio limpo e luminoso.
Abriu-se uma janela e lá estava Joana para desfrutar do momento de Paz e Liberdade do seu interior.
Acabava sempre por esperar o nascimento da noite com o seu universo de estrelas brilhantes. Esse momento chegara ao espaço terreno e ao seu coração.
Durou pouco...!
De repente, qual fresta que se abre, o Silêncio que pairava no ar foi quebrado por um GRITO estridente que entrou em todos os lugares, qual furacão devastador.
Repetiu-se ao longo dum tempo quase infinito e sem controlo.
Vinha da voz desgarrada e solitária de uma mulher, num crescendo estranho… Todos os seus gritos faziam estremecer a própria terra.
Eram silvos agudos de raiva, desespero, fúria e violência. Talvez a sua forma de luta contra a Opressão.
Com a força que lhe restava, batia desesperadamente com as suas próprias mãos já feridas e rasgadas na parede dura da prisão com janelas fechadas e gradeadas, rompendo as cadeias da Solidão e Injustiça.
Foi um tempo infindo para quem escutou tanto sofrimento, transformado em
sacrifício.
“O SILÊNCIO” teve a força para escutar o grito, mas não o conseguiu apagar. Estava lá o Eco com a sua função de repetir... repetir... repetir todos aqueles sons, que ficariam para sempre dentro de quem os escutou.
“O GRITO” conseguiu romper para sempre a barreira do Silêncio na forma mais
drástica do Sofrimento.
O CAOS estava instalado!
Joana mergulhou nele e a sua casa também. Deu uma volta. Nada lhe era familiar, nada era seu, tudo se perdera. Uma autêntica ruina!
Era uma estrangeira dentro da sua própria casa
· Será que Joana era a Mulher que personalizava “O Silêncio” opaco e sinistro?
· Será que Joana trazia dentro de si “O GRITO”, que nunca tinha conseguido soltar?
· Será que Joana e a Mulher têm a mesma Identidade?
· Será que Joana, naquela noite, com toda a força do seu interior silencioso conseguiu romper as amarras que agrilhoavam a sua verdadeira Liberdade?
Eu não sei as respostas!
Só sei que:
“De Sophia ficaram para sempre, uma imensidão de sentidos, e as palavras escritas ditadas em Silêncio apaziguador, por uma voz quase inaudível que só ela escutava.”
Azeitão, 24.11.2019
Carmo Bairrada
Leitura/Consulta: https://esfrovhit.blog.sapo.pt/988htlm
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