(Luís de Camões, Os Lusíadas, IV, 84-104)
83
"Foram de Emanuel remunerados,
Porque com mais amor se apercebessem,
E com palavras altas animados
Para quantos trabalhos sucedessem.
Assim foram os Mínias ajuntados,
Para que o Véu dourado combatessem,
Na fatídica Nau, que ousou primeira
Tentar o mar Euxínio, aventureira.
84
"E já no porto da ínclita Ulisseia
C'um alvoroço nobre, e é um desejo,
(Onde o licor mistura e branca areia
Co'o salgado Neptuno o doce Tejo)
As naus prestes estão; e não refreia
Temor nenhum o juvenil despejo,
Porque a gente marítima e a de Marte
Estão para seguir-me a toda parte.
85
"Pelas praias vestidos os soldados
De várias cores vêm e várias artes,
E não menos de esforço aparelhados
Para buscar do inundo novas partes.
Nas fortes naus os ventos sossegados
Ondeam os aéreos estandartes;
Elas prometem, vendo os mares largos,
De ser no Olimpo estrelas como a de Argos.
86
"Depois de aparelhados desta sorte
De quanto tal viagem pede e manda,
Aparelhamos a alma para a morte,
Que sempre aos nautas ante os olhos anda.
Para o sumo Poder que a etérea corte
Sustenta só coa vista veneranda,
Imploramos favor que nos guiasse,
E que nossos começos aspirasse.
87
"Partimo-nos assim do santo templo
Que nas praias do mar está assentado,
Que o nome tem da terra, para exemplo,
Donde Deus foi em carne ao mundo dado.
Certifico-te, ó Rei, que se contemplo
Como fui destas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o freio.
88
"A gente da cidade aquele dia,
(Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente) concorria,
Saudosos na vista e descontentes.
E nós coa virtuosa companhia
De mil Religiosos diligentes,
Em procissão solene a Deus orando,
Para os batéis viemos caminhando.
89
"Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam;
As mulheres c'um choro piedoso,
Os homens com suspiros que arrancavam;
Mães, esposas, irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrescentavam
A desesperarão, e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo.
90
"Qual vai dizendo: -" Ó filho, a quem eu tinha
Só para refrigério, e doce amparo
Desta cansada já velhice minha,
Que em choro acabará, penoso e amaro,
Por que me deixas, mísera e mesquinha?
Por que de mim te vás, ó filho caro,
A fazer o funéreo enterramento,
Onde sejas de peixes mantimento!" -
91
"Qual em cabelo: -"Ó doce e amado esposo,
Sem quem não quis Amor que viver possa,
Por que is aventurar ao mar iroso
Essa vida que é minha, e não é vossa?
Como por um caminho duvidoso
Vos esquece a afeição tão doce nossa?
Nosso amor, nosso vão contentamento
Quereis que com as velas leve o vento?" -
92
"Nestas e outras palavras que diziam
De amor e de piedosa humanidade,
Os velhos e os meninos os seguiam,
Em quem menos esforço põe a idade.
Os montes de mais perto respondiam,
Quase movidos de alta piedade;
A branca areia as lágrimas banhavam,
Que em multidão com elas se igualavam.
93
"Nós outros sem a vista alevantarmos
Nem a mãe, nem a esposa, neste estado,
Por nos não magoarmos, ou mudarmos
Do propósito firme começado,
Determinei de assim nos embarcarmos
Sem o despedimento costumado,
Que, posto que é de amor usança boa,
A quem se aparta, ou fica, mais magoa.
"Foram de Emanuel remunerados,
Porque com mais amor se apercebessem,
E com palavras altas animados
Para quantos trabalhos sucedessem.
Assim foram os Mínias ajuntados,
Para que o Véu dourado combatessem,
Na fatídica Nau, que ousou primeira
Tentar o mar Euxínio, aventureira.
84
"E já no porto da ínclita Ulisseia
C'um alvoroço nobre, e é um desejo,
(Onde o licor mistura e branca areia
Co'o salgado Neptuno o doce Tejo)
As naus prestes estão; e não refreia
Temor nenhum o juvenil despejo,
Porque a gente marítima e a de Marte
Estão para seguir-me a toda parte.
85
"Pelas praias vestidos os soldados
De várias cores vêm e várias artes,
E não menos de esforço aparelhados
Para buscar do inundo novas partes.
Nas fortes naus os ventos sossegados
Ondeam os aéreos estandartes;
Elas prometem, vendo os mares largos,
De ser no Olimpo estrelas como a de Argos.
86
"Depois de aparelhados desta sorte
De quanto tal viagem pede e manda,
Aparelhamos a alma para a morte,
Que sempre aos nautas ante os olhos anda.
Para o sumo Poder que a etérea corte
Sustenta só coa vista veneranda,
Imploramos favor que nos guiasse,
E que nossos começos aspirasse.
87
"Partimo-nos assim do santo templo
Que nas praias do mar está assentado,
Que o nome tem da terra, para exemplo,
Donde Deus foi em carne ao mundo dado.
Certifico-te, ó Rei, que se contemplo
Como fui destas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o freio.
88
"A gente da cidade aquele dia,
(Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente) concorria,
Saudosos na vista e descontentes.
E nós coa virtuosa companhia
De mil Religiosos diligentes,
Em procissão solene a Deus orando,
Para os batéis viemos caminhando.
89
"Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam;
As mulheres c'um choro piedoso,
Os homens com suspiros que arrancavam;
Mães, esposas, irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrescentavam
A desesperarão, e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo.
90
"Qual vai dizendo: -" Ó filho, a quem eu tinha
Só para refrigério, e doce amparo
Desta cansada já velhice minha,
Que em choro acabará, penoso e amaro,
Por que me deixas, mísera e mesquinha?
Por que de mim te vás, ó filho caro,
A fazer o funéreo enterramento,
Onde sejas de peixes mantimento!" -
91
"Qual em cabelo: -"Ó doce e amado esposo,
Sem quem não quis Amor que viver possa,
Por que is aventurar ao mar iroso
Essa vida que é minha, e não é vossa?
Como por um caminho duvidoso
Vos esquece a afeição tão doce nossa?
Nosso amor, nosso vão contentamento
Quereis que com as velas leve o vento?" -
92
"Nestas e outras palavras que diziam
De amor e de piedosa humanidade,
Os velhos e os meninos os seguiam,
Em quem menos esforço põe a idade.
Os montes de mais perto respondiam,
Quase movidos de alta piedade;
A branca areia as lágrimas banhavam,
Que em multidão com elas se igualavam.
93
"Nós outros sem a vista alevantarmos
Nem a mãe, nem a esposa, neste estado,
Por nos não magoarmos, ou mudarmos
Do propósito firme começado,
Determinei de assim nos embarcarmos
Sem o despedimento costumado,
Que, posto que é de amor usança boa,
A quem se aparta, ou fica, mais magoa.
94
"Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
95
- "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
96
- "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
97
- "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?
98
- "Mas ó tu, geração daquele insano,
Cujo pecado e desobediência,
Não somente do reino soberano
Te pôs neste desterro e triste ausência,
Mas inda doutro estado mais que humano
Da quieta e da simples inocência,
Idade d'ouro, tanto te privou,
Que na de ferro e d'armas te deitou:
99
- "Já que nesta gostosa vaidade
Tanto enlevas a leve fantasia,
Já que à bruta crueza e feridade
Puseste nome esforço e valentia,
Já que prezas em tanta quantidades
O desprezo da vida, que devia
De ser sempre estimada, pois que já
Temeu tanto perdê-la quem a dá:
100
- "Não tens junto contigo o Ismaelita,
Com quem sempre terás guerras sobejas?
Não segue ele do Arábio a lei maldita,
Se tu pela de Cristo só pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
Se terras e riqueza mais desejas?
Não é ele por armas esforçado,
Se queres por vitórias ser louvado?
101
- "Deixas criar às portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovoe o Reino antigo,
Se enfraqueça e se vá deitando a longe?
Buscas o incerto e incógnito perigo
Por que a fama te exalte e te lisonge,
Chamando-te senhor, com larga cópia,
Da Índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia?
102
- "Ó maldito o primeiro que no mundo
Nas ondas velas pôs em seco lenho,
Dino da eterna pena do profundo,
Se é justa a justa lei, que sigo e tenho!
Nunca juízo algum alto e profundo,
Nem cítara sonora, ou vivo engenho,
Te dê por isso fama nem memória,
Mas contigo se acabe o nome e glória.
103
- "Trouxe o filho de Jápeto do Céu
O fogo que ajuntou ao peito humano,
Fogo que o mundo em armas acendeu
Em mortes, em desonras (grande engano).
Quanto melhor nos fora, Prometeu,
E quanto para o mundo menos dano,
Que a tua estátua ilustre não tivera
Fogo de altos desejos, que a movera!
104
- "Não cometera o moço miserando
O carro alto do pai, nem o ar vazio
O grande Arquiteto co'o filho, dando
Um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
Nenhum cometimento alto e nefando,
Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte, estranha condição!"
VALE A PENA VER/LER/CONSULTAR:
http://www.historia.com.pt/lusiadas/Lusiadas.htm (edição on-line de Os Lusíadas, comentada por João Manuel Mimoso e ilustrada por Carlos Alberto Santos)
http://www.flickr.com/photos/emoitas/2290123010/in/photostream/ (excelente foto e descrição histórica abreviada da Viagem de vasco da Gama para a Índia)
Sem comentários:
Enviar um comentário