Deus disse:
"O Zambujeiro nasça".
Viril,
rompeu da terra o Zambujeiro.
O tronco é o
dum homem das montanhas.
São mãos de
cavador seus ramos. Só as folhas,
Delicadas,
suaves... Pela noite,
Quando tudo
se cala, mesmo os pássaros,
O Zambujeiro
canta...
(in Sonho,
“Zambujeiro”,69)
O OUTONO É TRISTE
Aonde
estou não há outono. O Outono é triste…
Aqui
não deixam nunca as folhas de ser verdes
E
há arelva e os rebentos e a alegria dos pássaros…
E
os sítios em que amámos?... Vou contigo, Mulher,
Vamos
de braço dado aos sítios de outro tempo…
Ah!
Que não vemos musgo, muros velhos, mofo…
Saudades?...
Nem ao menos saudades… Somos os dois tão jovens!...
Lá
vai uma flor nova romper. Detemo-nos, deixamos
De
respirar – e eis o botão rasgado e a flor aberta.
(Arrábida,
15/Nov/1951)
In Sonho, 71
HORA
VERMELHA
Por que
vieste, pensamento?
Já me
bastava o Mar violento,
Já me
bastava o Sol que ardia…
P’los meus
sentidos escorria
não sei lá
bem que seiva forte
que a carne
toda me deixava
qual uma
flor ou uma lava
num riso
aberto contra a Morte.
Já me
bastava tudo isto.
Mas tu
vieste, pensamento,
e vieste
duro, turbulento.
Vieste com
formas e com sangue:
erectos
seios de mulher,
as carnes
róseas como frutos.
Boca rasgada
num pedido
a que se
quer e se não quer
dizer que
não.
Os braços
longos estendidos.
A mão em
concha sobre o sexo
que nem a
Vénus de Camões.
Aí!,
pensamento,
deixa-me a
calma da Poesia!
Aqui na
praia só com ela,
virgem
castíssima, sincera!…
Sua mão
branca saberia
chamar
cordeiro ao Mar violento,
Pôr meigo,
meigo, o Sol que ardia.
Mas tu
vieste, pensamento.
Tua nudez,
que me obsidia,
logo,
subtil, encheu de alento
velhos
desejos recalcados,
beijos
mordidos
antes de os
ver a luz do Dia.
Vai-te
depressa, pensamento!
Deixa-me a
calma da Poesia.
Fique em
minh’alma o só perfume
da cerca
alegre de um convento.
Os meus
sentidos embalados
numa suave
melodia.
(Ah!, não
nos quero desgrenhados
como quem
volta de uma orgia).
E então meus
lábios mais serenos
do que se
orassem sobre um berço,
sorrindo à
Vida,
sorrindo à
Morte.
Ah!, não nos
quero assim grosseiros,
ébrios,
torcidos,
como depois
de um vinho forte.
(In Cabo)
VERSOS AO
MAR
Ai!,
o berço da
tua voz,
e esse jeito
de mão que tens nas ondas,
Mar!
Quando eu
cair exausto
sobre as
conchas da praia e fique ali
doente e sem
ninguém,
hás-de ser
tu quem me trate,
quero que
sejas tu a minha Mãe.
Há-de
embalar-me a tua voz de berço,
pra que a
febre me deixe sossegar,
e hás-de
passar, ó Mar!
pelo meu
corpo em chaga,
as tuas mãos
piedosas comovidas,
pra que
sintas por mim as minhas dores
e eu sinta
só o bálsamo nas feridas.
Como se
fosses tu a minha Mãe…
Como se
fosses tu a minha Noiva…
E hás-de
contar-me histórias velhas
de
Marinheiros…
Histórias de
Sereias e de Luas
que se
perderam por ti…
E se a Morte
vier há-de quedar,
toda
encantada, a ouvir-te,
e, sem ânimo
já me há-de quedar,
Toda
encantada, a ouvir-te,
E, sem ânimo
já de me levar,
sorrindo,
voltará por seu caminho
(não na
sentimos vir, nem ir, tão de mansinho
se passou
tudo, Mar!),
voltará de
mansinho,
pé ante pé,
pra não nos perturbar,
mas saudosa
da tua voz de berço…
Sebastião da
Gama
(In SERRA)
“Elegia para uma gaivota”
Morreu no
mar a gaivota mais esbelta,
a que morava
mais alto e trespassava
de claridade
as nuvens mais escuras com os olhos.
Flutuam
quietas, sobre as águas, suas asas.
Água
salgada, benta de tantas mortes angustiosas,
aspergiu-a.
E três pás
de ar pesado para sempre as viagens lhe vedaram.
Eis que
deixou de ser sonho apenas sonhado. É
finalmente
sonho puro,
sonho que
sonha finalmente, asa que dorme voos.
Cantos de
pescadores, embalai-a! Versos dos poetas, embalai-a!
Brisas,
peixes, marés, rumor das velas, embalai-a!
Há na manhã
um gosto vago e doce de elegia,
tão
misteriosamente, tão insistentemente,
sua presença
morta em tudo se anuncia.
Ela vai,
sereninha e muito branca.
E a sua
morte simples e suavíssima
é a
ordem-do-dia na praia e no mar alto.
(In Campo Aberto)
CLARIDADE
De minha vida não sei
senão que sou feliz.
Lá o que fui ou fiz
antes de ser o que sou,
ai!, tudo me passou:
só sei que sou feliz.
E que me importa a cor
das águas que passaram?
Estas águas me bastam
que vão correndo agora.
Fosse o que fosse, a minha
passada vida incerta
(feliz ou desgraçada),
foi uma porta aberta
pra esta vida clara.
Por isso eu a bendigo,
a minha vida ida.
Talvez as rosas nela
tivessem bem mais cor,
o Sol mais Luz e Amor,
e música mais bela
a viração, então;
mais verde fosse o Mar...
- Mas que vale o que foi,
se, quanto vejo ou provo,
tem tudo um gosto novo?...
Se nada cansa ou dói?...
Se as rosas, para mim,
nasceram mesmo agora,
e as aves e o Mar?...
Se o Sol aconteceu
ao mesmo tempo que eu
olhei à minha roda
e vi o meu presente
a ser-me a vida toda?...
(in serra)
VERSOS PARA EU DIZER DE JOELHOS
(«... Daqui, donde mais livre se
caminha.» FREI AGOSTINHO)
Ó meu país do Sol!
Pressentimento
da claridade celeste!
Ó fonte de Pureza!
Ó minha
Serra toda pintada de Esperança
e debruada de azul!
Reveladora maga
dos meus cinco sentidos, criadora
de aqueles que eu no tinha e tenho
agora!
Ó minha outra Mãe,
que, num leito de flores e sorrisos,
me deste à luz de seda das Estrelas!
(Tuas carícias, Mãe!,
são os sonos que durmo, deslumbrados
e mansos, como dormidos
por meninos pequenos.)
Ó Serra aonde a cor
é luz extasiada!;
aonde a Primavera, quando chega,
já se encontra a si própria a esperar-se!
Ó minha amante sempre virgem
e sempre desejosa do meu corpo!
Ó palavra de Deus a exprimir-se
pelas bocas ingénuas das estevas!
Minha pomba da Paz!
Ó toda perfumada
do corpo de Agostinho!
Ó sorriso do Mar!, ó búzio longo
que prolongas a grande voz salgada!
Ó bordão
dos que já vinham cansados!
Nossa Senhora
desses a quem o Mundo deixou vincos
na alma!
Donzelinha saudosa que não sabe
se tem saudades do Céu,
se as tem de si!
Ó Serra aonde as noites
são camisas puríssimas de Noiva
e os crepúsculos são primeiros-beijos!
Pátria do mês de Maio!
Madrugada
do Dia que há- de vir p' la mão da
Morte!
- Eu não quero cantar-te, minha
Amante,
Minha Mãe, minha Irmã, minha Senhora;
eu só quero entender-te toda a vida
como te entendo, Serra! nesta hora.
(in Serra, pp 44-46)
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