Não é aqui nem ali, nomeadamente, é onde quer
que começa a ser visto, que Portugal começa a ser maravilhoso; atravessem o
Tejo, metam-se numa confortável camioneta e venham connosco verificar esta
verdade; os que vierem connosco verão que Portugal começa na Península de
Setúbal a ser a maravilha de que falam os livros.
Lisboa acena, do lado de lá do rio, o seu adeus
alegre aos que partem. já o barco nos deixou na Outra Banda, já a camioneta
arranca, já, depois de atravessadas as vilas de Cacilhas e Cova da Piedade,
centros comerciais e industriais, se oferece a nossos olhos a mancha verde dos
campos. Ulmos e acácias que vieram até à beirinha da estrada ver-nos passar;
pinheirais extensos e orgulhosos da sua raça - são os filhos, são os netos dos
que foram à Índia; a vinha a sonhar: «Quando serei vinho?»; o trigo a sonhar:
«Quando serei pão?»; e as árvores de fruto, algumas carregadinhas como ouriços, a prometerem doçura e frescura... A
camioneta vai contente, porque é ela que mostra tudo isto, porque vão contentes
os que espreitam pelas suas janelas. E já volta à direita, na encruzilhada do
Fogueteiro, onde uma novíssima fábrica de têxteis artificiais abre os seus
portões; por aquele ramo de estrada se encaminha, também entre pinhais, até à
Aldeia de Santana, burgozinho de camponeses, lugar bom para quem gosta de
guloseimas: n'A Camponesa, uma casinha discreta, há bolos deliciosos, dignos de
um convento. E agora o macadame nos lembrará as antigas estradas: de Santana ao
Cabo Espichel leva-nos um macadame simpático e bem cuidado, orlado de
malmequeres brancos. Companheiros da estrada, uma ou outra carroça, um ou outro
burriquito - toque toque toque - a caminho da vila. E assim chegamos à Igreja
de Santa Maria da Pedra de Mua, do tempo de D. Pedro II, mais conhecida por
Senhora do Cabo; é ali que mora a padroeira dos pescadores de Sesimbra.
«Senhora do Cabo», com a ortografia errada se Deus quiser, tem sido o nome de
muitos barcos de aquela vila. Desçamos até à beira-oceano, junto da ermida
levantada sobre a Pedra de Mua (século XV), onde quer a tradição que a imagem
de Nossa Senhora, hoje na igreja, tenha aparecido; de aí enchamos os olhos de
Mar e Abismo. Uma baía minúscula de águas de cor de azebre acaba em mansidão
uma cavalgada de rochedos cortados em perpendicular; depois, mar que não acaba,
pespontado de velas e gaivotas; para a esquerda, o Farol, de 1790, dá sinais de
terra aos que não tiverem medo das ondas. Vem do Oceano, quase sempre, um
ventinho agreste mas belo: fala de Portugal e do seu destino.
Mas apressemo-nos, porque o passeio é longo,
desçamos ao Castelo de Sesimbra, que os mouros ergueram. Hoje é uma relíquia de
tempos heróicos: evoca D. Afonso Henriques, que em 1165 o tomou; no tempo do
Conquistador, era dentro dos seus muros que a povoação, elevada a vila em 1323,
ia crescendo casa a casa. Dentro do Castelo, a Igreja de Santa Maria ou de
Nossa Senhora do Castelo, da segunda metade do século XII; a imagem da Senhora,
em pedra, é do século XIII. Olhemos, das ameias, a vila de Sesimbra e o mar salgado,
pão de cada dia de aquela terra. A praia, que visitaremos deixado o Castelo,
chega para pescadores e para banhistas: de um lado se enfeita de aiolas e
traineiras, do outro de barracas de lona. Aos pescadores protege-os, como se
não bastassem a Senhora do Cabo e a Senhora do Castelo, o Senhor das Chagas, a
Quem o povo todos os anos agradece, numa romaria típica.
0 Senhor das Chagas arrasta a Sua Cruz na Igreja
da Misericórdia, que merece a pena ver por Ele e por um painel em tábua, talvez
de Garcia Fernandes. Com mais uns minutos para a visita à Igreja Matriz (do
século XVI) e à sua bela escultura barroca da Virgem, teremos feito uma ideia
de Sesimbra, «a piscosa», anfiteatro de onde se sofre ou se goza o espectáculo
sempre grande do mar.
Dez quilómetros de boa estrada e tomamos
novamente a direita de uma encruzilhada (à Ponte de Cambas); vamos entrar na Serra
da Arrábida. Nos primeiros lanços fica-nos ela em frente, azul e majestosa;
pouco a pouco começam o alecrim, o rosmaninho, a esteva, a anunciá-la na sua
voz de perfume. E ao longo da cobra de alcatrão não se cansa o mato de encantar
os que passam: agora é o medronheiro, mais adiante a aroeira e o zimbro.
Casalinhos de pequenos lavradores, os Casais da Serra, entremeiam de branco o
verde do mato e o vermelho do barro.
De repente, menina curiosa a espreitar da sua
varanda, a Capela de Nossa Senhora de El Carmen; diz-nos adeus de longe e fica.
E já nos esquecemos dela, porque a Serra do Risco, à direita, sobe para o Céu
na sua escalada titânica. É ali o ponto mais alto da costa de Portugal, por
isso lhe chamam «cabo de ares» os pescadores que de baixo, dos seus barcos
minúsculos ante aquela grandeza, a medem com o terror ou a admiração da sua
pequenez de homens.
A Serra tem o ar de uma onda que avança
impetuosa e subitamente estaca e se esculpe no ar; é uma onda de pedra e mato,
é o fóssil de uma onda. Ri-se do mar de agora, gaivota mansinha, profundamente
azul, que faz avultar, com a planície que lhe fica à esquerda, o seu dorso
gigantesco.
E seguimos; e à maravilha segue a maravilha:
agora começa-se a descer a Estrada do Professor Gentil, três quilómetros que
nos levam ao Portinho. Aconselha o bom gosto a fazer uma paragem de minutos.
Estamos no Alto da Mata, assim chamado porque ali termina a Mata do Solitário,
floresta cerrada onde se misturam de há séculos o carvalho com o medronheiro, o
folhado com o zimbro. Toda a mata de que, donde estamos, vemos apenas a cúpula
verde, é uma catedral de sombra. Lá terá vivido o asceta que lhe deu o nome e ao
poçozinho que a refresca; e o Casal da Boavida, hoje meia dúzia de pedras
perdidas numa clareira, lá está para indicar onde dormia o solitário.
Que pena não poder durar mais tempo esta nossa
paragem! É que aqui é o ponto mais belo que até agora encontrámos: em nossa
frente ergue-se, piramidal, o Monte do Guincho, onde a Mata do Solitário nasceu
e vingou; de cada lado o mar, que vemos moldado por dois vales; tudo simétrico,
tudo regular, espantosamente regular nesta Serra caprichosa e romântica. Os
pássaros cantam a liberdade dos bosques. E nós baixamos até ao Portinho, onde
havemos de almoçar. Uma baía que abraça amorosissimamente um mar estático...
Uma fortaleza mandada construir por D. Pedro II para defesa da costa (piratas
que gostariam de passar aqui o seu fim-de-semana) e que é hoje a Estalagem de
Santa Maria... Mato a nascer ao rés das ondas dir-se-ia que tem a raiz na água
salgada... Uma luz que fere a vista, mas de que a vista se enamora, a vestir as
coisas todas de um brilho que não é deste mundo... Gaivotas que não são sinal
de temporal - são antes as pombas de uma paz única e primitiva... Todo o
Portinho (que poeta lhe pôs este nome?) a ser um cais sobre a Poesia, uma
janela que dá para a Beleza... Sabe-nos bem estarmos vivos.
Mas não deixemos de ver a Lapa de Santa
Margarida - uma gruta enorme que o mar enche com a sua voz sagrada.
Humildemente escondida na sombra, uma capelinha tosca onde por vezes se reza
missa (e o mar acolita e a missa ganha um sentido mais grandioso, mais preciso
que noutro lugar qualquer; a gruta transcende-se e tem ogivas e tem vitrais e
tem rosáceas a cada canto; Deus veio).
Depois Alportuche, uma pequenina praia a que nos
conduz uma alameda de eucaliptos. E se tomarmos um bote poderemos ainda visitar
a Praia dos Coelhos e a de Galapos. De passagem, vemos de perto a Pedra da
Anicha, ilhota curiosa que em tempos deve ter ligado com a terra; camaleão da
paisagem, se não muda de cor muda de forma e durante o nosso passeio já tivemos
ocasião de lhe ver aspectos vários; outros vos esperam ainda - para cada lugar
de que a vemos guarda a Pedra da Anicha uma cara diferente.
Chegou a hora da partida. De novo cortamos a Mata
do Solitário - a estrada verte sangue. No Alto da Mata tomamos o ramal da
direita e vai começar o novo filme; agora as cores são mais vivas, a luz mais
álacre. Tornamos a ver a Mata, Alportuche, o Portinho, o Mar... Passamos a dois
passos da Mata Coberta, que foi, antes de o ciclone a ter amputado, a mais
numerosa da Serra; o Sol ficava-lhe à porta, contentava-se com doirar o cume do
Monte Abraão, que a protege dos ventos do mar. Um minuto mais e aparece oConvento.
Ali se concentra a religiosidade esparsa pela Serra; parece que é ali a fonte
mística, quando o contrário é o que afinal acontece; ali desemboca, vindo de
todos os cantos, trazido por todos os ventos, o espírito que dá à Serra da
Arrábida elevação e sentido. Ali é que se apercebe com nitidez a Arrábida mais
verdadeira, que não é a Arrábida dos banhos, nem a Arrábida das caldeiradas,
nem a Arrábida das romarias encantadoramente pagãs, nem sequer a Arrábida do
turismo; é o que aquelas paredes contam. Eis Frei Martinho, que em 1542 fundou
o Convento, posto à entrada a impor silêncio, recolhimento e fé; e a
capelinha-mor, onde um Cristo em madeira, uma Nossa Senhora da Romã e dois
óleos de autores desconhecidos nos não chamaram em vão (e que bonitos e
sinceros os barcos de pesca que os pescadores, devotos de Nossa Senhora da
Arrábida, lá foram pôr); e o jardinzinho de S. Pedro de Alcântara, onde o buxo
reza há trezentos anos uma oração que já deve ter chegado lá acima; e a Fonte
da Samaritana, a escorrer frescura pela bica (santa, três vezes santa, das
sedes que matou ... ); e a capelinha-brinquedo da Senhora da Piedade, que a
paciência dos frades ornamentou de conchas e de cacos; e a maior graça do
Convento que é a desordem harmoniosa das suas celas, a simplicidade das suas
ruazinhas estreitas. Por tudo isto perpassa a memória dos fradinhos que
descobriram a Arrábida lugar de oração, ante-câmara do Céu. Frei Agostinho da
Cruz, que morava numa celazinha perdida no mato, junto do Convento Velho (duas
ermidas, a da Memória e a de Santa Catarina, e mais uma série de sete que
representam os Sete Passos, sendo o da Crucificação- Senhor dos Aflitos - única
que escapou ao tempo, uma escultura de primeira ordem) encontrou a expressão
poética desta descoberta. «Nesta Serra do Céu, vossa vizinha» - dizia ele a Nossa
Senhora.
Mas Frei Agostinho não é só no Convento que nos
vem à lembrança. Estamos agora na estrada que corta a Serra longitudinalmente,
pelos píncaros, e de novo ele fala:
Alta Serra deserta, de onde vejo
As águas do Oceano de uma banda,
Da outra, já salgadas, as do Tejo.
Até onde o Poeta foi a pé, quando rasgava o
hábito na aspereza dos carrasqueiros, na ânsia de subir tão alto que visse o
Céu de mais perto, pode hoje toda a gente ir de automóvel ou de camioneta. Os
homens magoaram as pedras amadas de Agostinho e passaram. 0 mato por aqui é
rasteiro - acabou a Arrábida luxuriante para começar a Arrábida desolada e
severa. Mas que encantamento de paisagem! - Para trás as matas, iluminadas de
um Sol que as enriquece a esta hora da tarde; em baixo a fortaleza, meigamente
poisada na orla verde do mar; cabrinhas agitam, os seus guizos e olham
espantadas (ou indignadas?) os que perturbam a grande paz da Montanha. É um
presépio autêntico, em que o Menino Jesus gostaria de ter nascido. Mirantes nos
convidam a parar - varandins de onde Frei Agostinho veria, de uma banda, as
águas do Oceano (e também as do Sado), da outra as do Tejo. E veria Setúbal
garridamente disposta à beira-cais; e veria Lisboa, veria, no flanco norte da
Serra (Os Picheleiros). as vinhas onde dorme o famoso Moscatel de Setúbal.
Depois a paisagem muda. Avistamos o Sanatório do
Outão, estabelecido numa antiga fortaleza, e a fábrica de cimento Secil, e
caminhamos para Setúbal por uma estrada rente ao rio; a palmeira, o eucalipto e
o pinheiro são as árvores que dão cor e sombra ao longo destes sete
quilómetros. Ranchos de rapazes e raparigas, de famílias inteiras que saíram a
gozar o seu domingo, saúdam os turistas.
A Comenda e o seu palacete, a Praia de Albarquel
com a sua fortaleza são ultrapassados. E Setúbal surge finalmente, com fábricas
de conservas logo à entrada.
0 segundo castelo do triângulo está à vista: é o
Castelo de S. Filipe, único castelo barroco de Portugal, mandado construir em
1590 por Filipe II. 0 panorama. que dali se abrange é magnífico. Apetece ficar
lá, mas não pode ser: precisamos de uns minutos para admirar a jóia manuelina
da Igreja de Jesus, que Boitaca, o mestre dos Jerónimos, concebeu e construiu
em 1594. 0 manuelino deixou em Setúbal ainda outro documento: é o portal norte
da Igreja de S. Julião, dos melhores do País. Desse portal olhemos para a
estátua do Poeta Bocage, em mármore branco. Ainda na praça em que estamos e a
que dá nome o grande Poeta setubalense, merecem ser vistos o esplêndido
edifício da Câmara Municipal e os pequenos museus, nele instalados, D. Olga
Moraes Sarmento e Dos Primitivos da Igreja de Jesus.
Para que façamos uma ideia do movimento
piscatório da cidade, demos então, seguindo pela Avenida Todi, um salto à doca
das Fontainhas. Em cima, em anfiteatro, fica-nos o velho e curioso bairro do
mesmo nome; voltemos por aí, para não perdermos o panorama lindíssimo que se
avista do miradouro de S. Sebastião.
Uma caixa de doce de laranja, para tornar a
viagem mais agradável ainda, comprada em qualquer pastelaria, e teremos saído
de Setúbal, Rainha do Sado, sabendo dela que é bonita e doce do princípio ao
fim.
E depois de um ameno passeio entre laranjais e
de uma subidazinha que há-de ter cansado muito homem de armas de outrora,
aparece, a fechar o triângulo, o Castelo de Palmela. Quem primeiro lhe mediu a
força foi, em 1147, D. Afonso Henriques. «Da construção primitiva», escreve
Pina de Morais, «pouco resta: serão romanas as torres circulares, árabes as
quadradas, do Mestre de Avis a Torre de Menagem, de D. Pedro II as
fortificações mais modernas para uso do canhão.» Mas o que não terá mudado
muito é a paisagem deslumbrante e sem fim, prémio valiosíssimo para quem não
hesitou em subir à Torre de Menagem. E mais uma vez (a outra foi na Arrábida)
se mostra à evidência que onde a paisagem portuguesa for pitoresca ou for
grandiosa os primeiros turistas a chegar são os frades: aqui gozaram, de 1194 a
1218, o mesmo espectáculo que nós estamos gozando, os freires de Sant'lago, que
em 1482, lançada a primeira pedra do seu templo, hoje em ruínas, tornaram à
casa, como bons filhos, e nela se estabeleceram definitivamente.
A vila fica em baixo, aninhada entre vinhas e
confiante na protecção do seu castelo. Dos montes à volta chega-nos a música
estranha dos moinhos - quem sabe, D. Quixote!, se não serão barbudas sentinelas
que D. Afonso ali deixou de guarda ao castelo...
Palmela é terra
de bons frutos e bons vinhos. Baco não se importaria de vir connosco e muito
menos se lhe segredássemos que a dois passos, deixadas para trás Quinta do Anjo
e Cabanas, começa a região de Azeitão, onde o vinho, como diz o Povo que só diz
verdades, não é vinho é vinhão. É em Azeitão a nascente, que dá de beber a
todos os mercados do mundo, do excelente Moscatel de Setúbal. E como um bom
vinho pede um bom petisco, inventou a gente da terra um queijo de ovelha divino
e uns bolinhos de manteiga que obrigam o turista a parar, a provar, a gostar.
Mas Azeitão, que ficou no sopé da Serra da
Arrábida como quem não teve coragem de a subir, não se recomenda apenas ao
nosso paladar. Azeitão é terra de palácios, é «a fidalga Azeitão», como oliveira Martins lhe chamava.
Atravessada a Aldeia das Vendas, estamos dentro em pouco no Palácio da Bacalhoa,
monumento nacional, «um misto de arte florentina e de reminiscências mouriscas
nas cúpulas de gomos e que, como museu de azulejos, só tem um rival em Sintra»
(Joaquim Rasteiro).
Construído no último quartel do século XV,
sofreu no século seguinte, sendo seu proprietário Afonso de Albuquerque filho,
grandes modificações. Já pertenceu a EI-Rei D. Carlos e é hoje de uma senhora
americana, Mrs. Scoville. Um dos seus quadros de azulejos representa Susana no
banho e está datado de 1565.
Afonso de Albuquerque e outros fidalgos da
região mandaram, em 1570, edificar a Igreja de S. Simão, em Vila Fresca, que é
o ponto seguinte da nossa escala. E já perdemos de vista esta vilazinha e
entramos na alameda que dá acesso ao Palácio da Quinta das Torres, um retiro
romântico onde apetece esquecer o tempo, deixar-se embalar na poesia puríssima
que se desprende de aquele palácio enfeitado a heras, do lago lamartiniano, dos
cedros que lembram Narciso. O palácio é notável pela sua traça arquitectónica
(do século XVI) e pelos painéis de azulejos, do mesmo século, que figuram, um,
o incêndio de Tróia, outro, a morte de Dido, e outro ainda, num rodapé,
pormenores de caçadas, ora realistas, ora de inspiração mitológica.
Abriu-se a porta do palácio e nós entrámos.
Doçura de estar em casa (home, sweet home... ), prazer de tomar uma chávena de
chá junto dos nossos... Alegria de uma coisa imaginada que acontece
precisamente como a imaginámos... Nem sequer foi uma surpresa tudo isto que
fomos encontrar depois de a porta aberta: o ambiente cá de fora anunciara
aquela Casa de Chá, o nosso espírito exigia-a e achava tão natural que ela
aparecesse como a inteligência e o bom gosto das pessoas que a criaram acharam
natural que nós a esperássemos. Era preciso que o fio da Poesia se não
quebrasse - que o encantamento não ficasse à entrada da porta.
«Quem inventou a partida decerto que nunca
amou...» Partimos da Quinta das Torres a cantar este verso. Vila Nogueira
aparece, tem pena (e é sincera porque é hospitaleira) de que não haja tempo
para dar uma volta pelas suas ruas, de ver de perto o Palácio dos Duques de
Aveiro, que albergou tantos reis, o do Salinas, que pertenceu a D. Constança,
mulher de D. Pedro I, e a Igreja de S. Lourenço, de 1344.
É que a tarde começa a descer. Dois quilómetros
mais, acabada nos Brejos a região de que vimos uma pequenina parte, e o Sol
morre por detrás dos pinhais. Depois do orgulho da sua agonia teatral, as
sombras não se demoram e tomam conta de tudo: a cor definha, a forma esbate-se.
Coina, e o seu riozinho que ao lusco-fusco é um segredo, Paio Pires, Torre da
Marinha., Corroios, já respiram noite... Cacilhas dá um ponto final na viagem e
aponta para Lisboa, que parece ter sido invadida pelos pirilampos: tremeluz na
noite azul, chama por nós como quem nos quer bem. Não tem ciúmes das terras
bonitas que fomos ver, porque as «boas-noites» que lhe damos não são menos
alegres nem menos do coração do que os «bons-dias» desta manhã. Para Lisboa há
sempre um lugarzinho no coração e um galanteio à flor dos lábios.
In O Segredo
é Amar, pp. 103-113
Arrábida, de 28 a 31 de Maio - 1949.
(Senhor Engenheiro Miguel Neves.
Socorro! Socorro! Socorro! O José Júlio da
Costa começou (e vai já adiantada) a destruição da metade da Mata do Solitário
que lhe pertence. Peço-lhe que trate imediatamente. Se for necessário
restaure-se a pena de morte. SOCORRO!" (Sebastião da Gama, 1947)
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