ROMANCE DA RAPOSA
Da Infância, à Adolescência e por fim a fase Adulta
A Raposa Salta-Pocinhas teve uma infância muito mimada. Sempre teve o que lhe era necessário sem nada fazer para que os pais, já velhos, descansassem. Certo dia, a Mãe entendeu que ela já estava na idade de trabalhar e não ficar à espera de ter tudo de mão beijada e teve uma conversa séria com a filha, em que lhe disse:
“Salta-Pocinhas já tens
idade de procurar um ofício. Comer e dormir, dormir e comer também eu queria.
Olé! Se ainda o não sabes, fica sabendo: Quem não trabuca não manduca”. Estás
na idade de te conduzir por tua cabeça.
A Raposa chorou, mas não conseguiu mudar as ideias da mãe. Esta só lhe disse:
“Santa paciência”! Abriu a porta e ela saiu.
Andou
3 dias e 3 noites sem conseguir arranjar de comer e um buraco para dormir;
safava-se com uns míseros gafanhotos, que ia encontrando.
Sentia-se
cansada e pensou em voltar para casa, mas as últimas palavras, que a mãe lhe dirigira,
atormentavam-lhe a cabeça e o espírito.
A Raposa Salta-Pocinhas sabia que estava por conta própria até ser independente e poder ter uma vida sossegada e honesta, de forma a ser respeitada. Chegara à adolescência: emancipou-se,
estava livre de seguir o seu caminho.Começou a construir essa vida que tanto desejava à custa de dias bons e dias maus; infelizmente, estes eram em maior número. Passou por muitos perigos, teve a vida sempre em jogo. O que lhe valeu foi o que aprendeu à sua própria custa, lidando com cada caso que lhe aparecesse pela frente. Os atributos que ganhou serviam-lhe como escudo para dominar e ultrapassar qualquer situação inesperada.
Quando chegou à idade adulta, casou e teve 3 filhos. Enviuvou e os filhos fizeram-se à vida na altura própria.
Certo dia, os Bichos andavam aos gritos na rua a pedirem uma reunião urgente com os responsáveis da Comunidade. Tinha começado a aparecer-lhes, todas as noites, um Monstro mal vestido que vinha sempre na hora deles voltarem para casa depois da pilhagem: tinham de fugir, a caça era levada por aquele “Monstro”.
A Comadre Raposa, quando viu aquele ajuntamento, esperta como era, também quis estar presente na reunião. Esta estava muito agitada: ninguém se calava. Salta-Pocinhas, depois de todos falarem, pediu a palavra: estava imaginado o primeiro plano: o Ardil (ou estratagema)
- Eu
poderei tentar fazer o possível para destruir o Monstro, que vos rouba, dia a
dia, o vosso sustento.
Para isso acontecer, pois vou pôr a minha vida em perigo, tereis de fazer o seguinte: “Se me assegurais em paz e fartura os últimos dias da vida... que já não pode ser longa, eu vos prometo reduzir o papão comilão a pó, terra, cinza e nada.”
- Bem simples: quem pilhar
duas frangas, traz-me uma; quem pilhar uma só, traz-me o peito. Quem caçar dois
coelhos, dá-me um, quem caçar um só, dá-me o lombo. Quem der com um ninho de
perdiz, dá-me metade dos ovos.
Quem não pegar nada,
pagará multa. A primeira caçada em ave dos bosques, ave doméstica, ou ruminante
será para mim. Se aceitais, amanhã vos apresentarei morto e bem morto o papão.
Se aceitais, bem ; se não aceitais, o Monstro continuará à rédea solta...”
Ficou combinado que se ela conseguisse fazer o
que prometera, todos teriam de estar alerta ao sinal que ela daria, para que
fossem junto à ribeira verem, a boiar, um corpo já moribundo.
Pela noite dentro, saiu de casa com uma trouxa, correu até ao palheiro mais próximo. Pegou numa porção de palha, fez um boneco grande, vestiu-lhe as roupas velhas, com que costumava esmolar e lhe iriam valer uma boa velhice. Deitou-o à ribeira, voltado de costas para cima, empurrou-o pela água abaixo, lançando no ar um agudo regougar.
Todos
acorreram para ver, com os seus próprios olhos, o feito da Comadre Raposa que
foi levada em triunfo.
Ainda viveu o suficiente, para fazer uma boa acção.
Por fim concretizou o seu sonho. Abriu uma escola, dava aulas aos mais pequenos, a quem contava histórias e peripécias da sua própria vida. Eles adoravam-na. Era assim que os ensinava a viver para se defenderem no futuro. As histórias começavam sempre da mesma forma: “ Uma vez, tínhamos ido assaltar o poleiro do juíz de paz...”
Tinha a sua casa, onde se sentia confortável, nada lhe faltava..- o acordo feito estava a ser cumprido: tinha sempre a despensa cheia, não necessitava de nada, era uma rainha.
Conseguiu ter o reconhecimento da sua personalidade e do seu saber, quando se incorporou numa comunidade, que lhe reconheceu os méritos e à qual se dedicou, inteiramente, até ao final dos seus dias. Era chamada de “Comadre.”
Foi
aí que realizou os seus sonhos, colaborando em tudo e com todos, nos assuntos
mais difíceis de serem resolvidos, saindo sempre a ganhar.
Respirou
fundo: agora sim, era feliz.
OBRA: Romance da Raposa
AUTOR:
Aquilino Ribeiro
EDITORA:
Bertrand
APOIO
ao Trabalho: A própria Obra
Carmo
Bairrada
Azeitão
20-02-2022
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