IMAGEM
Ó corpo feito à imagem
de meu desejo e meu amor,
que vais comigo de viagem
p’ra onde eu for,
que mar é este em que andamos,
há três noites bem contadas
e não tem ventos nem escolhos
nem ondas alevantadas?
que sol é este, que aquece,
mas sereno, tão sereno,
que nem te põe menos branca
nem a mim põe mais moreno?
que paz é esta, nas horas
mais violentas e bravas?
(Sorrias: ias falar.
Sorrias e não falavas.)
que porto é este? esta ilha?
que terra é esta em que estamos?
(Era uma nuvem, de longe...
Deixou de o ser, mal chegámos.)
e este caminho, onde leva?
e onde acaba este jardim
que é tão em mim que é em ti?
que é tão em ti que é em mim?...
Ó alma feita à imagem
do sonho que me desmede
— que sede é esta que temos
que é mais água do que sede?
(in Sonho, 47)
SINAL
Quanto amor me tens,
com amor te pago
- Trago-te no dedo,
num anel que trago.
- Trago-te no dedo,
num anel que trago.
Num anel redondo,
todo de oiro fino,
que é o teu sinal,
que é o teu destino.
Este anel me basta
para bater-te à porta.
Truz! truz! truz! – na rua
como o frio corta!
Como a chuva cai,
como o vento mia!
Mas abriste logo,
que eu é que batia.
(Que outro anel tivera
som que te chamasse?)
Já teu vinho bebo,
para que o frio me passe;
já na tua cama
me aconchego e deito;
já te chamo esposa,
peito contra peito.
como tudo é simples,
como é tudo imenso!
É“ mistério enorme,
de um anel suspenso!
E eis, na tua mão,
num anel igual,
brilha o teu destino,
luz o meu sinal.
(in Sonho, 45)
NUNCA O AMOR FOI BREVE
Nunca o Amor foi breve,
quando deu fruto.
(Cantai, aves do ar,
em volta de seu berço!)
quando deu fruto.
(Cantai, aves do ar,
em volta de seu berço!)
Sagre-o a Dor, nenhum Amor é vão.
Exulta, voz das ondas!
- O seu Amor floriu, deu fruto,
como as árvores.
Exulta, voz das ondas!
- O seu Amor floriu, deu fruto,
como as árvores.
Cantai, aves do ar,
em volta do seu berço.
Cintilantes do Sol, saltai ao Sol,
peixes do Mar.
em volta do seu berço.
Cintilantes do Sol, saltai ao Sol,
peixes do Mar.
Nunca o Amor foi triste. Nem a Vida
foi menos bela.
Baila contente, lágrima!,
baila nos olhos dela.
foi menos bela.
Baila contente, lágrima!,
baila nos olhos dela.
(in Sonho, 37)
SOMOS DE BARRO
Somos de barro. Iguais aos mais.
Ó alegria de sabê-lo!
(Correi, felizes lágrimas,
por sobre o seu cabelo!)
(Correi, felizes lágrimas,
por sobre o seu cabelo!)
Depois de mais aquela confissão,
impuros nos achamos;
nos descobrimos
frutos do mesmo chão.
Pecado, Amor? Pecado fôra apenas
não fazer do pecado
a força que nos ligue e nos obrigue
a lutar lado a lado.
não fazer do pecado
a força que nos ligue e nos obrigue
a lutar lado a lado.
O meu orgulho assim é que nos quer.
Há de ser sempre nosso o pão, ser nossa a água.
Mas vencidas os ganham, vencedores,
nossa vergonha e nossa mágoa.
O nosso Amor, que história sem beleza,
se não fôra ascensão e queda e teimosia,
conquista... (E novamente queda e novamente
luta, ascensão... ) Ó meu amor, tão fria,
se nascêramos puros, nossa história!
Chora sobre o meu ombro. Confessamos.
E mais certos de nós, mais um do outro,
mais impuros, mais puros, nós ficamos.
(in Sonho, 35)
PARA QUE TU NÃO CHORES
O Principe gentil que vislumbraste
Nos teus sonhos rosados de Menina,
Voz que te mate a sede e nunca baste
(porque a sede que tinhas prolongaste
Para sempre beber a voz divina),
O principe gentil da tua sina
Sou eu, Amor, tu própria me chamaste.
Mas se eu não for tão belo como creste?
Se esfalecer teu sonho, porque eu ando
Longe de ser o puro a quem te deste?
_ vamos lá procurar o que não veio
(eu bem sei que ele veio) e, quando em quando,
Deixa que eu chore à sombra do teu seio.
(in Serra, 112)
Céu
Tenho uma sede imensa,
Mas não é de água…
Tenho uma sede imensa de beber
Os soluços do sol quando declina,
As carícias azuis do Luar de Agosto,
Os tons rosa da Tarde que se fina…
É que eu seria Poeta, se os bebesse…
Não mais seria o cego de olhos limpos;
Esse que viu a água e a não tocou,
Pelo estranho pudor da sua boca,
Que um dia blasfemou.
E, se eu pudesse beber
Esses longes de mim que vejo e quero,
Em espasmos havia de os mudar
E, num desejo nunca satisfeito,
Iria possuir-te, ó Mar!
Havia de cair, num beijo, sobre ti;
Despir as minhas vestes de serrano,
Tirar de mim aquilo que é humano,
E confundir-me em ti.
Gritem depois, embora, que eu morri;
Alegre o Mundo o alívio do meu peso;
- que um dia o Sol há-de surgir mais cedo
E o bom menino de olhos azuis,
De quem sou fraco arremedo,
Há-de nascer, ó Mar, da nossa noite de amor
E tu Menina que eu chamava,
Menina que eu chamava e encontrei
Mas abrasada no amor divino
- tu hás-de ver então que o C éu que idealizas
É o olhar azul desse menino.
(in Serra, 39)
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