MOTE
Descalça vai pera a fonte
Lianor pela verdura;
vai fermosa, e não segura.
VOLTAS
Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata,
sainho de chamalote;
traz a vasquinha de cote,
mais branca que a neve pura;
vai fermosa, e não segura.
Descobre a touca a garganta,
cabelos de ouro o trançado,
fita de cor de encarnado,
tão linda que o mundo espanta;
chove nela graça tanta
que dá graça à fermosura;
vai fermosa, e não segura.
Luís de Camões (1524? - 1580)
in http://www.inforarte.com/cantando1/docs/cam%F5esvaiprafonte00.html (ouvir a declamação do poema)
Vídeos: http://www.youtube.com/watch?v=BO-fahCx3vU (Amália Rodrigues canta o poema de Camões)
http://www.youtube.com/watch?v=EPCgzHwUl7k (interpretação de 3 redondilhas de Camões, entre as quais as de Leonor)
2. CANTIGA
Descalça vai para a fonte,
Leanor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
A talha leva pedrada,
Pucarinho de feição,
Saia de cor de limão,
Beatilha soqueixada;
Cantando de madrugada,
Pisa as flores na verdura:
Vai fermosa, e não segura.
Leva na mão a rodilha,
Feita da sua toalha;
Com üa sustenta a talha,
Ergue com outra a fraldilha;
Mostra os pés por maravilha,
Que a neve deixam escura:
Vai fermosa, e não segura.
As flores, por onde passa,
Se o pé lhe acerta de pôr,
Ficam de inveja sem cor,
E de vergonha com graça;
Qualquer pegada que faça
Faz florescer a verdura:
Vai formosa, e não segura.
Não na ver o Sol lhe val,
Por não ter novo inimigo;
Mas ela corre perigo,
Se na fonte se vê tal;
Descuidada deste mal,
Se vai ver na fonte pura:
Vai fermosa, e não segura.
Francisco Rodrigues Lobo (1579-1621)
in http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/lobo.htm (consultar outros poemas do autor, por exemplo)
3. Poema da Auto-estrada
Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.
Vai na brasa, de lambreta.
Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno,
blusinha de terileno desfraldada na cintura.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.
Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.
Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.
Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
António Gedeão, (1906 - 1997) in 'Máquina de Fogo' in http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=2008091401
http://purl.pt/12157/1/poesia/maquina-fogo/autoestrada1.html (poema autógrafo de A. Gedeão na Biblioteca Nacional)
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