«Eu vi um sapo»
Além
de todas as conotações atribuídas ao animal mencionado no conto de Miguel Torga,
«Bambo», acrescento mais uma: não nos poderíamos aproximar dele, porque se
urinasse para o nosso rosto, cegaríamos. Estas mensagens passadas às crianças
dão origem ao que a criança do conto fez ao animal «Bambo»!
Confundindo-se
a sua cor com a paisagem onde cresceu, tornou-se no sapo descrito, de ombros
largos, estatura grossa e pouco alto. Já nascera com dois berlindes luzidios no
olhar, pernas ágeis com que rapidamente levantava voo ou sobre elas se sentava,
como se fossem banco confortável de «dobradiças» bem oleadas.
Um
sorriso aberto numa garganta profunda. Quando gatinhava à beira do charco, já
sonhava com outros mundos, outras terras. Calma, pacientemente, com a capa aos
ombros que o protegia do vento e da chuva, avançava às vezes de estômago farto,
outras à míngua… assim chegou a «Vilarinho», à quinta que «tio Arruda»
arrendara, já a noite ia alta na aldeia onde tudo dormia, tudo sonhava e o luar
incidia no negrume das casas. Da água que corria na fonte, nem se ouvia o
murmúrio… O homem lembrava pormenorizadamente o que acontecera, o desânimo da
altura, a sua vida triste: não contraira matrimónio, não convivia, sempre a
trabalhar por conta de outros. Olhou! Um sapo entabulou conversa com ele. Como
desconhecia a vida do futuro amigo e mestre!... Saudava o outro solitário, que
lhe aparecera. «Bambo» olhava-o com reserva, para que tio Arruda percebesse que
não dava confiança a qualquer um.
Tempos
após, cruzaram-se novamente e já correu melhor. Não havia vestígios de
desconfiança, muito diferente. Já provava que o encontro era agradável e que o
seu amigo falava pelos cotovelos:
- Bons
olhos o vejam! Por onde andou? ...
Não
percebera que «Mestre Zen», durante cinco meses, ia para um retiro de silêncio.
Afinal
sabemos tão pouco uns dos outros, concluíram. Como por vezes os primeiros
sinais não são verdadeiros! Inacreditável, revestido de luar e serenidade,
compenetrado, olhando a estrada de Santiago no céu! «Um poeta», um peregrino. Setenta
anos tinha o homem e considerava-se um ceguinho, tal como os outros habitantes
da aldeia, que não fitavam o universo nem a doçura da vida, indiferentes ao
brilho do sol e sem inventariar estrelas.
A
vida para «Tio Arruda» começara a ter novo sentido, pressentia a beleza para lá
das horas silenciosas.
Quando
partilhou a sua experiência com os outros habitantes, riram-se de si. Como era
possível um sapo ensinar alguém! Na alma de tio Arruda, o milagre acontecera. A
seiva da vida palpitava em mistério e amor, envolta na serenidade aprendida.
Curioso, constatava que não só a fome importava, mas também a consciência da aprendizagem.
O seu olhar ganhara outra dimensão olhando as translúcidas gotas de orvalho,
contando cada pétala que se desprendia das flores, esperando que voasse sobre
si a mais colorida pena do rouxinol que cantava…
Agora era fundamental não cortar bicos e asas
nem a humanos, nem a animais. Um dia, tio Arruda adormeceu…Quem sabe se não a
pensar na antiga canção infantil:
«Eu
vi um sapo, um lindo sapo»
Um ditado zen: “O Mestre Zen
entrega-se ao que o momento traz."
Adalberta Marques
Abril 2018
Fernando Amaral
Os Bichos de Miguel Torga – BAMBO
Apesar da sua fragilidade física,
Bambo (o sapo) é o protagonista da história. No conto, Bambo protagoniza uma relação
de amizade com o tio Arruda, mostrando que o relacionamento entre realidades
diversas é possível e desejável. Depois, a ligação entre estes dois seres, demonstra
que:
Ø
Nunca se deve ignorar a natureza;
Ø
Devemos perseguir até a fim o aperfeiçoamento;
Ø
Nunca devemos ignorar o que aparentemente parece
insignificante;
Ø
Devemos aprender a ver a natureza na sua plenitude;
Ø
Devemos apostar, cada vez mais, na educação e na
formação dos mais jovens nomeadamente no que diz respeito à relação do homem
com natureza;
Mais uma vez,
neste conto, Miguel Torga coloca animais e pessoas a conversar em pé de
igualdade. Bambo (o sapo) comporta-se como um ser humano. Já o tio Arruda, ao
“escutar” a natureza, afasta-se do comportamento tradicional dos humanos. O tio
Arruda, ao conhecer Bambo, viu a sua vida mudar de modo significativo. Quanto
ao filho do caseiro novo, o seu comportamento evidencia a insensibilidade, a
ignorância e a incapacidade para se colocar no sítio correto perante a mãe
natureza.
Em resumo, podemos dizer:
Antigo
tio Arruda
(Ainda
não conhecia o Bambo)
|
·
Vivia sozinho
·
Não era feliz
·
Tinha um dia sem coisas novas
·
Não se diferenciava dos vizinhos
|
Novo
tio Arruda
(Após
conhecer o Bambo)
|
·
Mais
objectivo
·
Mais
próximo da natureza
·
Mais
feliz
·
Tornou-se
diferente dos vizinhos
|
Mensagens
do conto
|
·
Devemos
aceitar as diferenças
·
Ser
diferente não significa ser inimigo
·
As
pessoas devem respeitar a natureza
·
Deve
existir mais atenção na formação dos jovens
|
Abril 2018
Fernando Amaral
“Bambo”
Não
são só as crianças que gostam de histórias. Os adultos como eu,
também gostam de ler e ouvir contos, lendas, fábulas antigas, enfim…A
mim ensinaram-me a respeitar todos os
animais em geral. Assim,
mais fácil seria ser atacada por um deles, do que ser eu a tratá-los
mal fosse de que forma fosse. Muitos “Bambos” passaram pela
minha vida, quando vivi no campo. Se não tinha idade para com
eles
aprender, tal como aconteceu com o “Tio Arruda,” tinha a certeza que
lhes pertencia a vida livre e sã, no local que escolheram para viver. Perde-se
no tempo a ideia de aos sapos se atribuirem bruxedos e feitiçarias…
eles, que se alimentam dos insectos que destroem as hortas!
A
”Joana Angélica”, com as suas histórias ao serão enquanto fiava o linho, teve a
sua parte de culpa, pela morte do inocente “Bambo”. O
menino de maus instintos, pôs fim à vida do sapo, que habitava nos regos
do milho da horta.
Tinham-se tornado amigos: O “Bambo” e o “Tio
Arruda“, camponês idoso solitário, que encontrou naquele ser estranho e
complicado, um veículo para o entendimento da Natureza e
de si próprio. Ignorava, por exemplo, que durante alguns meses o sapo desaparecia
no princípio do Outono, regressando quando o calor já se fazia sentir com
intensidade: voltava, então, de novo a
contemplar o céu e as estrelas, com aqueles olhos salientes e observadores, tão
fora do comum. Não era muito dado a falatórios, mas a pouco e pouco, foi
aceitando aquela amizade que o “Tio Arruda” lhe oferecia, interessado apenas na
sua companhia, tão solitário como ele. A sua ignorância em
relação
aos seus hábitos era natural. Pois que sabem os homens dos
animais
com os quais convivem? A verdade é que aquela estranha amizade teve o condão de
mudar a atitude do camponês em relação
à
Natureza! Notaram-lhe a mudança os
habitantes da aldeia, que da Natureza apenas sabiam dos benefícios do sol, da
chuva e do nevoeiras para as colheitas. Nunca como agora, o velho caseiro
reparara como eram lindas as pequenas gotas de água deslizando das folhas, ou
se
emocionara
com o cantar do rouxinol! Mudara mesmo o
”Tio Arruda!”…
Valera
a pena conhecer e aprender com aquela amizade feita de silêncios e sabedoria!
Mas nada é infinito. Um Inverno rigoroso, um
“resfriado”
e o “Tio Arruda” partiu sem se despedir
do “Bambo“ que,
por essa altura, já tinha hibernado. Levou
consigo a sabedoria das coisas simples da vida e da estranha amizade dum sapo
filósofo e
conhecedor
da Natureza.
E foi em substituição do “ Tio Arruda”, que o novo
caseiro trouxe consigo o algoz do inocente “Bambo”, o sapo da Quinta das
Castanheiras.
Elita
Guerreiro 10/4/2018
Bambo
(Versos
sobre o conto Bambo de M. Torga)
Silencioso
e modesto
Passa
o tempo a meditar
Não
liga a nada ou ninguém
Que
passe e que, sem parar,
Não
aprecie a beleza
Do
pôr de sol no seu charco
Do
canavial à beira
Com
nenúfares a boiar
Mas
ali vem o Ti’ Arruda
Homem
de bem, o senhor
Único
ser vivo que o ama
Ele
lá sabe porquê
Bambo
nunca o saberá
Na
aldeia riem-se dele
por
ser amigo de um sapo
não
vêem o que ele vê
Nada
sabem das estrelas
Nada
entendem da poesia
Do
pó de lua no ar
Que
se estende sobre as coisas
Assim
que a noite escurece
E
que Bambo sai da toca
Saltitando
de contente
P’ra
vir ouvi-lo falar
Mas
ai! que o tempo passou
Passaram
meses e anos
Daquela
amizade estranha
Do
sapo sábio e do homem
Que
aprende do invisível
As
maravilhas escondidas
E
se convence, coitado
Que
do sapo é que isso vem
Não
cuida que é do silêncio
Da
solidão, do pensar
E
que o Bambo é só pretexto
Que
lhe permite aprender
Companhia
que ali está
Por
acaso, mudo e quedo
Mas
é ele, o bom senhor
Que
ali aprende a viver
E
depois morre o velhinho
Num
inverno bem nefasto
E
Bambo em hibernação
Nada
sabe desse azar
Na
seguinte primavera
Bambo
a aquecer ao sol
Vem
um puto pelas bermas
Vê
o sapo e oh! Que sorte
Enfia-lhe
um pau na espinha
E
o deixa ali a secar…
“OS
BICHOS” DE MIGUEL TORGA
#CONTO Nº. 5 «BAMBO» -O SAPO#
Não! Bambo não era
frágil, mostrava firmeza de carácter e
tinha uma filosofia de vida muito própria, o que fazia dele um sapo único.
“Simplesmente, Bambo não era um
anfíbioqualquer. Era modesto na escala animal, tinha a sua personalidade.
Precatado, discreto, negava-se a cair nos braços do primeiro que lhe desse a
salvação”. (pág. 60)
“Criou-se ao deus-dará, como tudo o
que é bom … era largo, grosso, atarracado. Trouxe do berço os olhos assim
saídos e redondos, E aquelas pernas de trás em dobradiça, e a boca de pasmo ---
veio de nascença aberta e vazia como um poço.” (pág. 60)
Passado pouco tempo
de estar em Vilarinho, começou a observar com mais atenção o modo de viver das
pessoas e, em especial, o do Velho Tio Arruda, como era conhecido que, ao ver o
Sapo, lhe dirigiu um cumprimento, ao qual não obteve resposta. Gostava de falar
e dizer sempre um dos seus ditotes. Apesar de tudo, o velho camponês “sentia-se
urbano”.
Mal sabia ele
que Bambo morava num buraco da quinta, que há anos arrendara. Daí ele
desaparecer de vez em quando (entre os meses de Outubro a Março), o seu período de hibernação, o que causava
grande borburinho na Aldeia, em especial ao velho camponês, que dava voltas e
mais voltas e não via o Bambo.
Que estranho!, desabafava:
“A gente entende pouco do semelhante. Cada um
de nós é um enigma, que a maior parte das vezes fica por decifrar”. (pág. 63)
Na opinião do Sapo, o Tio Arruda era um homem simples, bom,
mas não comhecia o Mundo, a vida, nem a Natureza que o rodeava.
Pensou em ajudá-lo a tornar-se uma pessoa mais atenta, mais
feliz, com sabedoria e amor à Natureza.
Uma noite, em que caia um luar “sereno”... (pág. 60)…, o Tio Arruda
andava por ali, no seu passeio e o Sapo Bambo saltou-lhe ao caminho: -Tchap!”(pág.60)
.
Tiveram uma
longa conversa, a primeira de muitas, mas Bambo pediu que só o procurasse
depois do pôr-do-sol.
Foi a partir
daquele momento, que começou a ser construida uma sólida amizade, que durou o tempo
suficiente para que o Tio Arruda aprendesse a ver o mundo e as pessoas de outra
maneira, como nunca tinha imaginado.
O velho camponês
pensava:
“Quem havia de acreditar que um sapo
fosse capaz de ensinar a alguém a ciência da vida? Impossível.” (pág.65)
O Tio Arruda andava todo satisfeito porque tinha
aprendido tanta coisa, que até as pessoas notavam essa mudança e se metiam com
ele.
Sem se esperar, passados uns dias, morria, … “e
ninguém lhe pôde valer … Nem mesmo a lembrança do mestre, que nesse Dezembro
nevoso hibernava filosoficamente num buraco. E com a sua morte …
Foi-se de Vilarinho o único homem que
sabia de ciência certa quem era Bambo o Sapo.”
Lá diz a
sabedoria popular:
- “O Saber não
ocupa lugar”….. – “Aprender até morrer”
Na manhã seguinte, o filho do novo caseiro acabava de
ouvir todas as tolices, que a Joana Angélica lhe gritara aos ouvidos sobre os
sapos, feitiçarias e outras tonterias. O miúdo, que por natureza já era mau,
foi à procura do Sapo Bambo e sem dó nem piedade trespassou-o dum lado ao outro
do corpo, deixando-o ali, até que o tempo se encarregou de o transformar em pó.
Azeitão 19-04-2018
Carmo Bairrada
Obra: BICHOS
Autor MiguelTorga
Editora- Coimbra
7ª. Edição revista em 1970
Bambo
Nascido e criado ao deus dará, num profundo isolamento e
solidão, longe dos olhares que tudo julgam à luz do seu parco conhecimento,
nasceu o Bambo. Animal simpático, mas tido como imagem de assombração, pré-
destinado a bruxarias e outras figuras
criadas por mitos, que o homem alimenta na sua fértil imaginação do
desconhecido. Sem pressa de viver e indiferente a tais atributos maléficos ou
amuletos de sorte e azar, vive indiferente mas feliz, com o seu corpo disforme
para quantos assim o vêem.
Neste conto, o narrador - à imagem de outros contos - dá ênfase
ao relacionamento entre seres humanos com outros seres, bem como à humanização
de sentimentos : umas vezes na afetividade e ternura, outras vezes no mais vil
dos atos com o desprezo da própria vida.
Deixa-nos como exemplo uma criança que, com toda a sua inocência,
executa atos de malvadez que levam à morte da personagem deste conto, “ Bambo”,
com um pau espetado nas costas: acto que simboliza a faceta mais cruel do ser
humano.
Fernando Sousa
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