segunda-feira, 21 de maio de 2018

Para uma análise do conto "Bambo", in Bichos, Miguel Torga

«Eu vi um sapo»

Além de todas as conotações atribuídas ao animal mencionado no conto de Miguel Torga, «Bambo», acrescento mais uma: não nos poderíamos aproximar dele, porque se urinasse para o nosso rosto, cegaríamos. Estas mensagens passadas às crianças dão origem ao que a criança do conto fez ao animal «Bambo»!

Confundindo-se a sua cor com a paisagem onde cresceu, tornou-se no sapo descrito, de ombros largos, estatura grossa e pouco alto. Já nascera com dois berlindes luzidios no olhar, pernas ágeis com que rapidamente levantava voo ou sobre elas se sentava, como se fossem banco confortável de «dobradiças» bem oleadas.
Um sorriso aberto numa garganta profunda. Quando gatinhava à beira do charco, já sonhava com outros mundos, outras terras. Calma, pacientemente, com a capa aos ombros que o protegia do vento e da chuva, avançava às vezes de estômago farto, outras à míngua… assim chegou a «Vilarinho», à quinta que «tio Arruda» arrendara, já a noite ia alta na aldeia onde tudo dormia, tudo sonhava e o luar incidia no negrume das casas. Da água que corria na fonte, nem se ouvia o murmúrio… O homem lembrava pormenorizadamente o que acontecera, o desânimo da altura, a sua vida triste: não contraira matrimónio, não convivia, sempre a trabalhar por conta de outros. Olhou! Um sapo entabulou conversa com ele. Como desconhecia a vida do futuro amigo e mestre!... Saudava o outro solitário, que lhe aparecera. «Bambo» olhava-o com reserva, para que tio Arruda percebesse que não dava confiança a qualquer um.
Tempos após, cruzaram-se novamente e já correu melhor. Não havia vestígios de desconfiança, muito diferente. Já provava que o encontro era agradável e que o seu amigo falava pelos cotovelos:
- Bons olhos o vejam! Por onde andou? ...
Não percebera que «Mestre Zen», durante cinco meses, ia para um retiro de silêncio.
Afinal sabemos tão pouco uns dos outros, concluíram. Como por vezes os primeiros sinais não são verdadeiros! Inacreditável, revestido de luar e serenidade, compenetrado, olhando a estrada de Santiago no céu! «Um poeta», um peregrino. Setenta anos tinha o homem e considerava-se um ceguinho, tal como os outros habitantes da aldeia, que não fitavam o universo nem a doçura da vida, indiferentes ao brilho do sol e sem inventariar estrelas.
A vida para «Tio Arruda» começara a ter novo sentido, pressentia a beleza para lá das horas silenciosas.
Quando partilhou a sua experiência com os outros habitantes, riram-se de si. Como era possível um sapo ensinar alguém! Na alma de tio Arruda, o milagre acontecera. A seiva da vida palpitava em mistério e amor, envolta na serenidade aprendida. Curioso, constatava que não só a fome importava, mas também a consciência da aprendizagem. O seu olhar ganhara outra dimensão olhando as translúcidas gotas de orvalho, contando cada pétala que se desprendia das flores, esperando que voasse sobre si a mais colorida pena do rouxinol que cantava…
 Agora era fundamental não cortar bicos e asas nem a humanos, nem a animais. Um dia, tio Arruda adormeceu…Quem sabe se não a pensar na antiga canção infantil:
«Eu vi um sapo, um lindo sapo»

Um ditado zen: “O Mestre Zen entrega-se ao que o momento traz."

Adalberta Marques


Os Bichos de Miguel Torga – BAMBO

Apesar da sua fragilidade física, Bambo (o sapo) é o protagonista da história. No conto, Bambo protagoniza uma relação de amizade com o tio Arruda, mostrando que o relacionamento entre realidades diversas é possível e desejável. Depois, a ligação entre estes dois seres, demonstra que:
Ø  Nunca se deve ignorar a natureza;
Ø  Devemos perseguir até a fim o aperfeiçoamento;
Ø  Nunca devemos ignorar o que aparentemente parece insignificante;
Ø  Devemos aprender a ver a natureza na sua plenitude;
Ø  Devemos apostar, cada vez mais, na educação e na formação dos mais jovens nomeadamente no que diz respeito à relação do homem com natureza;

Mais uma vez, neste conto, Miguel Torga coloca animais e pessoas a conversar em pé de igualdade. Bambo (o sapo) comporta-se como um ser humano. Já o tio Arruda, ao “escutar” a natureza, afasta-se do comportamento tradicional dos humanos. O tio Arruda, ao conhecer Bambo, viu a sua vida mudar de modo significativo. Quanto ao filho do caseiro novo, o seu comportamento evidencia a insensibilidade, a ignorância e a incapacidade para se colocar no sítio correto perante a mãe natureza. 

Em resumo, podemos dizer:

Antigo tio Arruda
(Ainda não conhecia o Bambo)
·        Vivia sozinho
·        Não era feliz
·        Tinha um dia sem coisas novas
·        Não se diferenciava dos vizinhos
Novo tio Arruda
(Após conhecer o Bambo)
·        Mais objectivo
·        Mais próximo da natureza
·        Mais feliz
·        Tornou-se diferente dos vizinhos
Mensagens do conto
·        Devemos aceitar as diferenças
·        Ser diferente não significa ser inimigo
·        As pessoas devem respeitar a natureza
·        Deve existir mais atenção na formação dos jovens

Abril 2018
Fernando Amaral

“Bambo”

Não são só as crianças que gostam de histórias. Os adultos como eu, também gostam de ler e ouvir contos, lendas, fábulas antigas, enfim…A mim ensinaram-me a respeitar todos  os animais em geral. Assim, mais fácil seria ser atacada por um deles, do que ser eu a tratá-los mal fosse de que forma fosse. Muitos “Bambos” passaram pela minha vida, quando vivi no campo. Se não tinha idade para com
eles aprender, tal como aconteceu com o “Tio Arruda,” tinha a certeza que lhes pertencia a vida livre e sã, no local que escolheram para viver. Perde-se no tempo a ideia de aos sapos se atribuirem bruxedos e feitiçarias… eles, que se alimentam dos insectos que destroem as hortas!
A ”Joana Angélica”, com as suas histórias ao serão enquanto fiava o linho, teve a sua parte de culpa, pela morte do inocente “Bambo”. O menino de maus instintos, pôs fim à vida do sapo, que habitava nos regos do milho da horta. 
Tinham-se tornado amigos: O “Bambo” e o “Tio Arruda“, camponês idoso solitário, que encontrou naquele ser estranho e complicado, um veículo para o entendimento da Natureza e de si próprio. Ignorava, por exemplo, que durante alguns meses o sapo desaparecia no princípio do Outono, regressando quando o calor já se fazia sentir com intensidade: voltava, então,  de novo a contemplar o céu e as estrelas, com aqueles olhos salientes e observadores, tão fora do comum. Não era muito dado a falatórios, mas a pouco e pouco, foi aceitando aquela amizade que o “Tio Arruda” lhe oferecia, interessado apenas na sua companhia, tão solitário como ele. A sua ignorância em
relação aos seus hábitos era natural. Pois que sabem os homens dos
animais com os quais convivem? A verdade é que aquela estranha amizade teve o condão de mudar a atitude do camponês em relação
à Natureza!  Notaram-lhe a mudança os habitantes da aldeia, que da Natureza apenas sabiam dos benefícios do sol, da chuva e do nevoeiras para as colheitas. Nunca como agora, o velho caseiro reparara como eram lindas as pequenas gotas de água deslizando das folhas, ou se
emocionara com o cantar do rouxinol!  Mudara mesmo o ”Tio Arruda!”…
Valera a pena conhecer e aprender com aquela amizade feita de silêncios e sabedoria! Mas nada é infinito. Um Inverno rigoroso, um
“resfriado” e o “Tio Arruda” partiu  sem se despedir do “Bambo“ que,
 por essa altura, já tinha hibernado. Levou consigo a sabedoria das coisas simples da vida e da estranha amizade dum sapo filósofo e
conhecedor da Natureza.

 E foi em substituição do “ Tio Arruda”, que o novo caseiro trouxe consigo o algoz do inocente “Bambo”, o sapo da Quinta das Castanheiras.
 
Elita Guerreiro 10/4/2018



O Sábio 
Bambo 






(Versos sobre o conto Bambo de M. Torga)

Silencioso e modesto
Passa o tempo a meditar
Não liga a nada ou ninguém
Que passe e que, sem parar,
Não aprecie a beleza
Do pôr de sol no seu charco
Do canavial à beira
Com nenúfares a boiar

Mas ali vem o Ti’ Arruda
Homem de bem, o senhor
Único ser vivo que o ama
Ele lá sabe porquê
Bambo nunca o saberá
Na aldeia riem-se dele
por ser amigo de um sapo
não vêem o que ele vê

Nada sabem das estrelas
Nada entendem da poesia
Do pó de lua no ar
Que se estende sobre as coisas
Assim que a noite escurece
E que Bambo sai da toca
Saltitando de contente
P’ra vir ouvi-lo falar

Mas ai! que o tempo passou
Passaram meses e anos
Daquela amizade estranha
Do sapo sábio e do homem
Que aprende do invisível
As maravilhas escondidas
E se convence, coitado
Que do sapo é que isso vem

Não cuida que é do silêncio
Da solidão, do pensar
E que o Bambo é só pretexto
Que lhe permite aprender
Companhia que ali está
Por acaso, mudo e quedo
Mas é ele, o bom senhor
Que ali aprende a viver

E depois morre o velhinho
Num inverno bem nefasto
E Bambo em hibernação
Nada sabe desse azar
Na seguinte primavera
Bambo a aquecer ao sol
Vem um puto pelas bermas
Vê o sapo e oh! Que sorte
Enfia-lhe um pau na espinha
E o deixa ali a secar…

M.F. 12.3.18

 “OS BICHOS” DE MIGUEL TORGA
#CONTO Nº. 5 «BAMBO» -O SAPO#

Não! Bambo não era frágil, mostrava  firmeza de carácter e tinha uma filosofia de vida muito própria, o que fazia dele um sapo único.

“Simplesmente, Bambo não era um anfíbioqualquer. Era modesto na escala animal, tinha a sua personalidade. Precatado, discreto, negava-se a cair nos braços do primeiro que lhe desse a salvação”. (pág. 60)

“Criou-se ao deus-dará, como tudo o que é bom … era largo, grosso, atarracado. Trouxe do berço os olhos assim saídos e redondos, E aquelas pernas de trás em dobradiça, e a boca de pasmo --- veio de nascença aberta e vazia como um poço.” (pág. 60)

Passado pouco tempo de estar em Vilarinho, começou a observar com mais atenção o modo de viver das pessoas e, em especial, o do Velho Tio Arruda, como era conhecido que, ao ver o Sapo, lhe dirigiu um cumprimento, ao qual não obteve resposta. Gostava de falar e dizer sempre um dos seus ditotes. Apesar de tudo, o velho camponês “sentia-se urbano”.

Mal sabia ele que Bambo morava num buraco da quinta, que há anos arrendara. Daí ele desaparecer de vez em quando (entre os meses de Outubro a Março),  o seu período de hibernação, o que causava grande borburinho na Aldeia, em especial ao velho camponês, que dava voltas e mais voltas e não via o Bambo.

Que estranho!, desabafava:
 “A gente entende pouco do semelhante. Cada um de nós é um enigma, que a maior parte das vezes fica por decifrar”. (pág. 63)
            
Na opinião do Sapo, o Tio Arruda era um homem simples, bom, mas não comhecia o Mundo, a vida, nem a Natureza que o rodeava.
Pensou em ajudá-lo a tornar-se uma pessoa mais atenta, mais feliz, com sabedoria e amor à Natureza.

Uma noite, em que caia um luar “sereno”... (pág. 60)…, o Tio Arruda andava por ali, no seu passeio e o Sapo Bambo saltou-lhe ao caminho: -Tchap!”(pág.60) .

Tiveram uma longa conversa, a primeira de muitas, mas Bambo pediu que só o procurasse depois do pôr-do-sol.
                   
Foi a partir daquele momento, que começou a ser construida uma sólida amizade, que durou o tempo suficiente para que o Tio Arruda aprendesse a ver o mundo e as pessoas de outra maneira, como nunca tinha imaginado.

O velho camponês pensava:
“Quem havia de acreditar que um sapo fosse capaz de ensinar a alguém a ciência da vida? Impossível.” (pág.65)

O Tio Arruda andava todo satisfeito porque tinha aprendido tanta coisa, que até as pessoas notavam essa mudança e se metiam com ele.

Sem se esperar, passados uns dias, morria, … “e ninguém lhe pôde valer … Nem mesmo a lembrança do mestre, que nesse Dezembro nevoso hibernava filosoficamente num buraco. E com a sua morte …
Foi-se de Vilarinho o único homem que sabia de ciência certa quem era Bambo o Sapo.”

Lá diz a sabedoria popular:
- “O Saber não ocupa lugar”….. – “Aprender até morrer”


NOTA:
Na manhã seguinte, o filho do novo caseiro acabava de ouvir todas as tolices, que a Joana Angélica lhe gritara aos ouvidos sobre os sapos, feitiçarias e outras tonterias. O miúdo, que por natureza já era mau, foi à procura do Sapo Bambo e sem dó nem piedade trespassou-o dum lado ao outro do corpo, deixando-o ali, até que o tempo se encarregou de o transformar em pó.


Azeitão 19-04-2018                                    
Carmo Bairrada                                                            


Obra: BICHOS
Autor MiguelTorga
Editora- Coimbra

7ª. Edição revista em 1970


Bambo

Nascido e criado ao deus dará, num profundo isolamento e solidão, longe dos olhares que tudo julgam à luz do seu parco conhecimento, nasceu o Bambo. Animal simpático, mas tido como imagem de assombração, pré- destinado a bruxarias e outras  figuras  criadas por mitos, que o homem alimenta na sua fértil imaginação do desconhecido. Sem pressa de viver e indiferente a tais atributos maléficos ou amuletos de sorte e azar, vive indiferente mas feliz, com o seu corpo disforme para quantos assim o vêem.


Neste conto, o narrador - à imagem de outros contos - dá ênfase ao relacionamento entre seres humanos com outros seres, bem como à humanização de sentimentos : umas vezes na afetividade e ternura, outras vezes no mais vil dos atos com o desprezo da própria vida.


Deixa-nos como exemplo uma criança que, com toda a sua inocência, executa atos de malvadez que levam à morte da personagem deste conto, “ Bambo”, com um pau espetado nas costas: acto que simboliza a faceta mais cruel do ser humano.
Fernando Sousa



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