João Vaz era um mocetão forte, trabalhador e
honesto. Os Pais não o quiseram nos trabalhos do campo. Mandaram-no aprender o
ofício de caldeireiro de cobre. Tornou-se um óptimo profissional e os trabalhos que executava eram verdadeiras
obras de arte. Chegou o dia em que o
João teve de sair da aldeia que o viu nascer, para cumprir o serviço militar.
Despediu-se dos velhos Pais,
tristes, por verem partir o filho querido. E foi despedir-se dos amigos de sempre,
Carlos e Aurora. Quis o destino que Aurora
desse à luz nesse dia uma menina. João, estava destinado desde sempre a ser
padrinho do primeiro filho do casal. Foi com muita alegria que pegou naquele embrulhinho de gente.
- Vais-te
embora, João, mas serás sempre o padrinho da nossa filha- disse Carlos… comovido
com a ternura e delicadeza do amigo, um gigante mimando um recém-nascido.
- Que nome vamos dar à tua afilhada?
Sem hesitar, João respondeu:
- Cândida. E cria-a bem, porque um dia venho
pedi-la em casamento.
Todos sorriram, com o que julgaram ser mais uma
das muitas brincadeiras do amigo. Abraçaram o João, que partia para um dos
muitos quartéis espalhados por Lisboa. Entretanto, João incorporou um dos
primeiros contingentes que foram combater em França, numa guerra
incompreensível, como o são todas as guerras, aliás. João foi ferido com
gravidade, no decorrer de um ataque inimigo, no momento em que tentava salvar
um grupo que, sem a sua ajuda, ficaria soterrado na trincheira onde se
encontravam a combater arduamente. Perdeu-se na vida. Longo tempo nos hospitais
e depois foi ficando pela França. Trabalhando, tentando estabilizar a sua vida.
Na aldeia, dizia-se que João, ou teria morrido na guerra, ou teria por lá
constituído família. Cândida, que crescera ouvindo falar da brincadeira de João
ao partir, achava graça ao facto e sorria quando alguém falava no assunto.
Era uma jovem costureirinha alegre e feliz, muito
estimada por todos na aldeia. Há um antigo ditado que diz “Quando os
Alentejanos se juntam, ou é para trabalhar ou para cantar”. Sem qualquer outro
divertimento, os jovens depois de um dia de trabalho juntavam-se ao redor do
poço da estrada e, como sempre, cantavam, conversavam e namoriscavam. Cândida
festejava assim com os amigos e amigas os seus 20 anos e estava muito feliz.
Numa aldeia pequena, onde todos se conhecem,
qualquer presença estranha desperta curiosidade. Aquele homem, transportando ao
ombro um enorme saco, deixou a aldeia em bicos de pés. Quem é? Donde vem? Todos
queriam saber. Foi Carlos que rapidamente reconheceu o amigo e o envolveu num
forte e fraterno abraço. Soube pelos amigos do desaparecimento dos Pais que,
cansados de o esperar, deixaram o mundo levando consigo o amor e a saudade do
filho querido. João ficou calado tentando gerir a comoção. Quando por fim
conseguiu falar, João disparou:
- E Cândida?
Venho casar com ela, dás-ma?
- Tu falas sério, João? - perguntaram os amigos.
- Que te disse quando parti?
- Não respondemos pela nossa filha, que já é uma
mulher…
- Eu sei. Ela faz hoje 20 anos, eu faço 40.
Cândida entrou nesse momento, ouvindo tudo.
- Parabéns, João e sim, caso contigo quando quiseres.
Os Pais não sabiam que fazer ou dizer, perante tão
insólita situação. Casaram e foram um casal muito feliz. Deus abençoou a sua
união, dando-lhes dois filhos; Aurora e Carlos, que perpetuaram o nome dos
Avós.
Conheci este veterano de guerra e esta
costureirinha, já com muita idade, sentados na rua do monte. Ela, com os óculos
encavalitados no nariz, tricotando meias de 5 agulhas; ele, riscando o chão com
a ponta do seu velho e nodoso cajado. Sempre juntos, sempre cúmplices. Eu
sentava-me muitas vezes sobre o velho muro, contemplando este casal cuja
história sempre me encantou. Quem diria que viria a escrever sobre eles?!...
Dando a conhecer esta verdadeira história de amor, de que talvez poucos se
lembrem…
Elita
guerreiro 1/2/2011
Sem comentários:
Enviar um comentário