Zezinho
Numa aldeia mesmo ao pé do mar, havia um rapaz que
todos consideravam como o parvo lá da
terra. Tinha cerca de 30 anos, era
baixote e franzino e não se interessava por quase nada. Tinha andado na escola,
sabia ler, escrever e contar, mas isso era assunto que não gostava nem de ouvir
falar. Gostavam dele, porque era inofensivo, mas não o tinham em conta de ser capaz de organizar a vida.
Tanto os homens como as mulheres o protegiam, e era como um filho da terra a
quem sempre é preciso dar a mão. As crianças gostavam muito de brincar com ele:
às escondidas, à bola, à macaca, às cavalitas.
Lá na aldeia quase todos os homens eram pescadores.
Iam cedo para a faina. As mulheres trabalhavam em casa e nas pequenas hortas. O
Zezinho sentava-se no alto da falésia a olhar para o mar ou então deambulava
pela aldeia, saudando novos e velhos e falando muitas coisas a que ninguém
prestava atenção. Se fosse preciso fazer um mandado simples, lá ia o Zezinho como
moço de recados.
Boa mesmo era a hora da saída das aulas. Aí estava ele
à porta da escola para regressar à aldeia saltando e correndo com os miúdos.
Num dia de primavera, igual a tantos outros, em que o
Zezinho voltava à aldeia com os seus amigos em alegres correrias, ouviu-se um
grito, seguido de um eco. Tanto o Zezinho como algumas crianças olharam para
trás, mas como não viram nada, continuaram despreocupados o caminho de
regresso.
Quase a chegar ao adro, a Anita deu pela falta da sua
amiga Júlia e começou a perguntar a todos se a tinham visto. Uma das meninas
lembrou-se que ela tinha ficado para trás a apanhar umas papoilas, mas, olhando
para o caminho que tinham percorrido, não a viram em lado nenhum. Pediram então
ajuda ao Zezinho.
Ele de imediato pediu a um dos rapazinhos para ir à
taberna avisar que a Júlia tinha desaparecido e sem dar explicações desatou a
correr para o local onde tinham ouvido o
grito.
Foram todos atrás dele, mas ele não deixou. Mandou-os
para casa em tom firme:
-
Vão ter com as
vossas mães, hoje a brincadeira acabou. Só vem comigo o João, que é quem corre
mais depressa.
Quando chegaram ao local das papoilas começaram os
dois a chamar a Júlia. Punham as mãos em concha e gritavam a plenos pulmões,
mas não havia resposta.
Entretanto começaram a chegar os homens e também
algumas mulheres.
Observaram o terreno e não tardou que descobrissem os
vestígios da passagem de alguém naquele local. Seguindo as ervas pisadas
encontraram uma fenda na rocha e voltaram a chamar:
-
Júliaaa !
-
Mãe! estou aqui –
respondeu uma voz lá do fundo.
-
É preciso ir à
aldeia buscar uma corda - disse o sr. Joaquim
-
E uma lanterna -
acrescentou uma voz.
-
Eu vou - disse o
sr. Joaquim.
E sem pestanejar desatou a correr pela estrada fora.
Para aliviar a tensão começaram todos a falar para
dentro do buraco onde estava a menina:
-
Estás bem? - perguntavam
uns.
-
Estás ferida? - perguntavam
outros.
-
Tenho muito frio,
quero sair - respondeu a Júlia.
Foram minutos de angustia, enquanto esperavam pela
corda.
O sr. Joaquim lá chegou, ofegante, com um rolo de corda às costas e uma lanterna
no bolso.
-
Quem é que vai
descer? - perguntou.
-
Eu! - disse o
Zezinho.
-
Tu? ouve lá, isto
é trabalho para um homem!
-
Eu sou um homem -
afirmou o Zezinho - e vocês são todos muito gordos para caberem ali. Eu é que
vou.
Ataram-lhe a corda à cintura, meteram-lhe a lanterna
na mão e fizeram-lhe mil recomendações.
-
Tem cuidado anh,
vê lá se a atas bem e se a trazes com cuidado.
-
Eu cá sou um
homem - repetia ele.
Desceu. A Júlia não estava muito fundo mas estava a
chorar e tinha as pernas todas arranhadas.
-
Quero a minha mãe
- disse ela a choramingar.
-
Agarra-te a mim
como se eu fosse a tua mãe, olha vou dar-te um beijinho, queres?
-
Sim - respondeu
ela, abraçando-o.
-
Vamos subir, está
bem?
-
Sim, tenho muito
frio.
-
Puuxaa!
Ao fim de uns longos minutos estavam os dois sãos e salvos.
Nessa noite houve festa na aldeia. Todos vieram
cumprimentar o Zezinho, os pais da Júlia não sabiam o que fazer, riam e
choravam emocionados.
O Zezinho estava feliz, tinha ajudado uma amiga e era o centro das
atenções.
-
Viva o Zezinho! -
gritou uma voz.
-
Vivaaa! - gritaram
todos em coro.
-
Oh Zezinho,
gostávamos de te agradecer por teres salvo a nossa Júlia - disse o regedor - há
alguma coisa que tu gostasses?
O Zezinho olhou para cima, coçou o queixo e disse:
- Há sim senhor, quero ser bombeiro, andar naquele
carro encarnado e ajudar as pessoas.
Ana Machete, 2012
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