sábado, 16 de junho de 2018

Para uma análise do conto Mago, in Bichos, Miguel Torga

O gato da Dona Sância

Reflexões a propósito do Conto “Mago”
de M.Torga
                                                                                
O mundo dos felinos é isso mesmo: um mundo.
Um mundo à parte, especial, intrigante, todo de mistério e curiosidade.

Muito se tem escrito sobre o felino mais popular, o “doméstico” gato. Muito se diz, muito se explica e muito se erra, pois não há nada de tão pouco explicável como o comportamento dos gatos!

Assim, é de louvar o conto de Torga e do seu Mago, o gatucho da D. Maria da Glória Sância, velhota gorducha que quer o seu gato sempre em casa, no remanso do seu colo, festinhas e boa comida sempre servida a tempo e horas…

Com efeito, Torga explica-nos os “sentimentos” contraditórios que avassalam este gato, entre o seu instinto selvagem e vagabundo, e o contentamento – sem trabalho nenhum - das suas necessidades básicas: cama e mesa (já que de roupa lavada não se pode dizer para um gato!), o que o torna um sedentário, preguiçoso e molengão!

Mago ainda se lembra, vagamente, do tempo da juventude, dos namoros no telhado do armazém do Tinoco, ainda se lembra dos nomes das belas gatinhas que levou à certa – a Boneca, a Moira-Negra, a Perricha e tantas outras!

Foi precisamente depois da Perricha que um dia, vagueando pelos quintais, foi parar ao da Dona Sância: que o achou magro e escanzelado e o adoptou de imediato; e nunca mais o largou da mão; mimos, festinhas e comidinha da boa (se calhar escova no pelo e tratamento anti pulgas, mas isso…!). Que mais é preciso?
Adeus gato noctívago, correndo atrás do cio das fêmeas mal se anuncia, miando ao luar e lutando pela vida: aqui, em casa da Dona Maria da Glória, de sofá para almofada e do regaço para a cama, já nada disso lhe é necessário… mas tem saudades!

Por vezes ainda quer, pensa que quer… diz que quer; e então sai à rua e procura os antigos companheiros, provoca-os como se ainda tivesse forças para competir com eles, afirma que os filhotes da Faísca são dele… mas qual o quê! Todos sabem que ele sucumbiu aos prazeres do farniente tépido do lar!
Chamam-lhe “lorde”, “milionário” e outras coisas menos reluzentes…
E caem-lhe em cima, todos frescos, cheios de garra e unhas de fora (especialmente o Zimbro, esse valdevinos), e dão-lhe um enxerto de porrada; de tal modo que ele, gordo e mole, já sem fôlego e força vital para lutar, tem que se declarar vencido.
E foge; volta miserável e envergonhado, lambendo as feridas, para o conforto ”castrador, para a paz podre” do colo da Dona!

Miguel Torga, como sempre, oferece-nos uma narração formidável e mostra-nos que compreendeu tudo o que um ser humano pode compreender sobre o comportamento dos gatos…

Outros mistérios daquele mundo extraordinário que é o felino-gato perduram, mas nunca seremos capazes de os desvendar !


M.F. 24/5/2018



        “MAGO”

 Descarado e ingrato, 
 Vivia feliz e farto.
 Almofadas e conforto
 E desdenhava o maroto
 Daquela vida folgada
 À qual não faltava nada!
Mas isso não lhe chegou
E bem caro pagou!...

Quis ser um gato normal
Coitado, saiu-se mal!
Ferido e humilhado
Fugiu do telhado,
Arrastando-se, um bagaço!...
E foi procurar o regaço
Do qual tanto desdenhou,
Mas que sempre o mimou.

Será que o gato Mago
Deixou de vez de ser parvo?

Elita Guerreiro*29/5/2018


“BICHOS” DE MIGUEL TORGA
«MAGO»

Mago foi o nome atribuído por Torga a um gato vagabundo, forte e independente.

Acabou por ser recolhido e domesticado por D. Sância, que tratava dele com todo o carinho e muito luxo. Com esta forma de viver, criou-se um fosso entre o Mago e o seu antigo grupo de gatos vagabundos.

Passado algum tempo, o gato Mago tenta reintegrar-se novamente no grupo, mas não é aceite por aqueles que foram seus pares.

Após uma luta com o grupo, quase morre. Abandona o desesejo da reintegração no mesmo e corre para casa da sua dona, onde volta à vida de conforto e abastança, com todas as mordomias, que D. Sância tão bem lhe sabia proporcionar.

Azeitão, 19-05-2015

Carmo Bairrada

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