terça-feira, 23 de março de 2021

Inéditos, por Carmo Bairrada


 ERA UMA VEZ UMA  PRAIA ATLÂNTICA: alguns apontamentos

 O esplendor e o sofrimento que Sophia viveu e viu viver foram transportados para os cadernos que sempre a acompanhavam,  e onde escrevia todas as suas vivências.

Os que lêem Sophia sabem quanto o mar era importante para ela: uma forma de descoberta do “Outro” e, ao mesmo tempo, de “Si” mesma. Como se de um Espelho de Memória se tratasse.  (Este raciocínio era comparado aos Descobrimentos).

 

Quando  olhava para o mar, via:

“ Um duro Atlântico, turvamente verde, com as quatro fileiras de ondas da maré alta sacudindo e desenrolando as crinas de espuma. Ou às horas de maré vasa, o extático mar transparente, detido entre rochedos escuros onde as anémonas eram como pupilas deslumbradas e videntes.”

 

Havia em tudo um conforto rudimentar e fresco, um cheiro a sal e a ervas, as pessoas humildes e honestas que serviam os veraneantes abastados e a memória da injustiça que recaiu sobre uma das personagens mais importantes deste conto, fazendo com que esta viesse a perder a esperança de viver. Estamos a falar de Ana Bote, que dava vida àquele espaço, memória que se misturava com a restante paisagem e que a leva a sobressair neste conto.

O conto é escrito sobre as memórias que Sophia tinha dos verões que passava na praia e sobre a vida, contada, daquela mulher. Sobretudo desses tempos e das recordações que a Autora guardou na sua memória, com saudade, alegria e tristezas. Tal como Ana Bote, o espaço foi ao longo do caminho perdendo as cores e o sentido do chão que pisara vezes sem conta.

Os verões eram passados, enquanto Ana Bote foi desaparecendo. Só restará a praia, o mar… e os aromas, tão longe no tempo que existiram, não foram esquecidos, mas sempre lembrados.

Aquele foi um tempo distante em que o presente impiedoso acabou por dar lugar à injustiça.

Por fim, pode perguntar-se: afinal, qual é a história que Sophia nos conta? É a dos tempos idos do passado e da Memória que tem deles, misturados com um pouco de ficção.

Se não fosse assim, o passado perder-se-ia, como aconteceu com a horta dos cheiros de Ana Bote, que foi destruída porque ela, já sem forças para lutar pelo que era seu por direito, não conseguiu que o tribunal lhe desse razão.

E foi assim que naquele lugar surgiu um imóvel, que veio descaracterizar toda a linha de costa até aos confins do horizonte…

Obra escrita por Sophia de Mello Breyner Andresen para “Parque Expo 98 S.A”

Azeitão, 12-03-2021

Carmo Bairrada

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