quarta-feira, 20 de maio de 2020

DIVOC (textos de férias anti-covid)

TÁBEM  e  PODESERQUE   encontram-se de novo…

- Olá, PODESERQUE,  já passei por aqui várias vezes e não te tenho visto. Algum problema?
- Não, mas como sabes estamos confinados, e tu também, TÁBEM!
- Com  finados? Já morreu alguém por aqui?
- Confinados, isto é, em isolamento por causa do corona vírus.
- … do cabronavírus?  Eh, eh, eh …
- Podes dizer  COVID19, que para ti é mais fácil, TÁBEM.
- E o teu cão? Também não o tenho visto, mas parece que agora está na cave…
- Na cave? Eu nem sequer tenho cave…
- Não tens ? Então o que quer dizer essa placa aí no muro, PODESERQUE?
- CAVE CANEM?  Mas isto é latim ,TÁBEM, e quer dizer cavem, que vem aí o  cão!
- E da tua dor nas costas, PODESERQUE, como vais?
- Bem melhor, comecei agora a tomar uns comprimidos…
- Que comprimidos são,  PODESERQUE?
- São  PARECETÁMOLE,  dois por dia.
- Olha,  PODESERQUE, a julgar pelo nome, mal não devem fazer…

ZÉ BAIRRADA
MAIO/2020 

O encontro extraordinário
Foi  numa tarde depois do lanche, que era praxe em casa da avó.

A menina saiu de casa para passear no bosque. Levava um training azul e fitinhas da
mesma cor nas pontas das tranças do seu cabelo loiro veneziano e, ao andar, parecia dançar, graciosa e ligeira.

Todos os dias passeava por ali e conhecia os trilhos como ninguém: até a avó lhe perguntava por vezes qual o caminho que aconselhava para chegar depressa à aldeia do lado poente, ou ao burgo situado a sul.
Quando chovia, a menina ficava à janela a ver os pingos que se poisavam nos vidros e iam descendo vagarosamente e, misturando-se uns aos outros, iam formando grandes gotas que acabavam em rios resvalando pelo poial. Por vezes, abria uma fresta de janela para cheirar o perfume da terra.

Mas hoje era o primeiro dia de primavera: tinha chovido na véspera. Hoje o sol voltara resplendente e o ar estava como que renovado, fresco e cheiroso a musgo e terra húmida. A menina gostava de respirar aquele perfume especial do bosque e aproveitava sempre, depois da chuva, para ir passear.

Levava consigo, como sempre, um saquinho vazio, para o caso de encontrar algo que valesse a pena apanhar – e havia sempre qualquer coisa, mesmo minúscula, uma pedrinha original, umas folhas para secar no herbário ou até cogumelos, no tempo deles – e ia acompanhada pelo seu cachorrinho Piloto que nunca a largava: corria à frente, voltava-se para ver a distância e se tinha corrido muito voltava para trás, como quem diz “não te abandonei”; ou então parava a farejar um rasto de coelho ou rato e depois corria desalmado para a apanhar! Nos dois casos, ela ria-se e afagava-lhe a cabecinha e ele sorria para ela (sim, sim, sorria mesmo, os cachorrinhos são muito sorridentes, não sabiam?!).

O bosque era claro, não havia árvores sombrias e muito altas, só variedades que deixavam passar muita luz, por isso a menina nunca tinha tido medo de por ali passar; há bosques que são soturnos por causa da densidade do folhame e das espécies mais escuras como as resinosas que, aliás, também por ali havia, mas muito disseminadas e, afastadas umas das outras, nem chegavam a dar um ar ameaçador a quem quer que fosse, muito menos à menina …

Agachava-se para ver um insecto que corria esbaforido com medo de ser esborrachado ou um carreiro de formigas laboriosas que tinham acordado há pouco do letargo invernal e já andavam de trás para diante a recolher
mantimentos! Pareciam tontas, pensava a menina, observando aquele vai e vem que parecia sem nexo, mas a avó já lhe tinha explicado que tinha muito nexo, ao contrário, sendo a sociedade formigueira a mais bem organizada no universo… dizia a avó, mas a menina tinha dúvidas!

Foi assim, observando o que acontecia naquele submundo rastejante, que viu um objecto minúsculo que brilhava como ouro num raio de sol a alguns metros; seria uma moeda? Ou alguém teria deixado caír um objecto precioso? Cheia de curiosidade
correu para ele e, espantada, estacou ao vê-lo levantar voo e parar à altura dos seus olhos…
Aproximou-se muito devagar, mal mexendo uma pestana para não lhe meter medo e viu, para seu grande espanto, que era uma figurinha dourada de… menina!

Teria não mais de 3 centímetros e as asinhas minúsculas eram como as das libélulas, transparentes, tudo o resto era dourado como se tivesse caído num pote de pó de ouro. Mas tinha uns grandes olhinhos pretos e olhava para ela também muito espantada – talvez receosa.

Não estava vestida de menina, antes de uma espécie de jaqueta (dourada, claro, como todo o resto) que lhe lembrava o Peter Pan e a menina pensou logo na fada Campainha, mas não teve tempo para ir mais além no exame da criaturinha, porque esta começou a falar …
-“Estás a ver-me?” - perguntou.
A menina esbugalhava os olhos de espanto e, sem poder falar, fez sinal que sim.
- “Vais fazer-me mal?” 
A menina sacudiu vigorosamente a cabeça e recuperou a fala.
- “Claro que não… mas quem és tu ?”
A pequeníssima criatura pareceu relaxar-se um pouco e sorriu:
-“Sou a fada deste bosque, chamam-me Oriana”.
-“Mas as fadas só existem nos livros de contos…”- balbuciou a menina, cada vez mais baralhada.
-“Bem” - respondeu a fada - “existem nos contos, porque alguém já as viu e contou a sua história, mas a verdade é que também existem na realidade. O que acontece, é que não podem ser vistas”
-“Então porque é que te estou a ver ?”
-“Não sei bem… é a primeira vez que alguém me vê !”
-“E onde é que moras?”
-“Não moro, tomo conta do bosque e dos seus habitantes, ando sempre a voar de um lado para o outro: há muito que fazer”
-“Mas porque é que nunca te tinha visto? Eu passeio sempre por aqui …”
-“Eu sei”- disse a fada com um sorriso traquina - “Vejo-te muitas vezes, diria mesmo sempre… menos no inverno! No inverno ficas em casa, na casa da tua avó, no solar das figueiras.”
A menina riu também “Oh que extraordinário. E já andaste por lá?”
-“Claro que sim. Porque achas que andas no bosque sem nunca encontrar mal que te aconteça ?”
A menina ponderou a resposta uns segundos e exclamou :
-“Não me digas que olhas por mim quando ando a passear?!”
-“Claro ! Faz parte dos meus deveres de guardiã deste bosque: nada de mal deve acontecer e tudo tem que ser harmonioso: a natureza, os animais e as pessoas que por aqui passam.”
Riram-se as duas.
A menina tinha milhões de perguntas a fazer ao minúsculo ser, mas já estava a fazer-se tarde, tinha que voltar, senão a avó ficaria preocupada.
-“Oriana, achas que a partir de agora poderei ver-te sempre que vier ao bosque?”
-“Eu acho que sim… se me viste agora, quer dizer alguma coisa! Mas tenho que consultar a minha madrinha, para saber porquê…”
-“Oh, sim, faz isso e amanhã contas-me tudo”
-“Combinado. Vai depressa que a noite não tarda.”

E a fada voou umas dezenas de metros com a menina e depois, ao aproximar-se do solar, disse adeus com a mão e desapareceu, brilhante nos raios oblíquos do pôr- do- sol…

Mercedes Ferrari,  22 de Março 2020


 A AMIZADE
I
 Não havia paz. Não eram tempos de paz. A paz andava esquecida, ninguém se lembrava já do que era a paz…
A vida era só um foge-foge a fazer por ela, a tentar não ser apanhado por alguma bala perdida, algum calhau lançado com raiva, ou simplesmente procurar algum alimento para meter na boca, que andava esfomeada e seca, a fugir ao sol que torrava e à poeira que se entranhava na pele e cegava os olhos.
Havia aqueles que andavam vestidos de castanho: eram os inimigos. E havia os outros, os vestidos de preto, ou de cinzento, ou de farrapos já sem côr - mas nada de castanho que castanho era a côr do inimigo  -  estes eram os inimigos daqueles.
Tinha acontecido assim, de repente, sem aviso: tinha acabado a paz e, pouco a pouco, todos tinham partido. E outros tinham morrido debaixo do fogo das bombas, debaixo dos escombros das casas que ruíam, debaixo das balas dos inimigos.
As casas, abandonadas não havia muito, com as portas e janelas escancaradas, morriam aos poucos também, a cada bomba, a cada arremesso  e, agora, eram só testemunhas laceradas de um passado tranquilo que já não existia: mas ainda havia vestígios do que ali se tinha vivido: as camas desfeitas, as mesas postas e a loiça no tanque por lavar… Nalgumas até havia ainda restos de comida, mas sem electricidade tudo seria perdido em breve.
O vestido de preto sabia-o, e tinha fome. E tinha sede. Avançando rente às paredes de uma rua deserta, sempre a perscrutar as ruas e vielas de medo de ser avistado, entrou numa das portas abertas com a esperança de ali encontrar algum restauro. Uma sala com colunas e uma grande lareira - devia ter sido uma bela casa - pensou o de preto num relance para logo se aperceber de uma porta ao fundo que devia levar à cozinha.
Uma cozinha grande, que tinha sido moderna e onde se deviam preparar pratos luxuosos e suculentos, pensava ele… Uma porta escavacada dava para as traseiras da casa e via-se um pedaço de jardim por entre os cacos e pedras que tinham ruido dos andares de cima.
O frigorífico tinha sido deixado aberto, com pouca coisa lá dentro, umas garrafas de cerveja “já choca, com certeza, com este calor”, leite estragado, e sobre a mesa alguns restos de uma refeição interrompida abruptamente apanhavam pó. No entanto a fome não se apercebe dessas coisas: o de preto encostou a arma ao frigo e começou a limpar o pó do pão e a fazer o inventário do que ainda poderia aproveitar.
Frutas já quase podres, travessas meio cheias de coisas que tinham sido boas, mas … estariam boas? “Só provando saberás”, pensava o de preto! Decerto a família que ali morara não teria partido há muito, pois tudo parecia ainda em bom estado – não fosse o pó caído dos escombros… Limpou com o braço um banco e sentou-se a comer !

*
O de castanho deixara os companheiros para procurar alguma coisa a meter no estômago que lhe doía de tanta falta de alimento… Andava nas ruas abandonadas sem encontrar viv’alma : é verdade que era cedo, muitos ainda deviam estar a dormir… Só um gato passou, ao virar de uma esquina, que o fez sorrir “também andas à procura, hein ?” e fez-lhe uma festinha.
Continuou pela rua e logo ali viu uma porta aberta – bom, estavam todas abertas, mas aquela ainda tinha o umbral em pé e via-se que era uma boa casa, gente com meios, pensou. E entrou.
A grande sala deserta era realmente bela. Havia tapetes, agora meio cobertos de pedras e telhas partidas caídas do tecto, otomanas e poufs em volta e uma grande lareira de um lado.
O de castanho gostava de coisas bonitas e antes de procurar comida, encostou a arma à parede e foi dar a volta à sala a admirar os quadros na parede, todos de esguelha e alguns já no chão, caídos depois do impacte de alguma bomba.
Deu a volta a uma coluna e… deu de caras com o de preto que vinha a sair da cozinha com um pedaço de pão na mão!
**
Foram uns segundos de angústia: as imagens que passaram nos olhares esgazeados quase se podiam ver: “deixei a arma ali”, “este vai-me matar”, pensaram ambos.
Então, como num ballet cuidadosamente ensaiado, ambos abriram e levantaram os braços ao mesmo tempo. A tensão desceu um pouco: o inimigo não estava armado!
E olhos cravados nos olhos, bocas abertas à procura de uma respiração que quase falhou, o coração em sobressalto, ficaram assim sem mexer um só músculo a ponderar o que viria a seguir. E a seguir…
Entrou o gatinho que tinha seguido o de castanho, na esperança de arranjar comida ou, pelo menos outra festinha…

E ambos romperam ao mesmo tempo numa gargalhada enorme, que ressoou como um “aleluia” no silêncio mortal de uns segundos antes…!

O de castanho fez outra festinha ao gato, e o de preto perguntou-lhe se tinha fome, pois ainda havia uns restos de pão e fruta lá dentro: “claro que tenho, não ponho o dente em pedaço de pão há vários dias” e foram ambos para a cozinha.

Sentaram-se nos bancos a conversar: eram dois rapazitos, então a primeira pergunta era “que idade tens?”, depois seguiu “como te chamas?” e, enfim, “de onde vens ?” e começaram a contar. A contar-se.

O de preto nasceu ali mesmo, naquela aldeia, a poucas ruas de distância desta casa; o de castanho nasceu a poucas dezenas de quilómetros, numa pequena cidade a beira do mar: isto maravilhou o de preto que nunca viu o mar, apesar de não estar assim tão longe...

O de castanho contou o mar… O brilho ofuscante quando o sol lhe bate, o marulhar das ondas minúsculas na areia e o ruido infernal quando está bravo…
O de preto ouvia encantado e contava os prados a perder de vista, as sementeiras e as colheitas, os olivais e as vinhas, as festas da aldeia sob o caramanchão da praça principal…

“E os teus pais?” Ambos são órfãos pois a paz, que já tinha desaparecido há muito tempo,  os levara com ela.

Assim continuaram a discorrer e a acabar com as poucas provisões encontradas. Regaram o pão seco com cerveja morna e riram, como crianças que eram, de tudo um pouco, e muito da situação em que se encontravam.

Eram tão parecidos… Altos e esguios, a tez muito morena, um mais escuro que o outro, dois pares de grandes olhos pretos e risonhos, o de preto com o cabelo castanho aos caracóis e o de castanho com o cabelo mais escuro e liso apanhado em rabo de cavalo… podiam ser irmãos que não se pareceriam mais !

E o tempo parecia ter parado, ali, naquela cozinha devastada por um ciclone de bombas saídas sabe Deus de onde e porquê …

***

Assim os foi encontrar o pequeno grupo que o de castanho tinha deixado para trás. Entraram ao ouvir as vozes e os risos no silêncio da rua e do mundo…

Os dois rapazes levantaram-se dos bancos de um só salto, como se uma mola os tivesse projectado e, sem hesitar, o de castanho correu para se colocar à frente do de preto com os braços abertos e gritou: “foge, foge depressa”…
O de preto, espantado, gritou “mas porquê, não somos amigos?”
O grupinho avançava de um passo e o de castanho berrou “Eles não sabem, não vão entender! Foge depressa…”

Os outros começaram a gritar também e armou-se um barulho infernal entre aquelas paredes meio desmoronadas e o de preto percebeu que não havia nada a fazer … Ainda conseguiu recuperar a arma que estava ali mesmo à mão, contra a porta aberta do frigorífico e escapuliu-se em dois saltos por entre os escombros que empatavam a porta das traseiras… !

M.F.

23.3.2018
 Amizade
II
 Era o fim da tarde, a hora em que o sol oblíquo se espelha no mar, fazendo uma estrada de luz até à margem arenosa da praia.
O ar estava saturado de perfumes que exalavam das plantas depois de um dia quente, que se misturavam com os cheiros da areia e da maresia, e os passantes escolhiam a esplanada onde iriam tomar uma bebida antes de se recolher aos seus hotéis ou voltar para casa.

Hallis instalou-se numa delas, um bar simpático e original que tinha descoberto de relance na véspera quando tinha chegado ao hotel.
As mesas e cadeiras, instaladas directamente na areia, convidavam a estar muito à vontade, sem necessidade de grandes toilettes e isso agradou-lhe.

Trazia uns calções brancos e um T-shirt igualmente branco com debruns azuis e, negligentemente deitado num ombro, um fino cardigan também azul, como as sapatilhas de tela que calçava.
Era o primeiro dia de verdadeiras férias – o dia da viagem não contava : as três horas para chegar finalmente ao tão esperado mar tinham sido fáceis apesar do calor, a carripana que tinha arranjado tinha-se portado bem e tinha encontrado facilmente o hotel que tinha previamente reservado, mesmo ali ao lado, com o vasto areal em frente.
E estava deslumbrado. Tinham passado anos antes de poder realizar este projecto  de viagem - ou sonho, concebido num dia de grande angustia - e agora, tudo o que via, ouvia, cheirava, ultrapassava em beleza e grandiosidade o pouco que sabia da “beira-mar”…

O trabalho absorvente em que se tinha lançado depois do fim das hostilidades, as noites a estudar, os dias a aprender como valorizar as terras que eram dos seus pais, com a ajuda dos poucos familiares que tinham sobrevivido (um tio que se tinha refugiado nas colinas, no meio das vinhas e olivais que pertenciam à família e dois primos que voltaram à cidade uns meses depois), todo um esforço que agora, finalmente, começava a dar frutos, mas que nunca lhe tinha deixado horas livres para se deslocar, mesmo tão perto.

Tudo isto lhe vinha agora à mente, e a satisfação - o orgulho até – do bom trabalho levado a cabo enchia-lhe o peito de gratidão.
E pensava no rapaz que lhe tinha contado o mar…

Aouer tinha acabado de abrir as portas de par em par. Durante o dia o calor era demasiado e todos os restaurantes e bares da marginal tapavam com cortinas escuras as vidraças para conservar alguma frescura.

Tinha molhado o chão para refrescar ainda mais o ambiente e preparado  as poucas mesas que havia no interior: a maioria estava lá fora, no areal, onde já havia um cliente que lia pacientemente um jornal…

Aouer, os cabelos castanhos disciplinados numa fina rede e simplesmente vestido com uma “canottière” azul clarinho que fazia sobressair o bronze da musculatura e uma bermuda azul-escuro, tinha tido sorte: primeiro tinha tido a sorte de encontrar a irmã sã e salva e, depois de terminar o curso para o qual tinha voltado (ao findarem as hostilidades, claro) tinha tido a sorte de o deixarem pôr uma palhota na praia para vender bebidas. O sucesso da palhota não se fez esperar, e ano após ano Aouer foi acrescentando uma mesa, depois três, e daí por diante até juntar fundos suficientes para construir um bar em “duro” no sítio da palhota.
Levou anos, mas valeu a pena, pensava ele, grato pela boa estrela que o protegia !

Chamou a irmã que estava atrás do balcão a arrumar os copos e chávenas que iriam ser muito solicitados um pouco mais tarde :

- Alina, vais ali ver o que quer o rapaz que está sentado lá fora, por favor ?

Ela foi.
Alta e esguia, elegante, com um vestidinho da cor da areia e os cabelos iguais aos do irmão apanhados dos dois lados com travessas de madrepérola, foi dançando e cantarolando atá à esplanada de bloco e lápis em punho.

- O senhor vai desejar tomar algo ?

Hallis levantou os olhos do jornal que fazia de conta que lia - o pensamento errava por vias longínquas - e deparou-se com o sorriso que Alina lhe oferecia com a frase e que o deixou boquiaberto…
Era de uma frescura e de um natural incrível, e a beleza morena do rosto da rapariga igualmente extraordinária.

Levou uns segundos a reagir até fazer o pedido e quando ela e o sorriso se afastaram para dentro do bar virou-se na cadeira e seguiu-a com os olhos escancarados a apreciar o andar baloiçado de dançarina: nunca tinha visto nada assim !

Alina foi outra vez para trás do balcão preparar a bebida para Hallis e foi dizendo ao irmão, que estava agora a distribuir os cinzeiros pelas mesas :

- Aouer, o rapaz é liiiiindo !!
- Alina: é só um cliente ! Cuidado com essa imaginação !

Aouer pegou noutro monte de cinzeiros e foi pô-los nas mesas da esplanada. Olhou de soslaio para o rapaz “liiiindo” mas não viu grande coisa; um cabelo preto liso escondia parte do rosto que tinha inclinado para o jornal.
Voltou para dentro e perguntou à irmã se o que estava a preparar estava pronto e, quando ela disse que sim, ele pegou no tabuleiro onde estavam um cocktail e dois pratinhos com aperitivos, um guardanapinho de papel e palitos.

- Eu vou lá levar: sempre quero ver essa “beleza” de rapaz ! – disse.
E rindo à socapa ao ver o ar desiludido de Alina, voltou para a esplanada.
Aouer deu a volta à mesa onde estava instalado Hallis para o ver bem de frente, mas não olhou para ele.
Poisou tranquilamente o tabuleiro e foi pondo o copo e os pratinhos na mesa. Quando isto foi feito levantou os olhos para o cliente que, por seu lado, olhava para ele espantado.

- Boa tarde, senhor. Deseja mais alguma coi….. ?

Hallis levantou-se de chofre e abriu os braços. Aouer sentiu as lágrimas subir-lhe aos olhos e dirigiu-se de braços abertos para o amigo.

Não tinham mudado nada ! Não tinham esquecido nada.
Eram dois rapazes, eram dois amigos para sempre.

M.F. 30.5.2020


ERA POR MIM QUE BUSCAVA

Procurei-te entre as searas
De trigais verdejantes,
Nas madrugadas claras
Nas buscas constantes!
Procurei-te nos vinhedos
Quando chegou o Outono
E só encontrei segredos
E folhas ao abandono!

Procurei-te junto ao rio
Que desce calmo do monte,
Pareceu-me que sorriu
Da ruga na minha fronte!
Procurei-te entre o silvado
Onde canta o rouxinol,
Tão denso e tão cerrado
Onde não penetra o sol!

Procurei dentro de mim
E finalmente encontrei
Esta resposta que enfim
Tanto tempo procurei!
Eu é que andava perdida
Porque tu nunca exististe,
Saíste da minha vida
Quando há muito partiste!


Elita Guerreiro


 “ UM HOMEM NO NEVOEIRO”

Naquela manhã de Verão tudo parecia diferente. O nevoeiro
era  tão intenso, que não conseguíamos ver os barcos que
faziam a ligação entre as duas margens. “Nevoeiro no rio!”, comentavam as pessoas aglomeradas nas paragens  dos
autocarros e eléctricos. O nevoeiro envolvia não só o rio,
mas toda a cidade. Do farol vinha o som da sirene, que se
juntava às sirenes dos barcos, que dificilmente atracavam
no cais. As ruas mergulhavam num silêncio fora do habitual.
Era muito cedo, quase madrugada! O nevoeiro não permitia
que o sol aparecesse no horizonte. Ouviam – se os gritos
estridentes das gaivotas, mas não   as víamos.!
Encostado à parede de um prédio, a figura estranha daquele
homem parecia indiferente a tudo o que se passava em redor.
Mexia-se apenas para acender um cigarro atrás de outro.
Chegavam e partiam autocarros e eléctricos, as pessoas quase
lhe tocavam ao passar e o homem continuava indiferente a
 tudo sem mudar de posição. Com o passar do tempo ,talvez
a meio da manhã, o nevoeiro dissipou-se e um sol radioso e
quente  veio encher a cidade de luz. Como se estivesse colado
à parede , ou dela fizesse parte ,o homem foi-se afastando
e em passos lentos dirigiu-se para a beira do rio. Uma gaivota
quase  roçou a sua cabeça o que pareceu não o incomodar !
De repente, aquela figura estranha dissolveu-se na multidão!
Como se o seu corpo tivesse deixado alguma marca que o
Identificasse, olhámos a parede onde permanecera imóvel
tantas horas. A assinalar a sua permanência no local, apenas
a quantidade excessiva de restos de cigarros, sobre a calçada
que o nevoeiro molhou. Estranha figura de homem, que
 partiu com o nevoeiro, naquela estranha manhã!


Elita Guerreiro *13 /7/2017




LUTA DE GIGANTES

O gigante soprou tempestades
Entrando em conflito com o Gama:
De onde te vêm tais vaidades?
Se vens procurar honra e fama,
Por mim, não passas, eu te juro…
E tudo estremeceu com o seu urro!
Volta para trás e diz a quem te mandou
Que, por mim, jamais alguém passou,
Sem pagar com a vida a ousadia
E hoje não será aquele dia!

Temeu pela vida o Capitão,
Mas falou-lhe com determinação:
Embora frágil, esta minha armada
Está por Deus e Cristo amparada!
Acredita que eu nunca retrocedo,
E dobrarei o cabo, pese embora a medo!
Juro-te que atrás não voltarei!
Estou aqui a mando do meu rei,
Para descobrir um mundo novo
E dá-lo a conhecer ao nosso povo!
E podes tu soprar todo o teu vento.
Que não quebrarás o meu intento!
E dobrou o Cabo Tormentoso,
Deixando para trás o Adamastor, furioso!


Elita Guerreiro/ Maio de 2020.



INSPIRAÇÃO ANCORADA

 Os poetas de Lisboa
 Talvez se tenham inspirado,
 Nesta gaivota que voa
 Por sobre um navio ancorado

 Ou no eléctrico que passa
 Atravessando Lisboa,
 E vai do terreiro à Graça
 Da estrela à Madragoa.

 Quem sabe se o velho fado
 Não nasceu na outra margem,
 Onde o sol estremunhado
 Nasce como uma miragem?

 E dá cor a cada telhado
 E às escadarias de Alfama,
 De onde o fado embarcou
 Nas caravelas do Gama.

 Ai Lisboa tu inspiras
 Poetas de ontem e de hoje,
 Tu cantas como respiras
 Um fado que vem de longe.


Elita Guerreiro---10/1/2014






DO OUTRO LADO DA ESTRADA

O vento agitava mansamente a ramaria dos pinheiros. Era uma pequena mata de pinheiros mansos, de copas verdejantes, onde nidificavam várias espécies de aves, que juntavam as suas vozes cristalinas ao segredar do vento e à cantoria da cigarra. Era a orquestra da Natureza!
Do outro lado da estrada erguiam-se como sentinelas enormes rochedos
cinzentos, pontiagudos, fazendo fronteira entre a terra e o mar imenso,
tão azul que ao longe se confunde com o azul do céu! Uma nesga de areia de apenas alguns metros, mas tão clara, que vista de longe parece
branca, é a praia! Junto a dois pequenos barcos os pescadores preparam
as redes e vários utensílios de pesca. Descalços, as ondas vinham espre-
guiçar-se  no areal, deixando  espuma branca nos seus pés firmemente assentes sobre a areia molhada. Vinham as ondas bater suavemente
nos rochedos, deixando ali rendas de espuma tão branca, tão delicada,
que se desfaz como farrapos de neve! Manhã serena do princípio de Outono! Tudo era calma, paz e tranquilidade! “ Pois”- disse um dos pescadores: “se fosse assim sempre era o paraíso!” E prosseguiu: “Repare na altura daquelas rochas!” Quem nos chamava a atenção era um rapazola, quase uma criança, que empurrava um dos barcos para o mar. “Quando o mar se zanga, atira-se contra os rochedos com tal fúria, que nos leva com ele! Foi assim que perdi o meu Pai, cujo lugar fui obrigado a tomar para poder sustentar a família.” “Mas é quase uma criança!” - disse alguém. “Sim, é verdade” - falou um dos pescadores. Deixou os estudos e veio para o mar. Nunca se queixou e, apesar da sua juventude, trabalha como nós”. “Um bom moço!” - disse outro, com admiração. Do outro lado da estrada, para além dos enormes rochedos, que as ondas abraçam no seu constante vai e vem, o sol começava a declinar. Um espectáculo de luz e cor, tão magnificamente belo, que não deixou ninguém indiferente!
Do outro lado da estrada ficaram as histórias de homens ligados ao mar,
do qual tiram o sustento das suas famílias. Olham o horizonte de maneira diferente de nós! Perscrutam – no para tentar adivinhar-lhe as mudanças de humor, sem raiva ou rancor, embora sabendo que a qualquer momento lhes pode tirar a vida!
Partimos. À nossa frente apenas asfalto negro, tão negro como a noite que se avizinha e o longo silêncio que entre nós se instalou!

Elita Guerreiro 30/10/2018
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A MELODIA

Naquele fim de tarde, o sol alaranjado já se voltava para o outro lado do mundo e eu estava ainda à beira-mar com os pés chapinhando na água morna, que os últimos raios de sol deixavam ficar.
Corri da areia molhada e fui-me deitar sobre a toalha quente debaixo do chapéu-de-sol. Estava pouca gente àquela hora do entardecer. Deitei-me. Só me lembro de tapar o rosto com o chapéu de palha. Cansada, comecei a fechar os olhos... De repente, os meus ouvidos começaram a escutar as notas, que vinham dum piano. Só sei que era uma bela Melodia e só podia ser tocada por mãos de um anjo. Em redor de mim, comecei a ver um pequeno palacete antigo que, no 1º. Andar, tinha uma linda varanda sustentada por colunas e a meio da parede um bonito painel de azulejos, ladeado de duas janelas altas, uma delas meio aberta. Era dali que vinha a Melodia.
Corria uma leve brisa marítima, que fazia mexer as folhas da enorme árvore que se via em frente à casa. E a Melodia continuava muito suave.
Meus Deus! Que mãos seriam aquelas? Só podiam ser muito delicadas para tocar assim…

Virei-me ao contrário. Os meus ouvidos deixaram a Melodia e seguiram o choro aflito e revoltado de uma criança que, com os punhos fechados, batia no varandim e gritava:
- Caiu... Caiu... o piano caiu!
As rochas duras e surdas choravam à medida que o piano caia em cima delas e se partia em mil bocados. Era estranho, pois a Melodia continuava a ouvir-se, mas já muito débil. Levantei-me atordoada e tirei o chapéu de palha da cara para ver o que se passava. Olhei à minha volta, vi somente o areal.   Abanei várias vezes a cabeça e comecei a vestir-me para sair da praia. Nos meus ouvidos já não existiam a Melodia nem o choro de criança, mas uma voz interior que me chamava à realidade:
 - És mesmo uma tonta, acorda! Não percebeste ainda que adormeceste profundamente?
Ah! Afinal tudo não passara de um Sonho!...
 E assim saí da praia, contando as pegadas que ia deixando na areia.

Carmo Bairrada

Azeitão – Maio/2020

TODO O MUNDO” e “NINGUÉM”
Excerto do Auto da Lusitânia de Gil Vicente
(1ª. Representação em 1532)


TODO O MUNDO”                E                 “NINGUÉM”
 (A - 1ª. Personagem)                                  (B - 2ª. Personagem)                       

O Rico Mercador - “TODO O MUNDO”- representa: a RIQUEZA, a ARROGÂNCIA, a VAIDADE, a COBIÇA e os LOUVORES pelos actos praticados.
Gostava que a VIDA de todos lhe fosse oferecida, mas o que ele mais ambicionava era o PARAÍSO.
Adorava ENGANAR e MENTIR.
Procurava sempre ELOGIOS para tudo o que fazia.


O Pobre – “NINGUÉM” – representa a POBREZA (em estado puro). Procura a PERFEIÇÂO, a VIRTUDE, a MODÉSTIA e a HONRA. Tenta corrigir os ERROS.
A VIDA, ele desconhece-a, mas a MORTE conhece-a bem.
Propunha-se pagar para ver se o Rico ficasse com o Paraíso.
Diz sempre a VERDADE e dela não se desvia
Diz que é todo DESENGANO.
                                         
                                         
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                 BELZEBU                E                       DINAT
               (C – 3ª  Personagem                       (D- 4ª Personagem)

Gil Vicente põe na boca de Belzebu em forma de Comédia, mas, com um toque mordaz, a maneira como “TODO O MUNDO” e “NINGUÉM” olham a vida à sua volta.

BELZEBU manda DINATO escrever:

1 – que ninguém procura  a CONSCIÊNCIA, mas simplesmente RIQUEZA    
2 – que buscam sempre a HONRA, mas ninguém procura a VIRTUDE.
3 –que procuram os LOUVORES dos actos, mas  não os ERROS cometidos.  

QUE BUSCAM ELES NO MUNDO?

CONCLUSÃO

O texto é uma pequena Comédia, onde o Autor nos mostra a crítica dura que faz à Sociedade Portuguesa do séc. XVI, sobre os temas que dizem respeito à MORAL e à HONRA DOS HOMENS, que ainda hoje está  presente, e cada vez mais forte, apesar de já terem passado quase cinco séculos de história.

Vivemos numa Sociedade cada vez mais virada para os valores economicistas do que para valores morais e sociais, a que qualquer cidadão tem direito.
É realmente fascinante que possam acontecer tantas Injustiças e Falcatruas, sem se perder o sentido de Verdade e Intemporalidade. Daí, eu transcrever o último verso:


BELZEBU:                                                            DINATO:                                                                                                                                            
Escreve o que te vou dizer:”

Põe aí mui declarado,                                            Que mandas assentar?
Não te fique no tinteiro:

Todo o Mundo é LISONGEIRO,
E NINGUÉM desenganado.

Bibliografia:
http://portaldafamilia.org/artigos//artigo098,Shtml
http://passeweb.com/index.php/na_ponta_lingua/livros/resumos_comement%C3%A1rios//a/auto_da_Lusitania

OBRA: - O “Auto da “Lusitânia” (Excerto) – “TODO O MUMDO e NINGUÉM”
AUTOR: Gil Vicente
EDITORA: Bertrand

Azeitão, 15-04-2020
Carmo Bairrada


“O BRAÇO”
(Para o Zé Ricardo: esta saiu nesta hora))

Um Braço pousado delicadamente
Numas costas voltadas.
Foi só um momento?
Foi só um impulso?
Foi efémero aquele gesto?
Foi uma aproximação
A qualquer curiosidade?
Não interessa, mas certamente
As costas sentiram, como que
Um carinho disfarçado.

Ai de quem nem Braço tem
Para poder fazer tal gesto!
Aquele Braço, aquela aliança,
Que suavemente se encosta
Ás costas voltadas, parece
Que descansa a ternura
Daquele gesto.

Azeitão 04-06-2019 (12H00)
Carmo Bairrada


O FAROL

Ao longe um barco na bruma,
que encontra um abraço nos Corais
vê ao longe na noite escura,
onde se acende intermitente
um Farol chamado Ilusão.

As ondas vêm sem piedade
abraçar o Farol e são tão altas,
que acabam por quebrar e recuam
deixando o pavor espalhado à sua
passagem, como breve
nuvem de poalha no ar.

Pobre Farol tão antigo… como
Consegue ter estrutura para
Receber o monstruoso mar,
que nessa noite se abateu sobre ele?

O seu reflexo na água é agora e
apenas o seu mundo.
Farol heróico, ainda encaminha
quem dele necessita… paira algures
uma espécie de sobrevivência
em redor.   

As ondas tornam a rodopiar
num frenesim como a confusão
dos sentidos, que vai do risco
à esperança.

Sempre a mesma prece,
uma ladainha lenta e luminosa,
um Farol que roda dentro de
um lugar de grande nitidez,
que é o pensamento.

Que este Farol já velho, mas
ainda activo, ilumine para sempre
a Liberdade daqueles que, em perigo,
jogam  a sua vida no mar traiçoeiro.
Eles sabem, que a tempestade está
a chegar, mas desconhecem a fúria
e a força que ela traz consigo.

Ó ondas do infinito mar!
Ó Faróis de todos os destinos!

Azeitão, 19-05-2020
Carmo Bairrada


A MINHA SERRA


A cada dia olho a serra
A serra está sempre igual
Distante da minha terra
Próxima do meu quintal

A serra da minha terra
Mora do lado de lá
Não próxima desta serra
Esta serra mora cá

Mora a dois passos do mar
Qua a outra serra não tem
A cada uma que olhar
Hei- de sempre querer bem

Uma tem formas de mulher
A outra é vertical
Eu gosto de uma qualquer
Quando as olho do quintal

Uma tem rosas albardeiras
A outra malmequeres garridos
Tem margaridas brejeiras
Bordadas nos meus vestidos

Grito quando quero ver
As duas serras pertinho
Oiço o eco a responder
Troçando de mim baixinho

Quero que cada um tenha serra
Para onde possa olhar
E um pedacinho de terra

Para seu pão cultivar.

Adalberta Marques


O Tirone

O meu pai era caçador. Como grande parte dos caçadores, tinha cão.
O Tirone, assim se chamava o seu último cão, um lindíssimo pointer, o único cão do meu pai que conheci, chamava-se assim porque a minha mãe adorava um actor da época chamado Tirone Power e o meu pai resolveu chamar Tirone ao cão.
O Tirone tinha 2 ou 3 anos quando eu nasci e sobre essa fase da vida da minha família também há histórias engraçadas de que ele é protagonista, que poderão ficar para outra altura; morreu tinha eu 14 ou 15 anos.
Pois na véspera das idas à caça, a minha mãe fazia um pitéu especial para o bicho e quando chegavam da caça, estourados e carregados de peças, o Tirone tinha à sua espera o manjar dos manjares, o seu prato preferido, confecionado com muito amor e recebia da minha mãe todo o carinho do mundo.
Não é de certeza por acaso que nós temos este sobrenome, alguém muito lá para trás tinha este nosso humor típico que originou tal alcunha que acabou passando a nome de família.
Quase sempre ao jantar de domingo, dia de caça, quando nos sentávamos para jantar, o meu pai dizia qualquer coisa como isto em tom de lamúria:

“Anda um homem todo o dia a labutar para trazer o sustento para casa e é o Tirone que é tratado com todo o esmero!”

Ana Gaio


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