MEMÓRIAS DE INFÂNCIA
O MENINO E O PAPAGAIO DE JORGE DE SENA
É prodigiosa a maneira como as crianças
guardam as memórias de infância e mais tarde as reproduzem com tanta
fidelidade! Jorge de Sena é um desses prodígios! Os seus olhos de criança gravaram
cenas da vida familiar, que reproduziu nesta “Homenagem ao Papagaio Verde” e de
tal
maneira nos prende à sua narração, que
também nos sentimos prisioneiros daqueles cuidados e restrições e envergando
aquele “bibe azul de quadradinhos,” uma farda, simbolizando outra prisão, a
escola. Talvez por isso se sentisse solidário com o papagaio, que
vivia preso à corrente,que lhe subjugava a pequena pata de
garras afiadas!
Um malandreco, de penas coloridas e
língua treinada para a
tagarelice e o palavrão! Um dia, foi
confrontado com a
presença de outro animal da sua espécie, mas de
plumagem
diferente, vindo do Continente
Africano. Era de cor cinzenta e
de semblante reservado, fruto talvez da
calmaria da savana,
onde o sol escaldante convida a sestas
prolongadas, entre a ramaria dos embondeiros, que o vento embala docemente!
O Papagaio Verde, oriundo das matas
Brasileiras, tinha a vivacidade e a alegria dum sambista num desfile carnavalesco!
Entrar no reino daquele tagarela, de bico adunco pronto a arrancar um pedaço de
dedo ao mais incauto admirador, não é fácil, eu sei! Mas por força da solidão,
mais uma vez estão em pé de igualdade, o animal e o humano!
As crianças que vivem só com os adultos
do núcleo familiar inventam um companheiro imaginário, com o qual partilham as
suas traquinices. O menino, cuja história Jorge de Sena nos conta, tinha o
Papagaio Verde! Nada escapava ao olhar observador da criança, que o narrador
trouxe até nós nesta memória infantil, que prende a nossa atenção em cada
frase!
A chegada do Pai, com o seu chapéu
debruado a seda, a maneira como prendia o charuto entre os lábios, o risinho
maroto das criadas, quando o casal se
sumia no quarto, os
chiliques da Mãe depois daquelas
discussões de que ele
desconhecia o motivo e o jogo em que os
Pais o incluíam, como se ele fosse uma pequena âncora do navio encalhado dos
seus arrufos conjugais!... Ele era só uma criança!
Então, solto para limpeza do poleiro,
lá vinha o Papagaio Verde, primeiro desconfiado olhando de lado, como que a
apalpar terreno, depois mais confiante, encostando a bela cabeça colorida ao
sapato da criança, numa demonstração sincera de carinhosa amizade. Justa e
merecida é esta homenagem feita ao
Papagaio Verde, companheiro duma criança que apesar do bem- estar familiar, se
sentia só!
A amizade é a vastidão dos sentimentos,
que nos acompanha vida fora e que a saudade traz à
memória nos momentos de reflexão e nostalgia!
Elita Guerreiro*4 /3/2020
O PAPAGAIO
VERDE
Havia um
papagaio verde e um cinzento, mas o menino era amigo do verde e ignorava o
outro.
O pai do
menino andava embarcado e só vinha a terra
de 3 em 3 meses e nessas ocasiões havia grande reboliço na casa com as
criadas a limpar de alto a baixo e causando grande azáfama, não se sabendo se a
casa não era cuidada no resto do tempo.
Quando o pai
estava em casa, o menino era ainda mais ignorado pelos progenitores, que se
fechavam no quarto e o único consolo era falar e brincar com o velho papagaio
verde, que dizia palavrões aprendidos no tempo em que ele próprio andara
embarcado.
Com o passar
do tempo, os pais foram-se desentendendo cada vez mais, restando ao menino
brincar com o papagaio verde que cada vez mais velho e rabugento era a única
companhia do menino que, à medida que via o amigo a ficar tão dependente dele para
comer e viver na gaiola, o levava para junto do piano quando ia tocar, tendo a
ideia de que o amigo ficava feliz ao ouvi-lo. E foi assim
o fim do papagaio verde que de velho morreu, deixando o menino triste e sozinho
sem mais amigos, porque a mãe não o deixava brincar com os colegas e nunca fez
amizade com o papagaio cinzento.
Lurdes Costa
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