terça-feira, 10 de março de 2020

Sobre "Homenagem ao Papagaio Verde", Jorge de Sena


             
MEMÓRIAS DE INFÂNCIA

 O MENINO E O PAPAGAIO DE JORGE DE SENA 

É prodigiosa a maneira como as crianças guardam as memórias de infância e mais tarde as reproduzem com tanta fidelidade! Jorge de Sena é um desses prodígios! Os seus olhos de criança gravaram cenas da vida familiar, que reproduziu nesta “Homenagem ao Papagaio Verde” e de tal
maneira nos prende à sua narração, que também nos sentimos prisioneiros daqueles cuidados e restrições e envergando aquele “bibe azul de quadradinhos,” uma farda, simbolizando outra prisão, a escola. Talvez por isso se sentisse solidário com o papagaio, que vivia preso à corrente,que lhe subjugava a pequena pata de garras afiadas!
Um malandreco, de penas coloridas e língua treinada para a
tagarelice e o palavrão! Um dia, foi confrontado com a
presença  de outro animal da sua espécie, mas de plumagem
diferente, vindo do Continente Africano. Era de cor cinzenta e
de semblante reservado, fruto talvez da calmaria da savana,
onde o sol escaldante convida a sestas prolongadas, entre a ramaria dos embondeiros, que o vento embala docemente!
O Papagaio Verde, oriundo das matas Brasileiras, tinha a vivacidade e a alegria dum sambista num desfile carnavalesco! Entrar no reino daquele tagarela, de bico adunco pronto a arrancar um pedaço de dedo ao mais incauto admirador, não é fácil, eu sei! Mas por força da solidão, mais uma vez estão em pé de igualdade, o animal e o humano!
As crianças que vivem só com os adultos do núcleo familiar inventam um companheiro imaginário, com o qual partilham as suas traquinices. O menino, cuja história Jorge de Sena nos conta, tinha o Papagaio Verde! Nada escapava ao olhar observador da criança, que o narrador trouxe até nós nesta memória infantil, que prende a nossa atenção em cada frase!
A chegada do Pai, com o seu chapéu debruado a seda, a maneira como prendia o charuto entre os lábios, o risinho
maroto das criadas, quando o casal se sumia no quarto, os
chiliques da Mãe depois daquelas discussões de que ele
desconhecia o motivo e o jogo em que os Pais o incluíam, como se ele fosse uma pequena âncora do navio encalhado dos seus arrufos conjugais!... Ele era só uma criança!
Então, solto para limpeza do poleiro, lá vinha o Papagaio Verde, primeiro desconfiado olhando de lado, como que a apalpar terreno, depois mais confiante, encostando a bela cabeça colorida ao sapato da criança, numa demonstração sincera de carinhosa amizade. Justa e merecida é esta  homenagem feita ao Papagaio Verde, companheiro duma criança que apesar do bem- estar familiar, se sentia só! 
A amizade é a vastidão dos sentimentos, que nos acompanha vida fora e que a saudade traz à memória nos momentos  de reflexão e nostalgia!

Elita Guerreiro*4 /3/2020


O PAPAGAIO VERDE

Havia um papagaio verde e um cinzento, mas o menino era amigo do verde e ignorava o outro.
O pai do menino andava embarcado e só vinha a terra  de 3 em 3 meses e nessas ocasiões havia grande reboliço na casa com as criadas a limpar de alto a baixo e causando grande azáfama, não se sabendo se a casa não era cuidada no resto do tempo.
Quando o pai estava em casa, o menino era ainda mais ignorado pelos progenitores, que se fechavam no quarto e o único consolo era falar e brincar com o velho papagaio verde, que dizia palavrões aprendidos no tempo em que ele próprio andara embarcado.

Com o passar do tempo, os pais foram-se desentendendo cada vez mais, restando ao menino brincar com o papagaio verde que cada vez mais velho e rabugento era a única companhia do menino que, à medida que via o amigo a ficar tão dependente dele para comer e viver na gaiola, o levava para junto do piano quando ia tocar, tendo a ideia de que o amigo ficava feliz ao ouvi-lo. E foi assim o fim do papagaio verde que de velho morreu, deixando o menino triste e sozinho sem mais amigos, porque a mãe não o deixava brincar com os colegas e nunca fez amizade com o papagaio cinzento.

Lurdes Costa



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