Que soidade de mia senhor hei
quando me nembra dela qual a vi,
e que me nembra que bem a oí
falar; e por quanto bem dela sei,
rogu'eu a Deus que end'há o poder,
que ma leixe, se lhi prouguer, veer
cedo; ca, pero mi nunca fez bem,
se a nom vir, nom me posso guardar
d'ensandecer ou morrer com pesar;
e, porque ela tod'em poder tem,
rogu'eu a Deus que end'há o poder,
que ma leixe, se lhi prouguer, veer
cedo; ca tal a fez Nostro Senhor,
de quantas outras no mundo som
nom lhi fez par, a la minha fé, nom;
e poi-la fez das melhores melhor,
rogu'eu a Deus que end'há o poder,
que ma leixe, se lhi prouguer, veer
cedo; ca tal a quis Deus fazer
que, se a nom vir, nom posso viver.
Dom Dinis
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Canção de Amor
Eu cantaria mesmo que tu não existisses,
faria amor, assim, com as palavras.
Eu cantaria mesmo que tu não existisses
porque haveria de doer-me a tua ausência.
Por isso canto. Alegre ou triste, canto.
Como se, cantando, tocasse a tua boca,
ainda antes da tua presença.
Direi mesmo, depois da tua morte.
Eu cantaria mesmo que tu não existisses,
ó minha amiga, doce companheira.
Eu festejo o teu corpo como um rio,
onde, exausto, chegarei ao mar.
Sim, eu cantaria mesmo que tu não existisses,
porque nada eu direi sem o teu nome.
Porque nada existe além da tua vida,
da tua pele macia, dos teus olhos magoados.
Assim quero cantar-te, meu amor,
para além da morte, para além de tudo.
Joaquim Pessoa, in 'Canções de Ex-Cravo
e Malviver'
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BRUMA
Amanheceu o céu branco
de névoa húmida olente
a terra fértil e maresia
que do mar se levanta
ao marulhar da onda
e alguma gaivota já
passa, inda ensonada
num bater de asa vai
procurando alimento
A bruma vai
abrindo
o pinhal descobrindo
e as praias preguiçosas
desmaiam devagar
no mar calmo e brilhante
‘inda virgem de corpos
descobertos e quentes
que nele se deleitem
que o sol ainda não
os despertou dos sonhos
equívocos da noite
em que se perdem ‘inda
só se ouve algum suspiro
do acordar de alguém
Mas o sol rompe a bruma
e a rola já canta
e o céu já está azul…
Mercedes Ferrari
Conversa
com D.Dinis, rei- poeta de “cantigas de amor”
Nota: as citações pertencem à cantiga:
“Que
soidade de mia senhor hei”.
“D. DINIS REI LAVRADOR E POETA”
Os olhos fixavam, o coração dizia:
vai…E eis que o Senhor D. Dinis, a quem
chamaram
o “Rei Lavrador”, em estrofes poeticamente inspiradas declarava
o
seu amor aquela que o não podia ou não
queria aceitar! O Rei - Poeta sofre, lamenta-se, pedindo a ajuda de Deus!
“Rogu’eu
a Deus que end`há o poder,
Que
me a leixe, se lhi prouguer, veer cedo;”
Sendo
Rei, governando um País, não podia contudo governar, mandar no coração
daquela
por quem se apaixonara, ao ponto de temer a loucura ou até mesmo a
Morte!
“Se
a nom vir, nom me posso guardar,
D’
ensandecer ou morrer com pesar”
Arrebatado
coração aquele, a quem o casamento com – diz-se - uma das mais belas mulheres daquela
época, “ Dona Isabel de Aragão”, o não impedia de cortejar qualquer Dama e de
se apaixonar loucamente! Diz-se também que os mais belos poemas são inspirados
pelo sofrimento! Muito terá sofrido o monarca, por não poder chegar ao coração
de quemparecia indiferente ao seu amor! Quem seria a nobre Dama, que ousava
assim negar ao Rei de Portugal, o amor que ele lhe implorava?
“E
porque ela todo em poder tem
Rogu’eu
a Deus que ende há o poder,
Que
ma leixe, se lhi prouguer, ver cedo;”
Esquecendo
ou não a responsabilidade que pesava sobre a sua cabeça coroada e respeito
devido à sua verdadeira esposa, D. Dinis, o “ Poeta”, entregava- se à paixão
que o consumia!
“Cá
tal a fez Nostro Senhor,
de quantas outras no mundo som,
nom
lhi faz par, a la minha fé nom,
e
poi-la fez das melhores melhor.”
Mas
a Senhora a quem dedicou este belo poema, esta bela “ Cantiga de Amor”,
continuava insensível aos encantos poéticos do seu Soberano! Por mais que
implorasse o fim do seu infortúnio, Deus parecia não escutar as suas preces!
“Cá
tal quis Deus fazer
Que,
se a nom vir, nom posso viver.”
Ora,
Senhor D. Dinis, afinal Sua Majestade não teve nem fez tudo quanto quis!
Elita
Guerreiro* 24/2/2016
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