CONTO DE ENCANTAR
“A PÉROLA”
À
beira de um litoral maravilhoso, com praias preguiçosas que se estendiam
brancas e onde vinham morrer bosques verdejantes a namorar o mar, era uma vez
um pescador…
Não
era nem pobre nem rico: apenas vivia da sua faina quotidiana, enfrentando
muitas vezes os perigos de marés selvagens, outras vezes aproveitando a bonança
de águas calmas, no seu barquito que mais parecia uma casca de noz.
Tinha
a sua cabana entre o arvoredo, pés na areia e telhado de colmo, e vendia o seu
pescado na aldeia, ali perto, onde todos o conheciam por “Sol do peixe”. Todas as tardes, lá ia ele a caminho da aldeia, com uma canastra, ora cheia, nos dias melhores, ora meio vazia, quando a pesca não tinha sido tão rica.
pescado na aldeia, ali perto, onde todos o conheciam por “Sol do peixe”. Todas as tardes, lá ia ele a caminho da aldeia, com uma canastra, ora cheia, nos dias melhores, ora meio vazia, quando a pesca não tinha sido tão rica.
Era
uma aldeia pobre, e não se comprava nem vendia: não se usava “vil moeda”,
apenas se trocavam os bens. Sol levava o peixe e trazia como recompensa o pão e
o resto que lhe servia ao seu dia a dia.
Sol
do Peixe não era velho, mas ninguém lhe sabia a idade. Nem ele se lembrava de
quando havia nascido… Tinha uma barba longa e o cabelo loiro aos caracóis
espalhado pelos ombros. Ninguém sabia se era bonito ou feio, impossível dizer
debaixo daquela juba !
Andava
quase sempre descalço, com as calças arregaçadas como andam os pescadores, a
camisa aberta atada com um nó na cintura e via-se, sim, que era robusto e bem
constituído de musculatura: pudera, sempre a puxar barco e redes…
Vivia
sozinho, com as suas redes e os seus anzóis, pois nunca tinha conhecido nenhuma
menina com quem lhe apetecesse namorar, mas
tinha pena. De resto, naquela aldeia todos eram como ele, sem idade definida e
como que adormecidos por um estranho “encanto”.
Por
vezes, enquanto remendava as redes, Sol dava consigo mesmo a matutar: “ah… se
aparecesse uma menina na aldeia que quisesse casar comigo, a minha felicidade
seria completa”! Mas não. Não aparecia…
Um
dia de calmaria, em que o sol acariciava a areia e a brisa lenta trazia cheiros
de mimosas em flor, fez-se ao mar no seu barquito, esperando capturar mais
peixinhos que na véspera, em que tinha sido bem magra a pesca.
Lançou
a rede e esperou, admirando o reflexo do sol nas águas calmas, e respirando
fundo os ares perfumados.
Viu
então um peixe …
Peixe
estranho, pensou, e olhou pasmado com mais atenção: porque andava aquele peixe
ali, devagar, à tona da água e junto ao barco, sem medo nem pressa?
Deu-se
conta então que era um peixe enorme, lindo, meio dourado, da parte de cima, e
meio prateado do lado da barriga. Brilhava como ouro e prata, de facto. Muito
estranho: nunca tinha visto nenhum peixe assim e não conseguia dar-lhe um
nome... Cherne não era, nem robalo; pescada ainda menos. Garoupa? Nem pensar. O
que seria?
E
ali andava ele, muito perto, sem se preocupar muito com a rede… uma tentação
para um pescador!
Sol
estendeu a mão e… apanhou o peixe.
As
escamas de ouro e prata, duras e brilhantes, não deslizavam na mão e pareciam
mesmo feitas daqueles metais preciosos e Sol acariciou-as admirado: o peixe não
se debateu: limitou-se a olhar para o pescador, como que um olhar
interrogativo.
Mais
uma vez pensou o Sol do Peixe “que estranho, um peixe que me olha nos olhos”;
demorou um pouco a admirar a beleza do peixe que tinha entre as mãos, tocando
as escamas maravilhosas, mas teve receio que de muito tempo fora d’água ele
morresse, e murmurou docemente como se soubesse que o peixe o entenderia: “és
lindo demais para eu te pescar… vai com Deus e continua a nadar no teu
elemento”; deu-lhe um beijo entre os olhos e, com um sorriso, deitou-o de novo
ao mar !
O
peixe deu duas voltas ao lado do barquito, evitando as redes e, de repente,
quase que assustando Sol, deu um salto para fora da água e cuspiu,
literalmente, uma “coisa” para dentro do barco e, ainda no ar, desapareceu.
Sol
do Peixe ficou de olhos arregalados ao ver o peixe desaparecer no ar, e olhou
para o chão do barco pois ouviu algo a resvalar. E o que viu deixou-o ainda
mais espantado.
No
chão brilhava de mil fogos e cores, uma enorme pérola. Muito redondinha,
perfeita…
Sol,
quase a medo, estendeu a mão para a pérola; tinha alguma relutância em lhe
tocar, ou receio, mas pensou que ali estava a pérola, que o peixe a tinha
atirado propositadamente – ou assim parecia – que tinha desaparecido como fumo
no ar e que alguma coisa isso quereria dizer…
Quando,
depois destas conjecturas finalmente se decidiu a pegar na pérola com dois
dedos, logo estranhou que estivesse morna, não fria como algo de inerte mas
cálida, como um corpo vivo…
Levantou-a
do chão, e observou-a de perto…
E
foi então que tudo em seu redor começou a transformar-se lentamente:
o
barquito, de casca de noz tornou-se um barco grande belo e sólido e adornado
com almofadas e véus de seda, uma cabina de um lado com cortinados de veludo e
remos de uma madeira preciosa: mais parecia uma gondola real.
Espanto
maior, ele próprio, Sol do Peixe, estava todo transformado, vestido como um
príncipe, ampla camisa de seda branca e colete de veludo azul bordado de ouro e
prata, as calças brancas retidas por uma longa faixa vermelha e umas botas de
finíssima pele…
Havia
um espelho na parede da cabina e ele, mirando-se nele, não se reconhecia, com o
rosto barbeado e o belo cabelo loiro anelado penteado a rigor e, sobretudo, um
aspecto jovem de que já nem se lembrava de ter tido algum dia…
Ali
ao lado o areal da costa apresentava-se como sempre, espreguiçando as suas
areias finas a perder de vista, mas havia agora um belo embarcadouro à
beira-mar e frente a este, entre as árvores, a cabana do pescador
transformara-se num lindíssimo palácio, com altas janelas e escadaria de
mármore branco que vinha morrer na areia entre arbustos de flores coloridas…
Sol
voltou então o olhar para a pérola que continuava a segurar entre os dois dedos
e de mansinho, sem bem perceber o que estava acontecendo e com medo que aquela
visão fosse um sonho e que tudo voltasse atrás, pousou-a numa das almofadas do
banco em frente do seu.
E
aí, maravilha das maravilhas, a pérola começou a aumentar de volume e a transformar-se:
de redonda passou a oval e depois, aumentando sempre, dela saiu uma linda
menina de uma beleza extraordinária, vestida da cor do mar, com os longos
cabelos loiros de sereia penteados com sequins de ouro e prata parecidos com as
escamas do peixe encantado…
Sol
do Peixe, boquiaberto, não se cansava de a olhar e, por fim, conseguiu falar e
perguntar-lhe “Quem és tu ?”
A
menina respondeu “Sou a princesa deste reino onde nasci, encantada desde há
muito por uma fada má e transformada em peixe: tu salvaste-me e assim
desfizeste o encanto que me mantinha prisioneira, assim como salvaste todos os
meus súbditos – e a ti próprio; por essa razão, mereces ser o meu príncipe e
assim te quero desposar”…
Sol
não cabia em si de contente e os dois sorriam olhando para o areal, onde agora
surgiam os aldeões para festejar tão grande maravilha, também esses
transformados - como aliás as suas casas da aldeia que se vislumbravam atrás
das árvores - parecendo outros tantos príncipes e princesas.
E
assim Sol do Peixe, o pescador, veio a casar com a Princesa Pérola e reinaram
felizes até ao fim dos tempos…
Mercedes Ferrari, 15.02.2015
LISBOA Menina, bonita, airosa,
Cheia de sol e de sombras,
De pregões, escadinhas,
De cheiros agridoces das raparigas,
Da maresia do Tejo;
Dos cheiros das rosas nas latadas,
De rosmaninho e alecrim,
Das belas castanhas assadas,
Quentes e boas!...
Era noite! Lisboa Menina regressava a casa, passando pelas estreitas ruas das vielas, quando ouve cantar e tocar. Pôs o xaile pela cabeça, subiu mais depressa a viela escura e foi encostar-se à porta de onde vinha o som.
O silêncio era total. Cantava-se o Fado. É disto que toda a gente gosta e que os turistas tanto apreciam. Esteve até ao fim: a sala tinha somente as luzes tremeluzentes das velas espalhadas pelas mesas.
De repente, uma explosão de alegria acontece: batem-se palmas, assobia-se, dizem-se ditotes. Nas mesas há copos e jarros de vinho… vinho tinto, nos pratos chouriço assado, pão, e nas tigelas fumega o caldo verde.
Ao fundo da sala, a um canto, alguém estava sentado, sempre calado, ninguém dava por ele. Era conhecido pelo “Embuçado”.
Quem seria?... pensou ela, estranhando tal figura. Esteve até ao final, e depois desapareceu, correndo viela abaixo. Somente o bater das suas chinelas na calçada se ouvia. Chegou a casa, deitou-se, dormiu; sonhou, cantou, bailou…
No dia seguinte, lá estava ela de sorriso nos lábios com as suas tranças negras. De cestinho no braço, ia apregoando e vendendo a quem passava, os seus raminhos de violetas. Ao entardecer, quando o sol vai baixando sobre os sinos que tocam nas igrejas, como de costume, sentou-se num degrau a ver passar as pessoas de um lado para o outro, de regresso às suas casas.
Quando deu por isso já tinha anoitecido. Teria de voltar a casa como sempre fazia, mas pensou para si: Vou passar outra vez por aquele sítio. Nesse dia tinha trazido um xaile muito bonito, ajeitou-o e colocou na cabeça uma rosa, que lhe tinham oferecido naquela manhã.
À noite chegando ao local, entrou, e sentou-se a uma mesa para, de novo, ouvir cantar o Fado.
Nesse dia o negócio tinha sido bom. Estava ansiosa por escutar as guitarras, que mais pareciam chorar ao serem tocadas. Naquela noite, alguém deu pela sua presença na sala.
Era quase madrugada quando Lisboa Menina saiu. Ia pensando na palavra “Saudade”, que era repetida em vários versos dos fados. De repente, olhou para trás, pareceu-lhe ter visto uma sombra. Não ligou, mas estava enganada: alguém a seguia dia e noite, noite e dia.
A vida modificou-se, até que uma noite ao entrar reparou numa pequena escada escura; tentou subi-la, deu de frente com uma porta meia aberta, bateu, ninguém…!
Avançou, acendeu um candeeiro e viu uma modesta sala, mas confortável, que tinha uma janela muito engraçada, feita de tabuinhas e que estava aberta; foi espreitar e viu-se rodeada de sardinheiras vermelhas; olhou para o céu e a lua já tinha chegado e com ela muitas estrelas.
Puxou uma cadeira e sentou-se: estava cansada. Olhou novamente o céu e pareceu-lhe ver escrita entre as estrelas a tal palavra “Saudade”… mas que se passa comigo, que coisa tão estranha?!... Adormeceu e só acordou quando os primeiros raios de sol lhe tocaram na cara. Levantou-se, repentinamente, e saiu pé ante pé e correu, correu até se perder no bulício da cidade, começando assim o seu dia de trabalho, apregoando as suas lindas violetas.
À tardinha pensou na salinha, de que tanto gostara, e de onde podia à vontade escutar o Fado. Chegou a hora do costume, e foi ao seu destino; mal sabia ela que continuava a ser seguida. Abriu a porta com o seu velhinho fecho, mas não conseguiu acender a luz: o candeeiro não estava já sobre a mesa.
De repente, olhou para um canto e viu uma vela acesa e junto a ela um vulto que se levantou e num passo estava junto a ela. Lisboa Menina ia começar a gritar, quando sentiu então uma mão macia a tapar-lhe a boca, e sussurrando aos seus ouvidos lhe pediu que tal não fizesse e que o acompanhasse, pois seria sua convidada nessa noite.
Desceram a escada e entraram para a sala por uma porta escondida. Diante dos seus olhos, Lisboa Menina viu uma mesa linda com dois castiçais, cujas velas iluminavam aquele canto. Sentiu um arrepio de medo, naquele momento só queria ir para casa. Depois de estarem sentados à mesa, ouviu-se uma voz que muito alto disse:
Disfarçado nota bem:
Que hoje não fique ninguém
Disfarçado nesta sala!
Perante o espanto geral, o disfarce foi tirado.
Era um Príncipe de Portugal!
Houve beija-mão real!
E depois cantou-se o Fado.
Lisboa Menina estava tão confusa e envergonhada que não tirava os olhos do Príncipe. Este, vendo que a sua amada estava quase a desmaiar, agarrou-a com todo o carinho e deu-lhe o mais doce dos beijos e ela só se lembra de lhe perguntar:
- O que é a “SAUDADE”?
Com toda a ternura, o Príncipe respondeu-lhe:
- NÃO SEI…
Ia alta a madrugada, quando no silêncio da viela rodava uma carruagem, que os levava para bem longe… Iiam felizes.
E ASSIM FOI LISBOA MENINA, DE BRAÇO DADO COM O SEU FADO, À PROCURA DA SAUDADE.
Azeitão, 08-02-2015
Carmo Bairrada
Pelas
ruas da cidade, caminham lado a lado conversando um com o outro.
-
Sou o fado, cantado na voz de muitos fadistas e na do próprio povo. Por vezes
até me chamam vadio.
Para
me ouvir ficam todos em silêncio. E à luz das velas, o olhar de quem me escuta,
brilha mais intensamente. Muitos escreveram e escreveram especialmente para
mim. Já ultrapassei fronteiras e levei na bagagem o nosso país a outros onde
sou especialmente admirado.
Hoje
sou património da humanidade, o que muito nos honra. Os xailes já não são tão
negros quanto outrora: tornaram-se mais leves e mais frescos. São muitos os que
não resistem ao meu encanto e a prova é a quantidade de fadistas jovens que
seguiram as pegadas dos mais antigos.
-
Eu, a saudade cantada nos teus fados, vivo silenciosamente no coração de muitos
e duvido que em qualquer altura da sua vida qualquer um não me tenha já sentido. Podes sempre
encontrar-me no olhar do emigrante, no brilho da lágrima indecisa, ou no que já
longe da sua juventude, a ela regressa sempre que me toca. Cada um tem a sua
importância e é ao olhar a luz belíssima da cidade, a incidir sobre o Tejo que
tu e eu, fado, somos inseparáveis. Escutamos os sons inconfundíveis do pregão
da varina, evocamos as meninas vendendo os seus ramos de violetas, que se
cruzavam com as alegres costureirinhas. E quando a guitarra trina ao
acompanhar-te, escuto o murmúrio do mar e o toque seco do maço do calceteiro
que ritmicamente batia as pedras da calçada que pisamos, sem pensar no amor e
no esforço com que no chão foram colocadas. Debruçamo-nos nas varandas dos
becos estreitos, onde dos estendais prende roupa artisticamente estendida.
Cúmplices
com os namorados, somos o fado e a saudade desta tão linda cidade, caminhando
lado a lado.
Adalberta 2015
“ O QUE HÁ DE ANIMAL EM NÓS
As fábulas são histórias fantásticas! Para
além de nos maravilharem, vêm lembrar-nos o quanto, nós humanos, fazemos parte integrante do reino
animal, ainda
que racionais… Cada um de nós associa-se, nem
sempre pela positiva, a um dos animais que as fábulas
descrevem. Ou pelaforça, ou pela arrogância, ou pela vaidade,
ou ainda pelo desejo de liberdade! Eu não fujo à regra… E é
consciente, que me identifico com um dos mais pequenos
seres da Natureza: a andorinha. Persistente, volta ao mesmo
lugar em cada primavera para retocar o ninho que por vezes o vento ou mesmo mão humana danificou… Vem de tão longe a
pequena ave, enfrentando a lonjura, as tempestades e sabe-se lá quantos mais perigos,
mas ainda assim gozando o direito de ser livre, voando pela imensidão do Universo. Como eu invejo
essa liberdade, amiga andorinha!... Eu, que por mais que deixe voar
o pensamento, não consigo alcançar a minha tão desejada
liberdade! Para mim, cada primavera é apenas mais um ano no calendário da vida… Enquanto tu conservas o negrume das belas
penas das tuas asas, as tempestades da vida vão transformando em
neve, os meus cabelos,” as minhas penas… “Vou a cada dia que passa retocando o Meu” ninho “ na esperança de que pela sua fragilidade,
os ventos da mediocridade humana, o não destrua por
completo…
É este contraste, que me une, que me identifica,
com a força, a liberdade e a tenacidade da humilde andorinha! Espero uma primavera
a cada ano em que nos voltemos a encontrar, cansadas, mas felizes por nos
voltarmos a ver. Cada uma de nós no lugar que nos está destinado: Tu no beiral
do telhado, abrigada das intempéries e eu ao sabor dos ventos
tempestuosos da minha vida de” humana racional e sonhadora”!...
Elita
Guerreiro* 12/2/2015
Elita Guerreiro *12/2/2015
Voa pelo céu imenso
Sobre o mar encrespado, tenso,
Sobre vales, sobre serras
E quase não poisa nas terras,
Que a cada Primavera
Com esperança a espera,
Como um símbolo de paz
De que só ela é capaz!
Veste luto em suas asas
E sobrevoa as casas,
Com seu corpo negro e frágil
Mas forte no voar ágil…
Que bela és andorinha,
Humilde e terna avezinha!...
Elita Guerreiro * 12/2/2015
“ LISBOA DE XAILE E LENÇO “
Lisboa de xaile e lenço
Que
percorres as vielas,
És
rainha, ou só eu penso?...
De
todas és a mais bela!
E
corres pelas calçadas
De
pedras negras e gastas,
E
olhas maravilhada
As
gaivotas e as fragatas1
Ai
Lisboa como és bela
E
como o Tejo te ama!
Tens
flores nas janelas
Colcha de renda na cama…
Vem
ao Cais da Ribeira
Onde
reina a algazarra,
Vem,
Lisboa feiticeira,
E
traz o fado e a guitarra!...
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