1. ESPARSA AO DESCONCERTO DO MUNDO
Os bons vi sempre passar
no mundo graves tormentos;
e, pera mais me espantar,
os maus vi sempre nadar
em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
o bem tão mal ordenado,
fui mau; mas fui castigado.
Assim que só pera mim
anda o mundo concertado.
Luís de Camões
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem – se algum houve – as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e enfim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto:
que não se muda já como soía.
Luís de Camões, Sonetos
3. in SERMÃO DO 1º DOMINGO DO ADVENTO
(...) Deste tudo que está sempre passando, é o homem não só a parte principal, mas verdadeiramente o tudo do mesmo tudo. E vendo o homem com os olhos abertos e, ainda os cegos, como tudo passa, só nós vivemos como se não passáramos. Somos como os que navegando com vento e maré, e correndo velocissimamente pelo Tejo acima, se olham fixamente para a terra, parece-lhes que os montes, as torres, e a cidade é a que passa; e os que passam, são eles. É o que disse o poeta: Montes, urbesque recedunt. Mas demos volta a esta mesma comparação, e veremos na Terra outro gênero de engano ainda maior. A maior ostentação de grandeza e majestade que se viu neste mundo, e uma das três que Santo Agostinho desejara ver foi a pompa e magnificência dos triunfos romanos. Entravam por uma das portas da cidade, naquele tempo vastíssimo, encaminhados longamente ao Capitólio: precediam os soldados vencedores com aclamações: seguiam-se, representadas ao natural, as cidades vencidas, as montanhas inacessíveis escaladas, os rios caudalosos vadeados com pontes: as fortalezas e armas dos inimigos, e as máquinas com que foram expugnadas: em grande número de carros os despojos e riquezas, e todo o raro e admirável das regiões novamente sujeitas: depois de tudo isto a multidão dos cativos, e talvez os mesmos reis manietados; e por fim em carroça de ouro e pedraria, tirada por elefantes, tigres, ou leões domados, o famoso triunfador, ouvindo a espaços aquele glorioso e temeroso pregão: Memento te esse mortalem. Enquanto esta grande procissão (que assim lhe chama Sêneca) caminhava, estavam as ruas, as praças, as janelas e os palanques, que para este fim se faziam, cobertos de infinita gente, todos a ver. E se Diógenes então perguntasse, quais eram os que passavam, se os do triunfo, se os que o estavam vendo, não há dúvida, que pareceria a pergunta digna de riso. Mas o certo é que tanto os da procissão e do triunfo, como os que das janelas e palanques os estavam vendo, uns e outros igualmente passavam, porque a vida e o tempo nunca param: e ou indo, ou estando ou caminhando ou parados, todos sempre com igual velocidade passamos. (...)
Padre António Vieira, Sermão do primeiro Domingo do Advento, V
4. FERMOSO TEJO MEU, QUÃO DIFERENTE
Fermoso Tejo meu, quão diferente
Te vejo e vi, me vês agora e viste:
Turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
Claro te vi eu já, tu a mim contente.
A ti foi-te trocando a grossa enchente
A quem teu largo campo não resiste;
A mim trocou-me a vista em que consiste
O meu viver contente ou descontente!
Já que somos no mal participantes,
Sejamo-lo no bem. Oh, quem me dera
Que fôramos em tudo semelhantes!
Mas lá virá a fresca Primavera:
Tu tornarás a ser quem eras dantes,
Eu não sei se serei quem dantes era.
Franciaco Rodrigues Lobo, Fénix Renascida, I
5. in CANCIONEIRO DE ESPÁRIZ
Tudo o que é verde seca
lá pelo pino do verão:
Tudo torna a renovar,
só a mocidade não.
in http://cvc.instituto-camoes.pt/bdc/etnologia/revistalusitana/20/lusitana20_pag_206.pdf
5. A VIDA É O DIA DE HOJE
A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura num momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave:
Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou,
A vida – pena caída
Da asa da ave ferida
De vale em vale impelida
A vida o vento levou!
João de Deus, Campo de Flores
VÍDEOS: http://www.youtube.com/watch?v=tTTdJ5FM1mY "Mudam-se os tempos...", José Mário Branco)
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