segunda-feira, 21 de março de 2011

SER / TER


XIII

O quarto planeta era o do homem de negócios. Estava tão ocupado que não levantou sequer a cabeça à chegada do príncipe.

- Bom dia, disse-lhe este. O seu cigarro está apagado.
- Três e dois são cinco. Cinco e sete, doze. Doze e três, quinze. Bom dia. Quinze e sete, vinte e dois. Vinte e dois e seis, vinte e oito. Não há tempo para acender de novo. Vinte e seis e cindo, trinta e um. Uf! São pois quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e dois mil, setecentos e trinta e um.
- Quinhentos milhões de quê?
- Hem? Ainda estás aqui? Quinhentos e um milhões de… eu não sei mais… Tenho tanto trabalho. Sou um sujeito sério, não me preocupo com ninharias! Dois e cinco, sete…
- Quinhentos milhões de quê? repetiu o principezinho, que nunca na sua vida renunciara a uma pergunta, uma vez que a tivesse feito.

O homem de negócios levantou a cabeça:

- Há cinqüenta e quatro anos que habito este planeta e só fui incomodado três vezes. A primeira vez foi há vinte e dois anos, por um besouro caído não sei de onde. Fazia um barulho terrível, e cometi quatro erros na soma. A segunda foi há onze anos, por uma crise de reumatismo. Falta de exercício. Não tenho tempo para passeio. Sou um sujeito sério. A terceira… é esta! Eu dizia, portanto, quinhentos e um milhões…
- Milhões de quê?

O homem de negócios compreendeu que não havia esperança de paz:

- Milhões dessas coisinhas que se vêem às vezes no céu.
- Moscas?
- Não, não. Essas coisinhas que brilham.
- Abelhas?
- Também não. Essas coisinhas douradas que fazem sonhar os ociosos. Eu cá sou um sujeito sério. Não tenho tempo para divagações.
- Ah! estrelas?
- Isso mesmo. Estrelas.
- E que fazes tu de quinhentos milhões de estrelas?
- Quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e duas mil, setecentos e trinta e uma. Eu sou um sujeito sério. Gosto de exatidão.
- O que fazes tu dessas estrelas?
- Que faço delas?
- Sim.
- Nada. Eu as possuo.
- Tu possuis as estrelas?
- Sim.
- Mas eu já vi um rei que…
- Os reis não possuem. Eles “reinam” sobre. É muito diferente.
- E de que te serve possuir as estrelas?
- Servem-me para ser rico.
- E para que te serve ser rico?
- Para comprar outras estrelas, se alguém achar.

Esse aí, disse o principezinho para si mesmo, raciocina um pouco como o bêbado.
No entanto, fez ainda algumas perguntas.

- Como pode a gente possuir as estrelas?
- De quem são elas? respondeu, ameaçador, o homem de negócios.
- Eu não sei. De ninguém.
- Logo são minhas, porque pensei primeiro.
- Basta isso?
- Sem dúvida. Quando achas um diamante que não é de ninguém, ele é teu. Quando achas uma ilha que não é de ninguém, ela é tua. Quando tens uma idéia primeiro, tua a fazes registrar: ela é tua. E quanto a mim, eu possuo as estrelas, pois ninguém antes de mim teve a idéia de as possuir.
- Isso é verdade, disse o principezinho. E que fazes tu com elas?
- Eu as administro. Eu as conto e reconto, disse o homem de negócios. É difícil. Mas eu sou um homem sério!

O principezinho ainda não estava satisfeito.

- Eu, se possuo um lenço, posso colocá-lo em torno do pescoço e levá-lo comigo. Se possuo uma flor, posso colher a flor e levá-la comigo. Mas tu não podes colher as estrelas.
- Não. Mas eu posso colocá-las no banco.
- Que quer dizer isto?
- Isso quer dizer que eu escrevo num papelzinho o número das minhas estrelas. Depois tranco o papel à chave numa gaveta.
- Só isto?
- E basta…

É divertido, pensou o principezinho. É bastante poético. Mas não é muito sério.
O principezinho tinha, sobre as coisas sérias, idéias muito diversas das idéias das pessoas grandes.

- Eu, disse ele ainda, possuo uma flor que rego todos os dias. Possuo três vulcões que revolvo toda semana. Porque revolvo também o que está extinto. A gente nunca sabe. É útil para os meus vulcões, é útil para a minha flor que eu os possua. Mas tu não és útil às estrelas…

O homem de negócios abriu a boca, mas não achou nada a responder, e o principezinho se foi…
As pessoas grandes são mesmo extraordinárias, repetia simplesmente no percurso da viagem.
in http://inatitude.wordpress.com/2008/01/08/o-pequeno-principe-capitulo-xiii/

(N. B. A tradução em Português de Portugal é mais bonita...)


POEMA XX

O Tejo é mais belo que o rio que corre na minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre na minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêm em tudo o que lá não está,
A memória das Naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.

Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior que o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro

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