segunda-feira, 2 de maio de 2016

"Ai, Dona Fea", João Garcia de Guilhade



Ai, dona fea! Foste-vos queixar
que vos nunca louv'en meu trobar;
mas ora quero fazer um cantar
en que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!

Ai, dona fea! Se Deus me pardon!
pois avedes [a] tan gran coraçon
que vos eu loe, en esta razon
vos quero já loar toda via;
e vedes qual será a loaçon:
dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei
en meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já un bon cantar farei,
en que vos loarei toda via;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!

João Garcia de Guilhade

Contra as Molheres

Esforça, meu coração, 
não te mates, se quiseres:
lembra-te que são mulheres.

Lembre-te que é por nascer 
nenhuma que não errasse; 
lembre-te que seu prazer, 
por bondade e merecer, 
não vi quem dele gostasse. 
Pois não te dês à paixão;
toma prazer, se puderes:
lembre-te que são mulheres.

Descansa, triste, descansa, 
que seus males são vinganças. 
Tuas lágrimas amansa, 
deixa-as às suas esperanças; 
que pois nascem sem razão 
nunca por ela lhe esperes:
lembre-te que são mulheres.

Tuas mui grandes firmezas, 
tuas grandes perdições, 
suas desleais acções, 
causaram tuas tristezas. 
Pois não te mates em vão, 
que quanto mais as quiseres 
verás que são as mulheres.

Que te presta padecer? 
que te aproveita chorar? 
pois nunca outras hão-de ser, 
nem são nunca de mudar.
Deixa-as com sua nação;
seu bem nunca lho esperes:
lembre-te que são mulheres.

Não te mates cruamente 
por quem fez tão grande errada; 
que quem de si se não sente 
por ti não te dará nada. 
Vive lançando pregão, 
por onde fores e vieres, 
que são mulheres, mulheres.

Espanha foi já perdida 
por le-Tabla uma vez, 
e a Tróia destruída 
por males que Helena fez. 
Desabafa, coração, 
vive, não te desesperes; 
que o que fez pecar Adão 
foi a mãe destas mulheres.

Jorge Aguiar (séc. XV-XVI)

2. Cantiga

MOTE

Coração, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...

VOLTAS
Tão tirana e desigual
Sustentam sempre a vontade,
Que a quem lhes quer de verdade
Confessam que querem mal;
Se Amor para elas não val,
Coração, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...

Se algua tem afeição
Há-de ser a quem lha nega,
Porque nenhüa se entrega
Fora desta condição;
Não lhe queiras, coração,
E senão, olha o que queres:
Que mulheres, são mulheres...

São tais, que é melhor partido
Para obrigá-las e tê-las,
Ir sempre fugindo delas,
Que andar por elas perdido;
E pois o tens conhecido,
Coração, que mais lhe queres?
Que, em fim, todas as mulheres!


Francisco Rodrigues Lobo ( 1579-1621

Se fosse bela, formosa
Era mais fácil cantar,
Assim, queixa-se pesarosa
Que a não” louv`en seu trobar”!
É mais fácil dizer mal…
Mesmo assim, por teimosia,
Escarnecendo ao cantar
“Vos loarei toda via”

E repete sem cessar
Por escárnio e ironia,
“Quero fazer um cantar
D. fea, velha e sandia!”
E vai cantando o trovador
Em versos de maldizer,
Que não são versos de amor
Mas sim de escarnecer!...

Elita Guerreiro


Quero ir à romaria

« Ó i ó ai quero ir À romaria
   Ó i ó ai para ver o meu amor
   Ó i ó ai empresta-me o teu chapéu
   Tenho medo do calor»

« Ó i ó ai já com esta são três vezes
   Ó i ó ai que aqui passo à tua rua
  Ó i ó ai tens sempre aporta fechada
  Não sei que vida é a tua »

« Ó i ó ai as raparigas de hoje
  Ó i ó ai já não ganham para os lençóis
  Ó i ó ai levantam-se à meia noite
Para fazer os caracóis»

« Ó i ó ai esta noite chove papa
   Ó i ó ai ó moças tragam colheres
   Ó i ó ai  quem quiser ouvir mentiras
   Ponha-se ao pé das mulheres»

« Ó i ó ai já corri o mundo todo
   Ó i ó ai nas asas de uma cegonha
   Ó i ó ai não se pode confiar nas mulheres
  Que elas não têm vergonha»

« Ó i ó ai quero ir à romaria
  Ó i ó ai para ver o meu amor
  Ó i ó ai empresta-me o teu chapéu
  Tenho medo do calor»

Excerto da cantiga do Grupo coral de cantares regionais de Portel 


Adalberta

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