Correspondendo ao simpático convite do CVA, Colectivo de Valorização Artística de Azeitão, a turma de Literatura da USAz participou com trabalhos inéditos sobre o tema do Natal.
Aqui vo-los deixamos.
Os pezinhos do Menino Jesus
(recordação de Natal)
Ia eu nos meus três anos e
meio, e o papá era um artista …
O
costume era que, na manhã de dia 25 de Dezembro, fossem deixados presentes do
Menino Jesus na chaminé: os olhos das crianças brilhavam de excitação e
expectativa na noite da consoada, ao porem os sapatinhos na beira da lareira ou
do que disso servisse…
Muito
palavreado era preciso para as convencer a ir para a cama, tal era o desejo de
ficarem ali à espera que aparecesse o dito Menino!
Pensavam
os pais, em geral, e os meus também devem ter pensado: “não vai adormecer tão
cedo”…
Mas
criança é anjo e eu, tal como um anjo adormeci!
Depois
da ceia, o papá tinha dito: “vamos pôr uma almofadinha no chão da lareira,
porque é muito gelado e o Menino Jesus iria ter muito frio nos pezinhos ao
tocá-lo quando vier trazer os presentes”, e fez-me tocar com as mãos o tijolo,
para eu me dar conta de como seria desagradável tal facto!
Assim foi feito: uma pequena almofada branca foi posta
ali à beira, depois de arredados os fogareiros a carvão que lá moravam
habitualmente, com o meu sapatinho de verniz à frente (francamente não me
lembro se havia outros sapatos à espera de prendas, mas lembro-me bem dos meus,
com a presilha de botão…!)
Na
manhã seguinte, assim que os vapores do sono me abandonaram, foi uma grande
correria escada abaixo e pelo longo corredor que levava à cozinha onde a enorme
lareira parecia um trono:
arregalaram-se-me
os olhos e fiquei com o fôlego suspenso…
Havia
prendinhas, sim, no meu sapatinho de verniz, mas quase nem as vi: o que vi foi
a almofadinha branca e, nela marcadas, as pegadas de dois pezinhos sujos da
fuligem da chaminé, tão pequeninos como os meus sapatinhos…
Hoje
sei que o papá era um artista!
Mercedes Ferrari, Outubro 2017
CONSOADA
Consoada. O céu estrelado…
Entra a lua pela janela
E o céu aveludado
Torna esta noite mais bela.
Esvoaçam as cortinas
Das janelas entreabertas,
As faíscas são meninas
Crepitantes, irrequietas.
Desprende-se do madeiro
Um calorzinho fagueiro.
A mesa posta a rigor…
Arroz doce, rabanadas…
As crianças com amor
Abrem os olhinhos, espantadas.
Dorme jesus pequenino
No presépio iluminado,
O festejado Menino
De tudo tão alheado!...
Ah! Como é bom ver as esperanças
Nos olhos ternos das crianças!
Elita Guerreiro, 25.10.2017
REGISTOS DE AFECTO
Montagem sobre pano de "registos" da autora
Adalberta Marques
A
MENSAGEM DE CRISTO NÃO PASSOU…
Acontecia uma aula de Literatura. Falava-se da época
natalícia e liam-se excelentes trabalhos, alusivos ao Natal, escritos pelos
mestres: Torga, David Mourão-Ferreira, Fernando Pessoa, Natália Correia e
outros. No final, fomos desafiados a escrever algo sobre o Natal. Bem simples e
criativo, pediu a professora.
Quando me disponibilizei para responder ao desafio, ocorreu-me
uma conversa que tive, quando falava com uma professora amiga.
Perguntei-lhe, a certa altura, como decorriam as aulas?
- Tudo normal! – respondeu ela, com aparente satisfação.
- O que significa esse ar alegre? – Insisti eu.
- Tenho uma nova tarefa entre mãos, confessou. Trata-se de conseguir produtos alimentares a
troco de trabalhos feitos pelos meus alunos. Posteriormente, preparo cabazes e
entrego os mesmos a famílias carenciadas.
Comprei a ideia de imediato e, por isso, no dia seguinte deixei
na portaria da escola alguns produtos alimentares, que previamente havia
adquirido.
A minha amiga agradeceu e informou-me que já tinha programado
a entrega de dois cabazes para a semana seguinte.
Entretanto, e dado que estávamos em Outubro, dei comigo a
pensar que a generosidade, típica da época natalícia, bem poderia estender-se a
todo o ano.
Afinal, a dimensão universal da palavra de Cristo é demasiado
grande, para caber num só dia de Dezembro.
Depois, a minha imaginação foi mais longe. Essa “viagem” permitiu-me
perceber o quanto é redutor ficarmos confortáveis com ações, esporádicas, de
cariz generoso ou caritativo, tal como a que acima descrevo.
Afinal, todos temos direito a parte igual de todo o bolo
disponível. E, se assim fosse, a satisfação dos direitos das pessoas carenciadas
esvaziaria o balão da caridade, sem ferir o necessário amor pelo próximo ou o
altruísmo saudável.
Porém, esse não é o entendimento e a prática comum entre
todos nós.
Se nos fixarmos, por exemplo, na frase de Cristo: “Ama o
próximo como a ti mesmo”, constatamos que aquela ideia está bem longe de ser
seguida.
Assim, lamentavelmente, e já lá vão mais de 2000 anos, podemos
dizer que a mensagem de Cristo não
passou, contrariamente ao que Ele, por certo, muito deve ter desejado…
Fernando Amaral –
Outubro de 2017
O que é o NATAL?
São todos os dias da nossa
vida.
Monólogo com Jesus pelos trilhos do
Inverno
Se tu olhares para dentro de mim
nada encontras senão um desejo:
o de me tornar uma pessoa melhor
a cada dia que passa.
Para
isso, dá-me um coração
e uma força igual à
tua,
e poderei
cumprir todo o teu querer,
dando
a mão, se puder, aos que têm
menos
que eu.
Ajuda-me
a saber perdoar… sou uma revoltada,
porque
os Homens não sabem o que fazem.
Enche-me
do teu espírito, para poder
continuar
a caminhar, não aos zigue-zagues,
mas a
direito, para ainda hoje me juntar à família e
amigos
nesta noite, que é de todos… a noite de Natal.
Faz
com que consiga chegar a tempo de me ajoelhar
perante
ti e beijar o teu pequenino pé.
Sei
que estás à minha espera,
na
capelinha da minha aldeia,
que
fica para lá destas serras,
Onde
as poucas pessoas, que lá vivem, nos
continuam
a transmitir os seus valores ancestrais:
do
amor à Natureza, do Bem, do Bom e do Belo.
A
noite aproxima-se e o caminho está no fim.
Jesus,
Cheguei!
Obrigado
por me teres dado o melhor presente que até hoje
recebi:
ter a oportunidade de ver ” o teu sorriso e o teu olhar”.
Lá
fora o frio é muito, uma estrela brilha e a neve continua a cair…
Carmo Bairrada, 19.10.2017
Natal 2017
O
que é o Natal? Uma fábula, uma lenda, uma história de encantar? Uma fantasia
para crianças, como uma estrela a brilhar?
Estará
o natal num presépio, ou numa imagem, em que misteriosamente fingimos
acreditar?
Ou
será a magia do pai natal, com as renas pelo céu a voar e com muitos presentes
para dar?
Talvez
seja, somente, uma doce ilusão consentida.
Quem nunca acreditou, ainda que fosse por um
só dia…
Eu
acredito! Mas tenho pena que o Menino Jesus já não venha pela chaminé, como em outra
noites, depois de eu me deitar…
Dizemos
que o natal é das crianças!
Que
pena! Excluímo-nos a nós…
Eu
incluo todos, que hoje são avós,
Vivem
e revivem velhas lembranças…
E
por um sorriso de pura felicidade
Pagam
a festa, dão os brinquedos,
Contam
histórias e velhos segredos.
Quase
lacrimejando a sua mocidade…
Saudosos
de cada natal que foi seu
E
da alegria com que os viveram,
Lembram
esse passado que morreu
E
a tradição que no tempo se perdeu.
Ensejos
de amor como só eles tiveram…
Hoje,
incrédulos pelos meninos da rua,
Sem
lar, sem um afago, para adormecer,
Sem
um carinho ou uma afeição…
Com
um natal tão triste, sem pão,
Como
pode o menino jesus nascer?!...
Fernando Sousa
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