segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Taça de Chá, Almada Negreiros

   A TAÇA DE CHÁ

O luar desmaiava mais ainda uma máscara caida nas esteiras bordadas.  E os bambús ao vento e os crysanthemos nos jardins e as garças no tanque, gemiam com elle a advinharem-lhe o fim. Em róda tombávam-se adormecidos os idolos coloridos e os dragões alados.
 E a gueisha, procelana transparente como a casca de um ovo da Ibis, enrodilhou-se num labyrinto que nem os dragões dos deuses em dias de lagrymas.
E os seus olhos rasgados, perolas de Nankim a desmaiar-se em agua, confundiam-se scintillantes no luzidio das procelanas.
Elle, num gesto ultimo, fechou-lhe os labios co'as pontas dos dedos, e disse a finar-se: — Chorar não é remedio; só te peço que não me atraiçoes emquanto o meu corpo fôr quente. Deitou a cabeça nas esteiras e ficou. E Ella, num grito de garça, ergueu alto os braços a pedir o Ceu para Elle, e a saltitar foi pelos jardíns a sacudir as mãos, que todos os que passavam olharam para Ella.
Pela manhã vinham os visinhos em bicos dos pés espreitar por entre os bambús, e todos viram acocorada a gueisha abanando o morto com um leque de marfim.
A estampa do pires é igual.

NEGREIROS, Almada,  "A taça de chá", in Frisos - Revista Orpheu nº1
(ilustrações: Narrativa fotográfica para "A Taça de Chá" de Almada Negreiros, por Ana  Machete, Carmo Bairrada e Manuel Valinho...)
[Cf. edição digital da revista Orpheu I, onde está inserido este texto: dá para consultar e imprimir, se quiserem]

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