domingo, 8 de abril de 2018

Para uma análise do conto "Farrusco" in Bichos, Miguel Torga



Os Bichos de Miguel Torga –
Reflexão sobre o conto “Farrusco”

Este conto fala-nos sobre os sentimentos de uma jovem apaixonada, que aspira ardentemente ao casamento. Durante a leitura ficamos encantados, tal a força e a autenticidade das palavras e dos diálogos. Por essa razão faz todo o sentido revisitar o texto. Diz assim o primeiro parágrafo:
Dentro da poça do Lenteiro, há rãs. Naquela água coberta de agriões e de juncos moram centenas delas. Mas à volta, na sebe de marmeleiros, silva-macha e alecrim, vive Farrusco, o melro. Sabe-se isso desde que, em certo entardecer de Agosto, a Clara perguntou ao cuco que se pousara num pinheiro em frente: - Cuco do Minho, cuco da Beira: quantos anos me dás de solteira? ...”
·        Nestas primeiras linhas, podemos identificar as três personagens principais do conto, a saber: o melro “Farrusco”, que é o protagonista, e representa a personagem que ajuda Clara (a menina que sonhava com o casamento). O cuco que representa aquele que engana e brinca com os sentimentos da Clara. A Clara que, tal como já dissemos, desejava casar e depressa.

 Falemos um pouco sobre cada uma dessas personagens:
O melro “Farrusco” é uma personagem simpática, com apetência para ajudar os outros. Miguel Torga escolhe uma ave de penas escuras, cor normalmente conotada com a maldade e a má sorte, para principal personagem. A opção do autor poderá ter ocorrido, porque os melros são aves muito simpáticas e com um canto melodioso, muito bonito e apreciado. Convém também referir, para reforçar o que acima dissemos, que o melro e a sua plumagem negra, têm inspirado muitas cantigas populares, sendo que os próprios Beatles, na sua canção “Blackbird”, se inspiraram no “melro-preto”. O melro é assim uma ave muito popular, muito próxima do homem, e daí, também, a existência de numerosas referências a ditados populares portugueses, tais como: “cada tiro, cada melro”, “melro que pia, o poiso denuncia”, “melro de bico amarelo, come a semente e o farelo” etc.
Já o cuco representa uma personagem com muita “malandrice”. O cuco é uma espécie parasita que, em vez de construir o seu próprio ninho, deposita os seus ovos nos ninhos de outras aves. Também os seus filhotes praticam uma estratégia maldosa já que, ao nascerem, empurram para fora do ninho os recém-nascidos autênticos, tomando-lhes o lugar.
Quanto à Clara, é uma personagem que representa uma mulher apaixonada que tem como principal ambição o casamento. Procura o cuco para aferir o tempo em falta para a boda. Este brinca e “responde-lhe” com um número de anos excessivo que a deixou de rastos e “desapontada”. Não fora a acção solidária, e simpática, do melro e o sofrimento da rapariga teria atingida níveis de tristeza extremos. As suas gargalhadas desmontaram a safadeza do cuco. Clara percebeu e “voltou à vida”, imitando o Farrusco com uma risada de esperança...
Hoje, o casamento, ao contrário da época em que este conto foi escrito, já não será central na vida de uma mulher. O mesmo não poderemos dizer das restantes mensagens contidas na história. Afinal, os que ajudam o próximo e aqueles que procuram o seu sofrimento, de forma deliberada, continuam a existir nos nossos dias.

Fernando Amaral
Março de 2018

                          
«FARRUSCO»

O conto intitulado «FARRUSCO» é um poema bucólico escrito em prosa.
Tendo como tema uma rapariga solteira, de nome Clara, que resolve perguntar a um cuco quantos anos faltavam para se casar e obtém como resposta, travessa e trocista, o prazo de três anos, Miguel Torga desenvolve um conto repleto de poesia, em que se exalta a beleza da Natureza e se enaltece a alegria e fraternidade de todos os seres vivos.
A resposta do cuco, traduzida em três anos, encheu Clara de desânimo e melancolia. E estes sentimentos acentuaram-se mais profundamente quando a rapariga repetiu a pergunta e o cuco aumentou o número de anos, com inúmeros piares. Clara ficou mergulhada em profunda amargura.
Mas, na Natureza em festa, não podia haver lugar para a tristeza ou desilusão.
Todos os seus elementos se juntaram entoando um hino à Vida e prestando-lhe homenagem, cada um com a sua simplicidade e a sua arte.
Farrusco é o melro que desmente a falsidade das respostas do cuco com sonoras e sadias gargalhadas, que desfazem toda a tristeza e desalento que se haviam apoderado de Clara.
Ela própria, com a força da sua juventude e influência da imensa Felicidade cósmica circundante, recupera o ânimo. Junta-se à alegria do melro, soltando também uma gargalhada cristalina e contagiante que restabelece a harmonia da Natureza, momentâneamente suspensa e perturbada pela travessura de um cuco mentiroso.


                                                        Maria Leonor Marques

                                                               4 de Março de 2018



O Cuco Mentiroso
 (Interpretação de «Farrusco», conto de Miguel Torga)

No Lenteiro - um pego cheio de rãs e que baladas tão sãs! - agriões e juncos conviviam pacificamente com muitas delas… o negro melro vivia entre alecrim, silvas e marmeleiros.
À tardinha, curiosa, «Clara» perguntou ao Cuco que em frente pousara :
- Cuco da ribeira, quantos anos estou solteira?
Muito gira!... E o malandro que a mirou três vezes cantou…
Não podia ser. Se «Rodrigo» daí a dias era livre para levá-la ao altar, o Cuco só podia mentir. Dirigiu-se à bisbilhoteira do sítio a contar-lhe. Como era mouca, gritou-lhe :
- Eu não lhe dizia?
- Certamente ouviu mal!...
- Antes não tivesse ouvido! Contei-os correctamente…
De negro vestido, o melro começou com sonora gargalhada o concerto, rasgando o silêncio da tarde sobre o qual a tristeza da mulher se estendeu. Tudo mudou!
O riso do cantor envolveu a natureza. Dado o mote, ninguém ficou indiferente e todos os «bichos» trautearam. A solidariedade estendeu-se a todos, tal como a alegria. Já recomposta, Clara perguntou novamente:
- Cuco da ribeira, quantos anos estou solteira?
 E o velhaco repetiu quatro vezes a mesma cantilena que parecia não findar. Como miríades de estrelas o céu tem, dava ele outros tantos anos de solteira à rapariga. Desiludida, voltou ao lameiro, «às ervas daninhas». Amuada!... as horas corriam… as previsões astrológicas da bisbilhoteira falharam, tentando em vão animar Clara . A noite vinha com pezinhos de lã compactuar com aquela tristeza, porém «Farrusco» solidário por natureza saltou da sebe e gargalhou novamente. Havia tal promessa e tão sadia que a rapariga se animou. Somando a sua alegria à do melro, as gargalhadas ficaram suspensas na natureza: um hino à vida que todos devemos cantar…
- Raios partam o mentiroso, «tia Isaura», se o negro melro se riu !...
- A tudo acham graça, malandros!
A noite ia embaciando o céu. «Farrusco» fechava os olhos com mansidão. Sua mãe ensinara-lhe que de noite só andam os «bichos», a cada noite mal dormida é menos um ano de vida. Tranquilamente, adormeceu a pensar: amanhã é outro dia, tenho que rir outra vez, se outra bisbilhoteira acreditar novamente nas mentiras do cuco.
Se não tivessem adormecido também, talvez os outros bichos lhe pedissem para abrir a negra batina e nela colocassem vários crachás, homenageando-o porque devolvera a alguém a alegria e a esperança.
Mas como todos já dormiam no «Lenteiro»…

Adalberta Marques

“BICHOS” DE MIGUEL TORGA
 «FARRUSCO», o Melro 

Miguel Torga terá dado o nome de Farrusco à personagem do Melro, talvez pela sua cor preta.

Como é seu hábito, nesta obra, o Autor põe em paralelo as pessoas e os bichos.
Neste conto, existem as pessoas que enganam e as que ajudam.

O Cuco que tira a ilusão a Clara, quando esta lhe pergunta quantos anos faltam para casar e o Cuco lhe responde Cuco…Cuco…Cuco…”, representa o engano, enquanto o Melro, que auxilia a jovem com a alegria do seu canto, representa a prática da ajuda.

Neste conto, existe uma “brincadeira”, todo um “jogo”- que parece um pouco maldoso - com os sentimentos da jovem apaixonada, o que faz com que o leitor prefira o Melro ao Cuco. É a voz do incentivo contra a voz do agouro!

Qual a importância que tem para Clara o casamento?
Clara quer casar, para ela é um dado sério e relevante para a sua vida futura, por isso ela questiona novamente o Cuco.

“Cuco do Minho, Cuco da Beira quantos anos me dás de solteira” (pág. 105)
Clara, pela forma como sente a paixão ou pela sua própria idade, representa o sentimento de insegurança de qualquer ser humano. Tanto se deixa levar pelas respostas do Cuco, como pelo canto e gargalhadas do Melro… discórdia fresca e saudável, que leva a jovem a optar por seguir o Melro, soltando também ela uma valente gargalhada. Um hino à  juventude e à sua esperança de futuro, em harmonia com o bem-querer que a rodeia…

“Um segundo a natureza esteve suspensa daquela gargalhada. A vida homenageava a vida.” (pág. 108)

Azeitão, 30-05-2018

Carmo Bairrada

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu gostei deste conto porque esta muito bem escrito e o conto esta muito giro.