sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

"Sedia la fremosa seu sirgo torcendo", Estevam Coelho


CANTIGA DE FIAR
Sedía la fremosa seu sirgo torcendo,
sa voz manselinha fremoso dizendo
     cantigas d'amigo.
Sedía la fremosa seu sirgo lavrando,
sa voz manselinha fremoso cantando
     cantigas d'amigo.

-Par Deus de Cruz, dona, sei eu que havedes
amor mui coitado, que tan ben dizedes
     cantigas d'amigo.

Par Deus de Cruz, dona, sei eu que andades
d'amor mui coitada que tan ben cantades
     cantigas d'amigo.

-Avúitor comestes, que adevinhades.

 Estevam Coelho

ESTAVA A FORMOSA SEU FIO
TORCENDO

(Tradução de Cleonice Berardinelli)

Estava a formosa seu fio torcendo,
Sua voz harmoniosa, suave dizendo
Cantigas de amigo.

Estava a formosa sentada, bordando,
Sua voz harmoniosa, suave cantando
Cantigas de amigo.

- Por Jesus, senhora, vejo que sofreis
De amor infeliz, pois tão bem dizeis
Cantigas de amigo.

Por Jesus, senhora, eu vejo que andais
Com penas de amor, pois tão bem cantais
Cantigas de amigo.

- Abutre comeste, pois que adivinhais.

“FIANDO SONHOS”

Tive uma roca e um fuso
E aprendi a fiar,
Seda? Não, não era uso,
Só linho de trabalhar!

Porque o pobre veste linho
Teci fios sem cessar,
Lentamente de mansinho
Fui-me deixando enredar!

Cantei cantigas de amigo
Sem saber que existiam,
Fui-as guardando comigo
Os que as ouviam sorriam!

Por onde anda o meu fuso
Que tanto linho teceu?
A vida é um parafuso
Cuja rosca já moeu!...

Inspirado na “Cantiga de Fiar”
Da autoria de Estevam Coelho.
Elita Guerreiro*26/1/2016


MULHERES NA IDADE MÉDIA: - A Emancipação pelo Trabalho,
e o aparecimentos das Cantigas de Fiar ou Tecer

Existe este verso, que diz:
”Enquanto Adão cultivava  a Eva tecia, quem era então o Senhor?”

Este verso do revolucionário inglês John Ball  ilustra bem como as sociedades medievais realizavam uma repartição de tarefas de acordo com o sexo, reservando às mulheres os trabalhos domésticos e subalternos, e se o casal era o núcleo da actividade económica ,o trabalho feminino era um complemento do trabalho masculino. (Imperava portanto, a injustiça e a desigualdade social).



A)- Curiosidades Sociológicas

           
            1) – As Mulheres no mundo rural
            No mundo rural, as mulheres tinham um papel importante no trabalho      dos campos, mas não desempenhavam as funções dos homens, não faziam o plantio das sementes, quer por razões físicas, quer por razões simbólicas, (Exº. como a Terra representa a“mulher”, ao homem cabia a tarefa de fecundá-la). Por outro lado, elas ceifavam os cereais, colhiam    uvas, cuidavam dos rebanhos, ordenhavam as vacas ou as cabras, faziam a manteiga e o queijo,etc…

           
           
           
            2) – As Mulheres nas Cidades
            O procedimento nas cidades era idêntico ao dos campos;existiam ateliers de comerciantes e artesãos. As esposas cuidavam dos   estabelecimentos e muitas vezes,se tinham instrução,também ficava a seu cargo a parte económica, ou seja, o dinheiro dos negócios, dependendo sempre dos maridos; porém, elas dirigiam os empregados e         os aprendizes.
           
            Se a divisão de tarefas nestes dois mundos se diziam sexuadas, porque existiam tarefas especificamente femininas, que se  encontravam em especial na indústria téxtil, que teve um grande desenvolvimento nos séculos XIII e XIV, após a mecanização aparecer, as mulheres foram relegadas para segundo plano: não exerciam tarefas como a tecelagem e a fiação de tecidos, uma vez que, não podiam ter outras tarefas mais pesadas.
            Segundo o “Livre des Métiers” (Livro dos Oficios) de Étienne  Boileau,surgiram 110 corporações, e nelas, cinco ofícios exclusivamente, no ciclo da seda: “Fiandeiras”em grandes e pequenos fusos,”Tecelãs” e Fazedoras”de chapéus;no sector têxtil, o    trabalho feminino era mais diversificado, com a presença das mulheres      em ctividades como costura, bordado e negócio de roupas usadas.
           
            A Confecção de tecidos era um ramo que se expandia. A partir da  contribuição das mulheres em tal oficio, os cargos atrás indicados mais as “Trançadoras”e as “Tosquiadoras”começaram a ser encabeçadas por elas, apesar do baixo salário que lhes era atribuido.Os obreiros da lã e da seda eram geralmente pobres , mal vestidos  e de mãos  estragadas.
           
            A divisão de trabalho ainda não era o mal maior da sociedade, porque     começaram a trabalhar em grande produção, ou seja, desde a matéria- prima atá ao             acabamento.Assim os trabalhos mais delicados mereciam  mais atenção.
            Não só era a seda o material nobre por excelência, como a própria ocupação de fiar era monopólio das donzelas e das damas nobres.
           
            A arte de tecer era muito valorizada pela nobreza; exigiam das fiandeiras um espaço de trabalho reservado, uma vez que lidavam com fios de ouro e outros materiais caros.
           
            O Trabalho das fiandeiras era executado num ambiente mais doméstico,mais refinado e, por sua vez mais confiável.A função de costureira passou a ser realizada por donzelas da camada mais elevada, “enobrecendo, assim, o ofício”.



B) – Chanson de Toile: A influência do ritmo das cantigas de trabalho medievais

Foi naqueles lugares a que poetas e trovadores tinham acesso, que foram feitas as “Cantigas de Fiar”, que são pequenos poemas narrativos com refrão, que contam tormentos e alegrias de solteiras e casadas, que eram narrados na terceira pessoa, com frequência de refrão na primeira pessoa.
Havia o hábito das mulheres cantarem enquanto trabalhavam, por isso foram chamadas “Chanson de Toile”, (ou Cantigas de Tecer), termo Provençal que veio, precisamente, da Provença/França. A definição do género está incluida nas Cantigas de Amigo.[ A Palavra-chave para este estilo de versos é o Ritmo. ]

C) –BREVE ANÁLISE DE:-“SEDIA LA FERMOSA SEU SIRGO TORCENDO”
(Autor do Poema Estevam Coelho)

A repetição, diz Combarieu, é a “base do ritmo .
O ritmo da “fremosinha” acompanha o ir e vir de um tear ou de uma roda de fiar. É necessário reconstruir na imaginação o ritmo imemorial da fiandeira: disposta em 4 estrofes de 3 versos. Consideremos, em princípio, o movimento de uma roca, - o ritmo dos versos é calmo, à semelhança do trabalho ser mais lento.
Nesse raciocínio usando as mãos e os pés, o ritmo do movimento seria com três partes do corpo (dois movimentos de mãos e um movimento de pés).
Ou seja: 1,2,3  1,2,3  1,2,3 , assim como a métrica da cantiga. A fiandeira fazia girar o fuso com a ajuda de um pedal que acionava uma roda e conservaria as suas mãos livres para torcer os fios.
No entanto , pensar no movimento da “fremosinha”, num tear horizontal, o mais usado na época por ser mais produtivo, parece ainda fazer mais sentido, uma vez que o princípio do seu funcionamento é composto por três fases como base e mais uma para finalização, que daria 1,2,3   1,2,3   1,2.3   1,2,3,4, aproximando-se mais do ritmo da cantiga de Estevam Coelho.
Finalmente a métrica destas cantigas é complexa, talvez porque até hoje sempre foram vistas como cantigas menores, por pertencerem a uma subdivisão das Cantigas de Amigo,onde as mulheres têm voz , apesar de não escreverem, parece ser de fundamental relevância para o entendimento e o contexto das mesmas.
A poesia trovadoresca, a primeira manifestação literária em língua portuguesa,  apresenta alguns elementos distintos da poesia Provençal,como a adopção do paralelismo e a forma como utiliz os recursos aos temas do amor cortês.
Pode-se verificar, que no poema de Estevam Coelho:

a) Há uma estrutura de Paralelística:Paralelismo Imperfeito.

b) O verso 8 refere-se a um “amor mui coitado que tan bem dizedes”, como sendo eventualmente pronunciado por uma voz masculina.

c) As rimas “torcendo / dizendo” e “lavrando / cantando” aproximam o trabalho do canto, e o som indicando um crescendo da história, musicalidade dos sons, e do ritmo.Devido aos versos estarem conjugados no gerúndio, esta conjugação verbal dá uma ideia de continuidade, do fluir temporal e cadenciado dos trabalhos (fiar, cantar). Fluir que também é aprofundado pelo encavalgamento da estrofe com o refrão; exº. “que tan bem dizedes”/ cantigas de amigo

d) No verso inicial - Sedia la fremosa seu sirgo lavrando”- faz-se o elogio das habilidades manuais da amada, de acordo com o espírito do amor cortês.


Nota: No que respeita ao último verso:
            “Avúitor comestes, que adevinhades”


 “Abutre comestes porque adivinhastes” : aqui o abutre representa um acto de adivinhação; no contexto é como se fosse uma brincadeira, visto que a donzela considerou que o poeta (essa eventual voz masculina de que falámos atrás) é uma espécie de vidente, por ter descoberto o seu sofrimento de amor.

Trabalho retirado (com várias alterações feitas) dos seguintes links:



MOBA Interna Edital Nº. 03/2009

Carmo Bairrada

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