segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

"Encarcerar a asa", Sebastião da Gama



(http://usazeitaoliteratura.blogspot.pt/2013/10/sebastiao-da-gama-percurso-ii-liberdade.html)

ENCARCERAR A ASA
Encarcerar a asa é encarcerar a alma. Isso sim. É que há muita asa que não pensa; asas que não sintam é que não. 
Mas eu não preciso de símbolo para me negar a ver os pássaros na gaiola. Basta-me ser fraterno. Para que vivemos  no Mundo há tanto tempo se não sabemos ainda que os bichos são criaturas com almaAté os das fábulas, quando calha… Ora pensem lá um bocadinho no «Leão Moribundo»… É leão mesmo ou é principalmente um leão. Quantas vezes se esquecem os fabulistas de que era dos homens que queriam falar! 
Asa encarcerada, não. Nem asa de pássaro, nem asa de grilo. Uma fê-la o Senhor e disse-lhe «Voa!» À outra:
«Canta!» A nenhuma (nem a nós deu a ordem, claro está) que se metesse numa gaiola. No entanto é a gaiola domicílio muito habitual do pássaro e do grilo. Ao grilo prendem-no as crianças, sob o sorriso dos pais. Ao pássaro os pais, sob o sorriso dos filhos. Má escola esta. Principalmente porque se diz depois: «Que bem canta!, que bem canta!» Nem se chega a aprender a diferença que vai do canto ao choro. Pois um pássaro encarcerado, ou um grilo, canta lá!?…Os pássaros cantam é nas linhas do telefone, nas árvores, na beira dos telhados… Os grilos é na toca ou ao pé da serralha. Na gaiola choram. É o fado dos ferros.
Mas os que abriram a grade não entendem! Se eles abriram a grade!… E vá de não perceber que o fato preto do grilo já é outro, já não é o seu fato de trazer: o grilo agora está de preto, porque está de luto. De luto por si mesmo.
Os meus vizinhos têm um bicho numa gaiola. Um pintassilgo. Pois se eu andasse zangado com a Vida, que não ando (apesar de tanto mal que me tem feito, há tantas coisas boas que a Vida dá e me dá!), era por causa do pintassilgo que me reconciliaria com ela. Com ela e com os homens – se eu andasse zangado com os homens… Era ao lusco-fusco. Frio como só cá no meu Estremozinho. Batem à porta, vou ver. Uma velhinha. «Ó senhor, o pintassilgo é seu? É para o recolher, que o animal apanha muito frio.»
Ó velhinha santa, velhinha dos livros! Naturalmente, se te estivesse à mão a gaiola, soltavas o pintassilgo. Mas o que pudeste fazer é tão grande! Não sabes duas letras, provavelmente. E ainda se persiste no erro de que a grande desgraça é não saber ler. Qual coisa! A grande desgraça é não saber que os pássaros têm frio.
Estremoz, 25/1/52
Sebastião da Gama, o Segredo é Amar

PROPOSTA DE TRABALHO:
  • Dividir o texto em partes e atribuir título a cada parte
  • Identificar as personagens e suas características
  • Relacionar o texto com os "Sermões" de Padre António Vieira (estrutura, tema, recursos estilísticos)
  • Relacionar o texto com as "fábulas"
  • Redigir um texto (fábula, conto...) a partir do estudo do texto de S. da Gama
Sermões, Padre A. Vieira
“Encarcerar a Asa”, Sebastião Gama
Estrutura e Divisão do texto:
Exórdio
Introdução
1.“Encarcerar a asa”… “queriam falar”

Confirmação
(Com exemplos)
Desenvolvimento
 com
exemplificação
2.1. “Asa encarcerada não”… “por si mesmo”
2.2. “Os meus vizinhos”… “apanha muito frio”

Peroração
Conclusão
3.“Ó Velhinha”… “têm frio”
“ O DIREITO À LIBERDADE “

O pequeno Pedro era o maior admirador dos trabalhos feitos pelas mãos enrugadas e calosas do velho Francisco. Era também o detentor desses trabalhos, talhados com a ajuda dum antigo canivete, que sempre o acompanhava. Pequenas miniaturas de animais, aves e até uma imagem a que chamava “ Nossa Senhora” e que a Mãe do garoto, punha no presépio pelo Natal…
Algumas vezes, ia com ele ao ribeiro, em busca de pequenos bocados de madeira de colmo, choupo ou faia, com os quais construía as pequenas figuras de que o Pedro tanto gostava! Durante uns dias, o menino andou curioso e intrigado, com o tamanho do trabalho que ocupava as mãos do seu velho amigo!
Encheu-se de coragem, e perguntou:
_ Isso o que é?  
_É uma gaiola - respondeu Francisco, com aquele sorriso simpático que o caracterizava. Tão grande!... - admirou-se a criança.
_Vou apanhar aquele melro de que tu tanto gostas. Estás satisfeito Pedro?
_ Estou mesmo! -  disse, saltando de alegria!
Pela tarde, quando regressou da escola, já o melro o esperava na linda gaiola…
Correu a contar à Mãe a grande novidade. Ficou preocupado
com aquela ruga que de repente se formou no seu rosto e intrigado quando a ouviu dizer: “coitadinho”
A criança passava todo o tempo junto da gaiola, mas cada vez mais preocupado…
O melro não voltou a cantar. E quando a criança se aproximava
Uma nuvem de penas negras voavam e algumas ficavam presas nas grades. Com lágrimas de tristeza, procurou consolo nos braços da Mãe e contou-lhe o seu desgosto.
_ Mãe, ajuda-me, o melro não gosta de mim, até deixou de cantar! _ Solta-o, Pedro, - disse a Mãe - Ele morre se continua preso …
_ Mas eu gosto tanto dele!
_Olha, filho, eu amo-te muito, tu sabes, mas não te prendo. Tu és livre: vais à escola, corres pelo campo, tens um lar …O melro pertence à Natureza que é o seu lar, a sua escola, foi lá que aprendeu a voar e a cantar. É lá que vive com os da sua espécie. Canta, porque é livre e feliz. E por isso tem nas penas aquele brilho azulado que nos encanta! O menino correu para a gaiola e abriu a pequena porta. A princípio, o melro não entendeu aquela promessa de liberdade! Finalmente, sacudiu as penas e voou para longe!
A criança limpou as lágrimas à manga do blusão, ao mesmo tempo que uma mão enrugada lhe poisava no ombro.
Aprendeste, Pedro? _ perguntou- lhe o velho amigo. Limpa as tuas lágrimas e fica feliz por dares a liberdade a quem dela precisa para viver. E não esqueças esta lição !....         
Elita Guerreiro *20/1/2015



O CANTOR DE ASAS NEGRAS”

 É essa a tua casa
A árvore do quintal?
Onde ao sol estendes a asa
Para voltares a voar?
Ó melro de negras penas
Que esvoaças contente,
Sobre o canteiro de açucenas
Que se movem, lentamente!

Ó meu pequeno cantor
Vem animar o meu jardim,
Com belas trovas de amor
Que cantas só para mim!
Vem poisar no parapeito
Da pequena janelinha,
E cantar nesse teu jeito
Logo pela manhãzinha…

Quando o sol acordar
Estou a esperar por ti.

Volta de novo a cantar
Livre, alegre, no jardim!


Elita Guerreiro * 20/1/2015

A Caturra Cinzenta


Inesperadamente a porta da gaiola abriu-se e a linda caturra branca, voou em direção à liberdade porque tantos anseiam.
Incrédulo o meu olhar acompanhou o seu vôo até á altura que lhe foi permitido alcança-la. Chamei por si e durante horas, olhei insistentemente para a liberdade, que talvez ma trouxesse de volta. Mas não regressou.
Para o seu lugar ofereceram-me uma pequena caturra cinzenta, não tão linda como a outra.
Olhámo-nos uma à outra e começou o entendimento. Segredava-mos as duas. Eu de rosto colado à gaiola, a ensinar-lhe a palrar e a dizer palavras curtas, como ensinava aos meus netos. Começou a assobiar como gente grande, e eu a responder-lhe. Diz olá corretamente, chama menina e dá beijinhos. À hora de se deita, só vai para o poleiro quando está tapada. Gosta de bolachas torradas e ouve um cd da natureza, quando o frio não permite que vá para a rua, E tem visitas. Os pássaros pequenos entram e saem da sua morada, onde vão comer e beber.
Se eu soubesse que alguém a alimentaria, aconchegaria a sua manta antes de ela dormir e que os outros pássaros entendiam as palavras que pronuncia, não olharia ao vazio que ele deixasse e certamente lhe abriria as portas da gaiola de par, em par.
É esta a história de vida da caturra cinzenta.

Adalberta Marques, 2015

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