segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Sebastião da Gama e Alberto Caeiro

Comparar os  poemas  seguintes de Sebastião da Gama
com a :
 
"AVÉ, MANHÃ..."

A Manhã de hoje, branda,
parece Nossa Senhora...

Cantem-lhe os outros verso bem rimado...
- Eu, cá por mim, humilde, mais não sei
que continuar aqui ajoelhado...

Sebastião da Gama, Serra- Mãe

APONTAMENTO

É tão bom
Sentir a ventania lá por fora
e a calma cá por dentro!...

Ou o contrário disto:
vento e raiva cá por dentro e, lá por fora, uma calma
que mais parece um gesto ou um olhar
de Cristo...

Ou, então,
chegar a esta confusão
de não saber se o vento é lá por fora
se é cá por dentro...

Sebastião da Gama, Serra- Mãe

DEFESA

O sol é meu e dos meninos ricos...

- Triste de quem não vê florir as rosas!
Triste de a quem somente foram dadas
ruas sombrias, lôbregos desvãos!

Ah!, mas não tenho culpa. Sou moreno,
sou forte, porque o sol me quer assim.
Digam ao sol, se entendem, que se esconda:
não me peçam a mim que esconda as mãos,
nem que neguem meus olhos e meus lábios
o milagre do Sol gostar de mim!

Sebastião da Gama, Cabo da Boa Esperança

EXPRESSÃO
Passei a tarde nisto;
a procurar, cá dentro,
um verso que me exprimisse.
Mas nunca o disse...

(E tão ceguinho sou, tão pouco afeito,
a conhecer o que faço
que só agora vejo que esse esboço
de Som que me abortou antes dos lábios
é um verso já feito...)

Sebastião da Gama, Itinerário Paralelo
ALEGRIA
Fazer um verso...
Confiante e calmo,
ficar depois à espera que floresça...
(Ah!, é preciso
é que floresça:
seja no coração de uma criança
ou no da mais impura prostituta)
E quando, enfim, florir,
não trocar por nenhuma essa alegria.
Maior nem a deus, criando
da mesma escuridão as Aves e o Dia.
Sebastião da Gama, Itinerário Paralelo
À MEMÓRIA DE ALBERTO CAEIRO
Agora sim, que fechei o livro de Poesia. 
O Sol deixou de ser uma metáfora para ser o Sol. 
Os sentimentos deixaram de ser apenas palavras. 
Tudo é de verdade, agora que fechei o livro de Poesia                                                                
                                    [e olhei de frente quanto existe. 

Porque diabo me ensinaram a ler? 
(Se não soubesse ler nem sequer fechava o livro, insa-
                               [tisfeito porque o não tinha aberto.) 
Porque me não deixaram sempre agreste e criança? 
As minhas leituras seriam todas fora dos livros. 

Havia de olhar para tudo com uma alegria tão grande, 
                                 [com uma virgindade tão grande, 
que até Deus sorriria 
contente de ter feito o Mundo...
Sebastião da Gama, Itinerário Paralelo
IMAGEM
Deixem-me esta imagem, mesmo quando eu dormir,
                                        [mesmo quando eu morrer.
Esta imagem de cores bailando, bailarinas falsas, danças
                                                                      [verdadeiras
de luz saudável
De coisas só muito boas, como nem nos sonhos.
Porque eu não estou sonhando. esta imagem aconteceu
                                        [- me eram seis horas da tarde
e eu tinha os olhos abertos
e os pássaros cantavam, nítidos, no ar.
Vou levá-la comigo,
bem no fundo dos meus olhos que é como quem diz bem
                                                  [no fundo da minha alma,
a todos os sítios a que for.
Pra olhá-la quando estiver triste
e quando estiver contente
e quando não estiver contente nem triste.
Esta imagem aconteceu-me eram seis horas da tarde...
o Sol estava alegre, o Mar alegre.
E eu que não estava alegre nem triste
fiquei alegre sem saber porquê...
Sebastião da Gama, Itinerário Paralelo

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