sexta-feira, 24 de agosto de 2012

ZEZINHO (conto de Ana Machete)


Zezinho


Numa aldeia mesmo ao pé do mar, havia um rapaz que todos consideravam como o parvo lá da terra. Tinha cerca de 30 anos,  era baixote e franzino e não se interessava por quase nada. Tinha andado na escola, sabia ler, escrever e contar, mas isso era assunto que não gostava nem de ouvir falar. Gostavam dele, porque era inofensivo, mas não o tinham  em conta de ser capaz de organizar a vida. Tanto os homens como as mulheres o protegiam, e era como um filho da terra a quem sempre é preciso dar a mão. As crianças gostavam muito de brincar com ele: às escondidas, à bola, à macaca, às cavalitas.
Lá na aldeia quase todos os homens eram pescadores. Iam cedo para a faina. As mulheres trabalhavam em casa e nas pequenas hortas. O Zezinho sentava-se no alto da falésia a olhar para o mar ou então deambulava pela aldeia, saudando novos e velhos e falando muitas coisas a que ninguém prestava atenção. Se fosse preciso fazer um mandado simples, lá ia o Zezinho como moço de recados.
Boa mesmo era a hora da saída das aulas. Aí estava ele à porta da escola para regressar à aldeia saltando e correndo com os miúdos.
Num dia de primavera, igual a tantos outros, em que o Zezinho voltava à aldeia com os seus amigos em alegres correrias, ouviu-se um grito, seguido de um eco. Tanto o Zezinho como algumas crianças olharam para trás, mas como não viram nada, continuaram despreocupados o caminho de regresso.

Quase a chegar ao adro, a Anita deu pela falta da sua amiga Júlia e começou a perguntar a todos se a tinham visto. Uma das meninas lembrou-se que ela tinha ficado para trás a apanhar umas papoilas, mas, olhando para o caminho que tinham percorrido, não a viram em lado nenhum. Pediram então ajuda ao Zezinho.
Ele de imediato pediu a um dos rapazinhos para ir à taberna avisar que a Júlia tinha desaparecido e sem dar explicações desatou a correr para o local onde  tinham ouvido o grito.
Foram todos atrás dele, mas ele não deixou. Mandou-os para casa em tom firme:
-          Vão ter com as vossas mães, hoje a brincadeira acabou. Só vem comigo o João, que é quem corre mais depressa.
Quando chegaram ao local das papoilas começaram os dois a chamar a Júlia. Punham as mãos em concha e gritavam a plenos pulmões, mas não havia resposta.

Entretanto começaram a chegar os homens e também algumas mulheres.
Observaram o terreno e não tardou que descobrissem os vestígios da passagem de alguém naquele local. Seguindo as ervas pisadas encontraram uma fenda na rocha e voltaram a chamar:
-          Júliaaa !
-          Mãe! estou aqui – respondeu uma voz lá do fundo.
-          É preciso ir à aldeia buscar uma corda - disse o sr. Joaquim
-          E uma lanterna - acrescentou uma voz.
-          Eu vou - disse o sr. Joaquim.
E sem pestanejar desatou a correr pela estrada fora.
Para aliviar a tensão começaram todos a falar para dentro do buraco onde estava a menina:
-          Estás bem? - perguntavam uns.
-          Estás ferida? - perguntavam outros.
-          Tenho muito frio, quero sair - respondeu a Júlia.
Foram minutos de angustia, enquanto esperavam pela corda.
O sr. Joaquim lá chegou, ofegante,  com um rolo de corda às costas e uma lanterna no bolso.
-          Quem é que vai descer? - perguntou.
-          Eu! - disse o Zezinho.
-          Tu? ouve lá, isto é trabalho para um homem!
-          Eu sou um homem - afirmou o Zezinho - e vocês são todos muito gordos para caberem ali. Eu é que vou.
Ataram-lhe a corda à cintura, meteram-lhe a lanterna na mão e fizeram-lhe mil recomendações.
-          Tem cuidado anh, vê lá se a atas bem e se a trazes com cuidado.
-          Eu cá sou um homem - repetia ele.
Desceu. A Júlia não estava muito fundo mas estava a chorar e tinha as pernas todas arranhadas.
-          Quero a minha mãe - disse ela a choramingar.
-          Agarra-te a mim como se eu fosse a tua mãe, olha vou dar-te um beijinho, queres?
-          Sim - respondeu ela, abraçando-o.
-          Vamos subir, está bem?
-          Sim, tenho muito frio.
-          Puuxaa!
Ao fim de uns longos minutos estavam os dois  sãos e salvos.
Nessa noite houve festa na aldeia. Todos vieram cumprimentar o Zezinho, os pais da Júlia não sabiam o que fazer, riam e choravam emocionados.
O Zezinho estava feliz,  tinha ajudado uma amiga e era o centro das atenções.
-          Viva o Zezinho! - gritou uma voz.
-          Vivaaa! - gritaram todos em coro.
-          Oh Zezinho, gostávamos de te agradecer por teres salvo a nossa Júlia - disse o regedor - há alguma coisa que tu gostasses?
O Zezinho olhou para cima, coçou o queixo e disse:
- Há sim senhor, quero ser bombeiro, andar naquele carro encarnado e ajudar as pessoas.


Ana Machete, 2012

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