sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O DESTINO E O AMOR (conto de Elita Guerreiro)



“O DESTINO E O AMOR”
João Vaz era um mocetão forte, trabalhador e honesto. Os Pais não o quiseram nos trabalhos do campo. Mandaram-no aprender o ofício de caldeireiro de cobre. Tornou-se um óptimo profissional   e os trabalhos que executava eram verdadeiras obras de arte.      Chegou o dia em que o João teve de sair da aldeia que o viu nascer, para cumprir o serviço militar. Despediu-se dos velhos      Pais, tristes, por verem partir o filho querido. E foi despedir-se dos amigos de sempre, Carlos e Aurora. Quis o destino que Aurora   desse à luz nesse dia uma menina. João, estava destinado desde sempre a ser padrinho do primeiro filho do casal. Foi com muita     alegria que pegou naquele embrulhinho de gente.

 - Vais-te embora, João, mas serás sempre o padrinho da nossa filha- disse Carlos… comovido com a ternura e delicadeza do amigo, um gigante mimando um recém-nascido.

- Que nome vamos dar à tua afilhada?

Sem hesitar, João respondeu:

- Cândida. E cria-a bem, porque um dia venho pedi-la em casamento.

Todos sorriram, com o que julgaram ser mais uma das muitas brincadeiras do amigo. Abraçaram o João, que partia para um dos muitos quartéis espalhados por Lisboa. Entretanto, João incorporou um dos primeiros contingentes que foram combater em França, numa guerra incompreensível, como o são todas as guerras, aliás. João foi ferido com gravidade, no decorrer de um ataque inimigo, no momento em que tentava salvar um grupo que, sem a sua ajuda, ficaria soterrado na trincheira onde se encontravam a combater arduamente. Perdeu-se na vida. Longo tempo nos hospitais e depois foi ficando pela França. Trabalhando, tentando estabilizar a sua vida. Na aldeia, dizia-se que João, ou teria morrido na guerra, ou teria por lá constituído família. Cândida, que crescera ouvindo falar da brincadeira de João ao partir, achava graça ao facto e sorria quando alguém falava no assunto.

Era uma jovem costureirinha alegre e feliz, muito estimada por todos na aldeia. Há um antigo ditado que diz “Quando os Alentejanos se juntam, ou é para trabalhar ou para cantar”. Sem qualquer outro divertimento, os jovens depois de um dia de trabalho juntavam-se ao redor do poço da estrada e, como sempre, cantavam, conversavam e namoriscavam. Cândida festejava assim com os amigos e amigas os seus 20 anos e estava muito feliz.


Numa aldeia pequena, onde todos se conhecem, qualquer presença estranha desperta curiosidade. Aquele homem, transportando ao ombro um enorme saco, deixou a aldeia em bicos de pés. Quem é? Donde vem? Todos queriam saber. Foi Carlos que rapidamente reconheceu o amigo e o envolveu num forte e fraterno abraço. Soube pelos amigos do desaparecimento dos Pais que, cansados de o esperar, deixaram o mundo levando consigo o amor e a saudade do filho querido. João ficou calado tentando gerir a comoção. Quando por fim conseguiu falar, João disparou:

-  E Cândida? Venho casar com ela, dás-ma?

- Tu falas sério, João? - perguntaram os amigos.

- Que te disse quando parti?

- Não respondemos pela nossa filha, que já é uma mulher…

- Eu sei. Ela faz hoje 20 anos, eu faço 40.

Cândida entrou nesse momento, ouvindo tudo.

- Parabéns, João e sim, caso contigo quando quiseres.

Os Pais não sabiam que fazer ou dizer, perante tão insólita situação. Casaram e foram um casal muito feliz. Deus abençoou a sua união, dando-lhes dois filhos; Aurora e Carlos, que perpetuaram o nome dos Avós.

Conheci este veterano de guerra e esta costureirinha, já com muita idade, sentados na rua do monte. Ela, com os óculos encavalitados no nariz, tricotando meias de 5 agulhas; ele, riscando o chão com a ponta do seu velho e nodoso cajado. Sempre juntos, sempre cúmplices. Eu sentava-me muitas vezes sobre o velho muro, contemplando este casal cuja história sempre me encantou. Quem diria que viria a escrever sobre eles?!... Dando a conhecer esta verdadeira história de amor, de que talvez poucos se lembrem…

   Elita guerreiro 1/2/2011

Sem comentários: