sábado, 19 de março de 2011

Ao encontro de "Homero" (Sophia)3

HOMERO (Sophia de Mello Breyner Andresen)
Este belíssimo texto faz uma comparação entre Homero e o Homem, figura central do texto. Ambos cantam os seus poemas.
Neste conto, o Homem (Búzio) é uma figura vagabunda da terra e das praias, que canta as suas melopeias acompanhando-as ao som de duas conchas, fazendo destas (as suas) castanholas.
A figura, quando se começa a vislumbrar ao longe na praia, faz lembrar à pequena narradora um “Ícone Manuelino”.
                . A sua barba branca ondulada.
                . As veias grossas das suas pernas, a lembrarem os cordames de um barco.
                . Os seus olhos, com as suas mutações de cor a lembrar o mar.
                . A sua maneira de caminhar, como a de um marinheiro ou o deslizar de um barco.
                . O seu corpo direito, alto, como um mastro ou um pinheiro, fazia lembrar o mar.

Esta figura fazia-se acompanhar pelo seu cão velho, esbranquiçado, de pêlo grosso, comprido e focinho preto. Era o seu companheiro do peditório de sábado para o seu sustento. Juntamente com um conjunto de pobres trágicos, o Búzio era sozinho mas não solitário, não fazia pena.
"Ter pena dele seria como ter pena de um plátano, ou de um rio, ou do vento".

Numa tarde, a pequena narradora seguiu-o à distância até à praia. As suas palavras perdidas no vento transformam-se e exprimem a união da relação do Homem com a natureza. Essas palavras, que “brilhavam como escamas de peixes”, "relembravam os restos da alegria da terra". Eram palavras “tão desertas como as praias” e quando o Homem as invocava:

                Vento / Frescura das águas / Oiro do sol / Silêncio das estrelas

as palavras ficavam povoadas de sentido: “chamavam pelas coisas, que eram o nome das coisas”.
Palavras que revelam a vida e são a própria vida.


HOMERO  in Cem Poemas de Sophia)

Escrever o poema como um boi lavra o campo
Sem que tropece no metro o pensamento
Sem que nada seja reduzido ou exilado
Sem que nada separe o Homem do vivido.

CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS
O BÚZIO
            FÍSICA
                velho
                alto
                direito
                barba branca ondulada
                grossas veias azuis nas pernas
                andar baloiçado como um andar de marinheiro
                os olhos ora  azuis, ora verdes, ora roxos, como o próprio mar
                     
            PSICOLÓGICA
                vagabundo
                louco
                calmo
                calado
                fala com a natureza

                SOCIAL
                era um pedinte solitário que tinha um cão, como único companheiro
                era pobre (“não possuia nada”).
                era um homem que vivia em comunhão com a natureza
                (“vivia com a terra toda que era ele próprio, era a sua mãe, a sua mulher, a sua casa, a sua companheira, a sua cama, o seu alimento, o seu destino, a sua vida”).

 A CRIANÇA
                A narradora  é uma menina, cuja família tinha uma casa junto ao mar, onde ela passava as férias. Presume-se que a criança, apesar de gostar de brincar como qualquer outra, tem uma sensibilidade demasiado desenvolvida para a sua idade.
                Naquela tarde, já ao pôr do sol, viu o Homem (Búzio), a sair do jardim  daquela casa onde brincava  e reparou que ele se dirigia para a praia , após ter ultrapassado o portão. Sempre o tinha considerado um velho vagabundo e louco, mas tentou saber mais.
                Chegados  à praia, ela distanciou-se dele e começou a ver que o Búzio fazia uma espécie de ritual virado para o mar emitindo palavras que a narradora não conseguia ouvir, porque o vento depressa as dissipava, lembrando, contudo, que eram palavras de revelação de um mundo inicial, harmonioso e puro: 
“palavras que chamavam pelas coisas, que eram o nome das coisas”.

Esta mensagem da Poeta (como Sophia gostava de ser tratada) alerta-nos para a   necessidade de aprendermos a VER em cada OLHAR..., de sacudirmos dos nossos sentidos a poeira do tempo que nos impede de ver e “escutar o débil e surdo barulho dos búzios”.

E é sempre no real, segundo Sophia, que a verdade se nos REVELA.

Maria do Carmo Bairrada, 22/02/2011
(ilustrações a partir do suporte escrito: de Carmo Bairrada e José Bairrada)

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